Opinião
Gilmar Mendes e a Justiça humilhada
Ao trocar o Direito pela política, ministro do STF dá um péssimo exemplo aos seus pares
Carlos Humberto/ SCO/STF

O ministro Gilmar Mendes passou a emitir juízo negativo de valor
Na
iconografia jurídica, Têmis, deusa grega da Justiça, representa a
certeza de solução imparcial de conflitos. Sempre aparece aparelhada com
veste comprida até o talo (talar), venda nos olhos para não distinguir
pessoas, balança de dois pratos para pesar as pretensões e espada a
conferir força coercitiva às suas decisões. Nesta quadra chamada de
judicialização da política, a imparcialidade do nosso Supremo Tribunal
Federal (STF) é fundamental.
Dois recentes episódios a deslustrar
togas chamaram a atenção e chocaram o cidadão comum por se ter trocado
a postura imparcial do juiz por condução impregnada de partidarismo
político-ideológico, quando a Constituição veda ao magistrado esse tipo
de atividade.
Em sessão plenária da Corte, por ocasião
de julgamento do recurso limitado de embargos de declaração, com
alegações de omissão, contradição e obscuridade do acórdão (sentença)
sobre rito do impeachment, o ministro Gilmar Mendes
deixou de lado a questão jurídica debatida e passou a emitir juízo
negativo de valor acerca do governo federal e a indicação do ex-presidente Lula para o ministério.
Trocou o Direito pela política,
esquecendo-se de tirar a toga e procurar outro lugar, de modo a não
constranger os seus pares. O ministro Mendes, ao trocar de panos, passou
a todos os magistrados brasileiros, e mais uma vez, mau exemplo e
desprestigiou o Poder Judiciário.
A difusão desse mau exemplo do ministro Mendes pode ser
sentido na liminar concedida em ação popular ajuizada na Justiça Federal
de Primeira Instância. A meta da ação popular, um remédio
constitucional à disposição do cidadão, era a revogação da nomeação do ex-presidente Lula como ministro-chefe da Casa Civil.
A liminar a suspender o ato foi da lavra do juiz Itagiba Catta Preta
Neto, ativo nas redes sociais em grosserias e intolerâncias contra o
governo Dilma:
como esperado até por um rábula, essa decisão dada por juiz inabilitado
por flagrante parcialidade foi cassada de pronto pelo Tribunal Regional
Federal.
No mesmo dia da nula decisão
lançada por Catta Preta, o ministro Gilmar Mendes lançou, depois de
almoçar com dois políticos (José Serra e Arminio Fraga) interessados em
minar politicamente o governo Dilma e em desprestigiar o neoministro
Lula, longa decisão liminar a suspender a nomeação e posse do
ex-presidente, em mandado de segurança proposto pelos partidos PSDB e
PPS, onde estão filiados os dois convivas do almoço.
Mais ainda, determinou, como consequência
do decidido, a volta à 4ª Vara de Curitiba, onde é titular o juiz
Sergio Moro, de procedimentos investigatórios, denúncia criminal, em
fase de recebimento ou rejeição, e pedido de prisão preventiva formulado
contra Lula por promotores paulistas.
- O vício processual de parcialidade impede a efetividade da conduta jurídica (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
No caso do ministro Mendes, não se trata
de judicialização da política, mas de vício processual em face de
notória parcialidade. O ministro já havia antecipado publicamente juízos
negativos. Portanto, uma decisão maculada pelo vício da parcialidade e,
assim, nula de pleno Direito. Na chamada jurisdicionalização, os juízes
ou os Tribunais, quanto ao dissenso ou litígio, são chamados a decidir
em substituição à vontade das partes em conflito, declarando o direito
positivo e a parte vencedora.
Quando atua um juiz notoriamente suspeito
de parcialidade, caso do ministro Mendes ao entender ter ocorrido no
ato de nomeação “desvio de finalidade” (seria, segundo o ministro
Mendes, apenas para garantir foro por prerrogativa de função ao
ex-presidente Lula), temos uma perigosa distorção e não judicialização
de tema de interesse político em sentido estrito. Com efeito, espera-se
do ministro Cardozo, da Advocacia-Geral da União, em especial para a
preservação do prestígio do STF, a propositura de exceção de suspeição
do ministro Mendes.
Pelo que se sabe, já foram ajuizados
habeas corpus preventivo com Lula de paciente e ação de descumprimento
de preceito fundamental (ADPF), esta com questionamento sobre ter o
ministro Mendes subtraído a competência do juiz natural do caso,
ministro Teori Zavascki.
Outra questão agitada da semana retrasada
referiu-se à escuta telefônica, só admitida com autorização judicial
motivada. Quando Dilma e Lula conversavam, não se podia fazer a escuta
porque não mais existia autorização judicial. Bem antes da ligação, o
juiz Moro havia cancelado a ordem. Assim e diante de prova ilícita,
deveria Moro ter desentranhado a fita dos autos e mandado apagar a
gravação.
Sobre o levantamento do sigilo, vale
lembrar recente decisão do STF a respeito da não admissão de voto
secreto em caso que cuidou do rito do impeachment, ou seja, a
regra fundamental é sempre a da publicidade. Lógico, não se pode dar
publicidade de conversas privadas e as que não guardem correlação com o
fato objeto do inquérito. Em vários países europeus, os operadores de
interceptações são proibidos por lei de captar e gravar conversas
privadas. Eles devem desativar o equipamento e reativá-lo depois de
tempo calculado para o fim do diálogo privativo.
*Publicado originalmente na edição 894 de CartaCapital, com o título "A Justiça humilhada"
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