Após novo teste nuclear, país volta a usar tom belicoso contra EUA e Coreia do Sul
Alguns anúncios realizados pela Coreia do Norte nos últimos dois
meses têm mantido a comunidade internacional apreensiva em relação ao
país. Em janeiro, Pyongyang afirmou ter testado uma bomba de hidrogênio
para se “proteger” contra uma invasão, alegando que o armamento poderia apagar os EUA
do mapa. No mês seguinte, o governo de Kim Jong-un colocou um satélite
em órbita no que especialistas consideram, na verdade, um teste de
mísseis balísticos.
Embora Pyongyang costume exagerar seus feitos, o lançamento do
satélite e a detonação da suposta bomba de hidrogênio representariam,
combinados, um grande salto na capacidade bélica norte-coreana. Caso
convertido em míssel, o foguete usado para colocar o satélite em órbita
poderia atingir qualquer parte continental dos EUA.
Neste contexto, o quão perigoso militarmente é o país asiático?
As informações sobre a Coreia do Norte são escassas devido ao seu
profundo isolamento, porém, é útil avaliar sua capacidade bélica para
responder à essa pergunta. Estimativas apontam que Pyongyang possuía até oito ogivas
de plutônio em 2015. Além disso, acredita-se que o país tenha material
adicional para montar entre quatro e oito ogivas de urânio. Alguns
analistas chineses, por outro lado, colocam o arsenal norte-coreano em até 20 ogivas.
Nos últimos anos,
a Coreia do Norte reativou um reator usado anteriormente para extrair
plutônio, além de revelar uma centrífuga que poderia ser utilizada para
enriquecer urânio a altos níveis. Embora não haja confirmação sobre como
essas instalações são utilizadas, teoricamente, elas possibilitariam a
produção de novas ogivas desde que haja matéria-prima disponível.
Mas qual a capacidade do arsenal nuclear norte-coreano? Em 2006,
o país realizou seu primeiro teste nuclear, cuja intensidade foi medida
em menos de um quiloton. Ou seja, menos de um décimo da potência da
bomba atômica lançada pelos EUA em Hiroshima (Japão) em 1945. Cada
quiloton equivale a 1 mil quilos do explosivo TNT.
Especialistas estimam que o teste de 2013 atingiu até 10 quilotons, cerca de metade da potência da bomba lançada em Nagasaki (20 quilotons) e dois terços da potência daquela que atingiu Hiroshima (15 quilotons) . Somados, esse dois ataques vitimaram cerca de 140 mil pessoas.
Ou seja, a Coreia do Norte ainda não teria conseguido desenvolver uma
bomba nuclear com capacidade igual àquelas detonadas pelos EUA há 71
anos.
Uma bomba de hidrogênio, por outro lado, é significantemente mais poderosa que a sua equivalente atômica. Em 1961, a então União Soviética testou a “Czar”, a bomba nuclear mais poderosa já detonada, tendo atingido 50 mil quilotons.
Mas estimativas iniciais indicam que a explosão norte-coreana alcançou 6
quilotons, uma fração da Czar, além de ser um resultado inferior ao
atingido no teste de 2013 .
O governo de Kim Jong-un alega que o país detonou uma versão
miniatura da bomba H, o que levantaria a hipótese de a ogiva ser pequena
o bastante para ser instalada em um míssel de longo alcance.
Especialistas, contudo, duvidam
de ambas as possibilidades, argumentando que os norte-coreanos não
possuem condições técnicas para produzir uma miniatura da bomba.
Acredita-se também que o teste foi, na verdade, a explosão de um
equipamento no meio termo entre uma bomba atômica e de hidrogênio. Ou seja, uma bomba atômica “aditivada”
com a injeção de trítio, uma forma radioativa de hidrogênio. Isso até
representaria um avanço na capacidade nuclear do país, mas não seria o
bastante para criar uma bomba termonuclear.
