Manifestações
A luta política de cara nova
Como junho de 2013 inspirou uma geração de ativistas
por Marsílea Gombata
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publicado
27/06/2016 01h16
Wanezza Soares

Rita Souza e Sarah de Roure: as mulheres são protagonistas dos protestos
*Por Marsílea Gombata e Miguel Martins
No ano passado, a estudante e operadora
de telemarketing Rita Souza, 20 anos, tornou-se coordenadora do
Movimento Sem Teto na Ocupação Dandara, habitada por cerca de mil
famílias na zona leste de São Paulo.
Criada em bairros pobres e favelas da
região sul da cidade, Rita viveu dificuldades semelhantes com moradia
antes de se mudar com os pais e seus três irmãos para o Jardim Iguatemi.
Sua casa, adquirida pela família por 5 mil reais em 2006, é próxima do
local ocupado atualmente pelo MTST.
O contato com os moradores da ocupação a
faz lembrar das agruras vividas na infância. Longe de se restringir
apenas à defesa do direito à moradia, sua militância política tem como
ponto de partida suas experiências pessoais. “Minha segunda família é a
luta.”
Da mesma forma, Rita reforça a importância do feminismo e da batalha pelo fim da violência contra a mulher ao se lembrar das agressões sofridas por sua mãe quando o pai chegava alcoolizado em casa.
Empolga-se ainda ao elogiar o movimento dos secundaristas que barrou, em 2015, a reorganização escolar imposta pelo governador paulista, Geraldo Alckmin, do PSDB. “Estudei a vida inteira em escola pública, sei o quanto a estrutura é precária.”
Assim como muitos jovens de sua idade,
ela é desconfiada em relação à política partidária tradicional, mas tem
convicção sobre a relevância das ocupações e dos protestos. “A rua é o
espaço ideal para se defender os direitos do povo.”
Em 2013, Rita e outros 20 milhões de
brasileiros participaram de atos difusos, nos quais a luta contra o
aumento da tarifa do transporte público abriu caminho para o hasteamento
de diversas bandeiras, entre elas a exigência de melhoras nos serviços
públicos, a crítica à classe política e à corrupção.
Pela esquerda ou pela direita, as
manifestações de junho, que completam três anos neste mês, consolidaram
os protestos de rua como principal instrumento de luta política das
novas gerações.
No campo progressista, foi o ápice
de um lento e silencioso trabalho de base realizado por movimentos
criados a partir do fim da década de 1990. Naquele período, o Movimento
Antiglobalização e o próprio MTST surgiram a partir de uma abordagem
pré-figurativa: emulam em sua organização interna os valores que propõem
para o restante da sociedade, entre eles o fortalecimento da democracia
direta, a ausência de lideranças preestabelecidas e a atuação por redes.
Os atos de 2013 tiveram como denominador
comum a luta contra o aumento da tarifa encampada pelo Movimento Passe
Livre. Criado em 2005 durante o Fórum Social Mundial, o MPL aprofundou a cartilha dos movimentos horizontais surgidos no fim da década de 1990.
Em comum com os antecessores, o movimento
compartilha a desconfiança em relação à política partidária
tradicional, especialmente após a chegada de Lula ao poder em 2003.
Formado a partir de uma reunião de movimentos sociais constituídos no
fim da ditadura, o PT descolou-se das bases durante seus governos e
deixou aos poucos de ser a referência prioritária da juventude de
esquerda.
Apesar da diversidade de bandeiras
nas manifestações de junho, a luta central para barrar o aumento do
transporte público foi bem-sucedida em diversos estados e contemplou 70%
dos brasileiros. O sucesso das mobilizações fortaleceu vários
movimentos de esquerda, entre eles o MTST. Foram registradas 681
ocupações de sem-teto em São Paulo entre 2013 e 2014, ante 257 nos dois
anos anteriores, revelam dados da Secretaria de Segurança Pública.
Ao participar dos atos convocados pelo
MPL em 2013, Douglas Oliveira, 18 anos, percebeu a importância das
manifestações. “Naquele ano, tive uma aula de que é possível protestar,
lutar por algo e ser ouvido”, conta. “Foi um ano-chave para a política
do País.”
Pouco tempo depois, Oliveira passou a
militar no movimento estudantil com afinco. Em 2015, participou da
ocupação na Escola Estadual Fernão Dias, um dos centros de resistência
contra a reorganização escolar de Alckmin. Em abril, integrou o grupo
que ocupou o Centro Paula Souza, prédio administrativo das escolas
técnicas de São Paulo, em protesto contra a baixa qualidade da merenda
escolar.
As ocupações das escolas
e as manifestações de 2013 estão inter-relacionadas, lembra o
secundarista. “Vários estudantes que começaram a militar naquele ano
ocuparam escolas estaduais e Etecs.” Mas o ativismo cobra o seu preço.
