quarta-feira, 27 de abril de 2016

PROGRAMA ÁGUA NAS ESCOLAS

Carta do I Encontro Nacional de Avaliação do Programa Cisternas nas Escolas
“Por uma educação pública de qualidade, inclusiva e contextualizada”
Nós, representantes legais, coordenadoras/es, monitoras/es pedagógicas/os,
animadoras/es, assessoras/es, gerentes das organizações executoras do Programa
Cisternas nas Escolas da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), reunidas/os nos dias
13 e 14 de abril, em Gravatá – PE, no Encontro de Avaliação do programa,
posicionamo-nos frente à situação de degradação e abandono da educação pública
brasileira, especificamente à educação pública do campo do Semiárido brasileiro.
Desde janeiro de 2015, colocamos a disposição da sociedade nossa capacidade de
mobilização para articularmos 2.500 escolas de 256 municípios da região semiárida
em um processo de formação de seus profissionais e de implementação de cisternas
de 52 mil litros de armazenamento de água da chuva, para continuidade das aulas nos
períodos de estiagem.
Fomos privilegiadas/os em dividir momentos dessa articulação com mais de 9.500
companheiras e companheiros da educação escolar que participaram de oficinas e
cursos em uma ação que resultou na capacidade de armazenamento de 130 milhões
de litros de água que atenderam mais de 230 mil educandas e educandos do campo.
A presença no campo nos fez vivenciar de perto também a situação de descaso para
com as crianças e jovens do Semiárido. Profissionais da educação são deixados a sua
própria sorte e esforço para garantir a educação dos/as educandas e educandos.
Esse não é um processo isolado, e nem ao acaso. É fruto de um projeto para o campo
brasileiro que pretende a desocupação campesina dos territórios e, para tanto,
inviabiliza a vivência e construção de valores locais pela população mais jovem.
Pautados somente pela lógica da economicidade, representantes do poder público
pretendem centrar todo recurso para a educação em áreas citadinas, tornando o
campo um “não lugar”, desconsiderando a importância de suas culturas,
conhecimentos e valores. Por isso, denunciamos que a realidade da educação do
campo convive com:
- Estrutura de aprendizado precária (carteiras quebradas, goteiras, falta de ventilação
e de materiais como quadros, entre outros problemas);
- Não valorização dos profissionais da educação;
- Desrespeito à Lei de Educação do Campo, que exige formação específica para
docentes que trabalham em áreas rurais;
- Descumprimento da Lei de fechamento de escolas, que estabelece a obrigatoriedade
de anuência da comunidade onde a escola está inserida para conclusão do processo;
- Ausência de controle da aplicação dos recursos destinados como investimento direto
à escola (Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE);
- Insegurança alimentar proveniente de uma alimentação inadequada, baseada em
produtos industrializados e processados, pobre em soberania alimentar;
- Ensino descontextualizado incapaz de relacionar os conhecimentos locais, chegando
muitas vezes a desmerecê-los e a repetir preconceitos contra os saberes do campo.
Os problemas aqui elencados são agravados quando deparados com questões
relativas à diversidade que representa a população brasileira.
Nossas companheiras estão inseridas em uma realidade machista de violência, e as
crianças e adolescentes não estudam e não debatem sobre essa realidade. As
discussões em sala de aula permitiriam criar um futuro igualitário entre homens e
mulheres no respeito, e nos direitos e deveres. Ao contrário, são impedidas a
aprofundarem o tema de gênero, reproduzindo assim os valores da sociedade
patriarcal. Essa é uma realidade com a qual nos deparamos no decorrer da execução
do projeto e que não pode ser silenciada ou invisibilizada.
A diversidade sexual e configurações de diferentes modelos de família no Semiárido, a
exemplo de casais do mesmo sexo e de famílias monoparentais são ignoradas. A
escola, espaço que deveria prezar pelo descobrimento dos potenciais individuais, a
partir do respeito a/o outra/o e da interação coletiva, acaba por ser mais um espaço,
dentre tantos outros, de repetição de preconceitos e de práticas desumanizadoras.
Na execução do programa, pudemos dividir o trabalho com 58 comunidades
quilombolas e 80 aldeias indígenas, o que nos possibilita afirmar que as diferentes
etnias, raças e povos que formam nossa nação são ignorados pela nossa educação.
Em um projeto de homogeneização, a política de educação brasileira quer igualar o
inigualável. Dentro de um discurso de igualdade, acaba por excluir as diferenças e não
promove equidade. Não proporcionando, assim, justiça frente às diferenças
resultantes da nossa história de dominação, exclusão e violência aos povos negros e
indígenas.
É preciso que a educação pública brasileira abra as portas para diversidades de cores,
raças, orientações sexuais e gêneros que formam nosso Semiárido. Para que as
comunidades se reconheçam dentro da escola e cuidem desta como se fosse uma
extensão de suas casas, uma continuidade do processo educativo que se inicia no lar.
Reafirmamos que nossa capilaridade concretizada nas mais de 3 mil organizações da
sociedade civil espalhadas por todo Semiárido está à disposição da luta por uma
educação pública de qualidade, inclusiva e contextualizada como forma de resistência
ao projeto de expulsão dos povos do campo, esclarecendo a população dos seus
direitos e engrossando assim as fileiras dessa luta.
Seguiremos em frente, disponibilizando às escolas de nossas crianças e jovens o
conhecimento de educação popular construído no decorrer de nossa luta, em um
processo de permanente reflexão, diminuindo, como orientou o mestre Paulo Freire: a
distância entre o que se diz e o que se faz. Zelosas e zelosos nós mesmas/os de não
reproduzimos os princípios conservadores da sociedade que não queremos para nós,
mas da qual fazemos parte.
Por último, sabedoras e sabedores de que as forças que impulsionam o processo de
Impeachment da presidenta Dilma representa tudo o que denunciamos – descaso e
desprezo aos povos do campo, nós estaremos em vigília, nas ruas e estradas de
nosso país, até que se assegure o direito de governar da presidenta eleita, em luta
pela liberdade e justiça de todo nosso povo.
Gravatá, 14 de abril de 2016.
#SemiáridoPelaDemocracia #NãoVaiTerGolpe

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