Ademais, ainda que Pyongyang possua armas nucleares, é preciso ter a capacidade de utilizá-las . O país já testou mísseis balísticos, mas ainda há dúvidas sobre
se a Coreia do Norte conseguiu miniaturalizar as ogivas para
instalá-las nestes mísseis. Essa conclusão não é, contudo, unânime. Em outubro de 2015,
o almirante Bill Gortney, um militar de alta patente do exército dos
EUA, disse concordar com análises da inteligência norte-americana de que
a Coreia do Norte tem condições de lançar mísseis nucleares contra o
território dos EUA. Ele destacou, porém, que o país estaria pronto para
interceptar eventuais ataques deste tipo.
O lançamento do satélite Kwangmyongsong-4 em fevereiro deste ano
reforça a conclusão de Gortney. A Coreia do Norte alega que o satélite
integra seu programa espacial, sendo puramente científico. EUA, China e
Coreia do Sul, por outro lado, argumentem que o lançamento visa
desenvolver mísseis balísticos inter-continentais.
A Coreia do Norte está proibida por sanções da ONU de usar qualquer tecnologia de mísseis balísticos. De acordo com especialistas, o
foguete usado para colocar o satélite em órbita pode carregar até 500
quilos (bem mais do que um teste anterior em 2012), o bastante para
armazenar ogivas nucleares. O alcance do equipamento pode chegar a 13
mil quilômetros – caso confirmado, seria o suficiente pode atingir
qualquer parte continental dos EUA .
Ainda é incerto, contudo, se o país desenvolveu a tecnologia que
permite ao míssel retornar à atmosfera, o que é fundamental para o seu
uso como arma.
Além disso, a montagem do míssel ainda é pouco prática, levando dias
para ser efetivada em uma imensa plataforma fixa de lançamento, que
poderia ser facilmente destruída em um ataque preventivo.
Os EUA já anunciaram a intenção de ajudar a Coreia do Sul a implantar um escudo antimísseis
avançado o mais rápido possível – o que deve enfrentar resistência da
China. Logo, mesmo que a Coreia do Norte consiga desenvolver a
tecnologia para lançar mísseis balísticos nucleares, é provável que EUA e
o Seul consigam interceptá-los.
Além disso, o arsenal norte-coreano, além de pouco potente, é pequeno se comparado àqueles das potências nucleares,
fator relevante em um eventual conflito deste tipo. A China possui 260
ogivas, a França, 300, e o Reino Unido, 225. Enquanto a Rússia tem 1,582
ogivas nucleares prontas para uso instaladas em mísseis balísticos,
submarinos e aviões, os EUA possuem 1,597 ogivas na mesma condição. Ao
todo, os russos dispõem de 7,7 mil ogivas e os EUA, 7,1 mil, entre
equipamentos prontos para uso e ogivas ativas e a espera de desmanche.
Neste sentido, a Coreia do Norte estaria em profunda desvantagem em um conflito nuclear com os EUA .
Além da capacidade de interceptar mísseis balísticos de ataques
premeditados de Pyongyang, os norte-americanos ainda teriam em estoque
quantidade suficiente de bombas nucleares para aniquilar a Coreia do
Norte. Sendo assim, esse prognóstico seria uma potente razão para
dissuadir o regime de Kim Jong-un de usar armas nucleares contra EUA,
Coreia do Sul e Japão.
Descartando as armas nucleares, a Coreia do Norte ainda poderia
representar elevado risco para a vizinha Coreia do Sul por meio de uma
invasão por terra. O país tem o quarto maior do exército do mundo, com equipamentos de artilharia pesada e 1,2 milhão de soldados ativos, além de 7,7 milhões na reserva.
A Coreia do Sul tem “apenas” 690 mil soldados, estando em desvantagem
numérica de 3 para 2. A Coreia do Norte também possui mais armamentos,
tanques, aviões, navios, artilharias e mísseis. Mas os armamentos de
Seul são modernos, fornecidos pelos EUA. Ao contrário dos equipamentos
norte-coreanos, em sua maioria antigos e limitados. Além disso, as
tropas sul-coreanas são altamente treinadas.