Ele conta ter sido perseguido pela
diretoria da Etec Guaracy Silveira, onde estudava, após se envolver na
militância. Segundo o estudante, seu nome foi registrado em um Boletim
de Ocorrência com outros quatro alunos e dois professores, e anexado ao
pedido de reintegração de posse do Paula Souza.
Presidenta da União Nacional dos
Estudantes, Carina Vitral lembra que a luta secundarista sempre existiu,
mas enxerga em 2013 um marco de mobilização. “Diferentemente de
gerações anteriores, esta nova geração acredita na força das ruas para a
mudança e sabe que tem esse poder nas mãos.”
Vitral credita a efervescência à
transformação social pela qual passou o País nos últimos anos, que
impactou diretamente a politização dos estudantes. “Jovens da dita
classe C empoderaram-se após entrar nas universidades.”
O feminismo também se revigorou após 2013. Atuante no
Brasil desde os anos 1970, o movimento historicamente se fortalece
quando se associa a outras pautas, como a luta sindicalista pelo aumento
do salário mínimo, o movimento negro ou mesmo as reivindicações no
campo da educação básica, na qual a maior parte do corpo docente é
composta de mulheres.
Em 2013, o movimento passou a focar em um
recorte de gênero sobre temas então em voga, como a luta por transporte
de qualidade. “Aquele ano retomou o conflito como arma para a
transformação”, observa Sarah de Roure, 33 anos, militante da Marcha
Mundial das Mulheres, ao citar novas narrativas no processo de
mobilização das feministas.
“No nosso caso, começamos a ler de forma
coletiva o tema da mobilidade urbana e a relação com a cidade. Passamos a
discutir sob duas perspectivas: a do assédio e também sobre como o
aumento da tarifa impactaria a vida das mulheres em São Paulo.”
- Ocupações do MTST como a Dandara, na zona leste de São Paulo, multiplicam-se no Brasil (Foto: Peter Leone/Futura Press)
A partir de 2013, diz De Roure, os
debates sobre a desigualdade de renda, a sobrecarga do trabalho
doméstico e a maneira como as mulheres circulam no espaço urbano de
maneira diferente dos homens se fortaleceram.
Militante do PCdoB durante a ditadura e
uma das principais ativistas feministas do País, Maria Amélia de Almeida
Teles, 71 anos, acredita que o ano de 2013 influenciou o movimento ao
impulsionar a criação de novos coletivos feministas.
“Nunca houve tantos. Basta olhar como
eles surgem nas ocupações das escolas, por exemplo. Desde 2013, a
população passou a reagir mais às injustiças. As jovens feministas vêm com sede de protagonismo: querem tomar as ruas, protestar, reagir, reivindicar.”
No horizonte próximo,
a feminista da União de Mulheres de São Paulo e da Comissão de
Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos enxerga dois desafios:
primeiro, a necessidade de a esquerda reconhecer anseios feministas,
muitas vezes deixados em segundo plano nos anos da ditadura.
Segundo, a tarefa de aproximar as
diversas pautas progressistas. “Hoje temos muitos movimentos e agendas
que se sobrepõem, mas não se somam. Isso faz com que tenhamos pouca
força para dar uma resposta neste momento de ascensão conservadora.”
Segundo Pablo Ortellado, professor de Gestão de Políticas
Públicas da USP e estudioso das manifestações de 2013, a principal
dificuldade para a formação de novas alianças entre os movimentos
horizontais é a falência do projeto petista original.
Em sua origem, diz o pesquisador, o PT assemelhava-se às
novas iniciativas de esquerda na Europa, como o Podemos, na Espanha, e o
Syriza, na Grécia, formados a partir de alianças de movimentos sociais.
“Quando o partido se converteu em uma legenda política tradicional,
muitos movimentos passaram a acreditar que o caminho da
institucionalidade não pode dar certo.”
Guilherme Boulos, coordenador nacional do MTST, reforça a
necessidade de ampliar as alianças entre os novos movimentos e a
juventude. No ano passado, o movimento tornou-se o principal articulador
da Frente Povo Sem Medo, que procurou incorporar a resistência contra o
impeachment às críticas à política econômica de Dilma Rousseff.
Atualmente, o bloco organiza diversos atos contra o governo interino de Michel Temer.
“A construção de frentes é o caminho para se consolidar uma luta
unitária contra a direita”, defende. “Por enquanto, trata-se de uma
unidade reativa, mas a construção de um programa mais amplo e
propositivo está posto. O ciclo capitaneado pelo PT chegou ao seu
limite. É preciso apontar novas direções.”
A opinião é compartilhada pelos
militantes mais jovens. “Não mudaremos as relações de desigualdade entre
mulheres e homens se não olharmos para o conjunto, a representatividade
política e a dinâmica econômica”, afirma Sarah de Roure. “Se não
considerarmos a luta como parte de um processo de alianças, não haverá grandes transformações.”
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