Ademais, para as tropas norte-coreanas chegarem ao território da
Coreia do Sul, seria necessário passar pelas cerca de 28 mil tropas
norte-americanas estacionárias na zona desmilitarizada
que separa os países. Essas tropas são apoiadas por cerca de 40 mil
soldados que podem chegar do Japão e da base militar de Guam.
Pyongyang poderia ainda utilizar bombas nucleares sujas em mísseis de curta distância contra os sul-coreanos .
Um ataque deste tipo provavelmente seria ineficiente, mas causaria
grande caos. A Coreia do Norte também poderia utilizar seus vasto
arsenal de armas químicas e biológicas contra o Sul.
Nestes cenários, possivelmente um conflito com a presença dos EUA
apoiando tropas sul-coreanas se iniciaria. Sem o apoio da China,
dificilmente Pyongyang seria capaz de resistir à superioridade militar
destes adversários. O país também enfrentaria limitações econômicas para
financiar qualquer conflito.
Estaria a China, com seu exército de 2,3 milhões de soldados (o maior do mundo), disposta a socorrer a Coreia do Norte?
Ambos os países são aliados, mas Pequim tem demonstrado insatisfação
com o regime de Kim Jong-un. O país criticou o teste nuclear realizado
em fevereiro e aceitou impor novas sanções a Pyongyang na ONU. Além
disso, nos últimos três anos,
a China realizou seis reuniões de cúpula com a Coreia do Sul, e nenhuma
com a Coreia do Norte, o que pode indicar que Pequim considera o país
menos importante que seu vizinho.
Logo, em caso de um conflito iniciado de forma premeditada pela
Coreia do Norte com a Coreia do Sul e/ou os EUA, não está claro se a
China estaria disposta a apoiar Pyongyang. É mais provável que o país
usaria sua influência sobre o regime norte-coreano para evitar o início
de um confronto na península coreana, mantendo assim os EUA distantes de
suas fronteiras e evitando uma legião de refugiados norte-coreanos buscando segurança em seu território.
Apoiar
a Coreia do Norte em um eventual conflito obrigaria a China a,
possivelmente, colocar-se contra os EUA. E isso traria o aspecto nuclear
novamente para o cenário . Ambos os países são potências
nucleares, mas os EUA possuem capacidade nuclear muito superior. É
possível argumentar ainda que os EUA também buscariam não utilizar armas
nucleares contra a Coreia do Norte em um ataque de retaliação para
evitar tensões com a China e maiores riscos à Coreia do Sul.
Neste sentido, apesar das diversas ameaças norte-coreanas aos EUA, especialistas
acreditam que a possibilidade de um ataque premeditado da Coreia do
Norte aos EUA, Japão ou Coreia do Sul é quase nula. Um ataque deste tipo
resultaria, provavelmente, na destruição de parte considerável do país
por tropas norte-americanas e sul-coreanas, além do fim da dinastia Kim.
E essa possibilidade é potente o bastante para dissuadir o regime
comunista de utilizar suas armas nucleares. No entanto, possuir essas
armas garante ao país – além do discurso de superioridade militar sobre o
Seul -, certa base para negociações com a comunidade internacional.
O país poderia usar uma eventual intenção de desativar ao menos parte do seu programa nuclear para receber, por exemplo, ajuda econômica, energética e alimentícia.
Embora o avanço do programa nuclear norte-coreano ajude a sustentar a
retórica belicosa do país, ele não significa, por si só, o aumento das
chances de uma guerra na península coreana. A elevada probabilidade de
uma derrota em um conflito com os EUA e a Coreia do Sul, resultando na
implosão do país, seria o bastante para conter o impulso do regime em
usar suas armas nucleares.
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