É golpe, sim!
Perdoem os leitores a exclamação, mas a arrogância e a desfaçatez dos conspiradores passaram da conta
por Mino Carta
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publicado
05/04/2016 06h22
Ricardo Stuckert/ Instituto Lula
É golpe, é golpe sim. Verdade factual, diria Hannah Arendt,
a verdade única, inegável. A despeito das afirmações em contrário de
pançudos alquimistas do engano, envoltos em prosopopeia. E dos
editorialões dos jornalões e programões, e das colunas e reportagens dos
sabujos midiáticos, de lida tão árdua com o vernáculo, mas de fantasia
acesa.
E dos rentistas que se dizem empresários de um país que exporta commodities,
de juizecos provincianos e advogados mafiosos que em cada lei enxergam a
oportunidade de burlá-la. E de agentes ditos da ordem empenhados em
semear a desordem e de funcionários do Estado dispostos a financiar no
exterior campanhas a favor do golpe, como Furnas a patrocinar tertúlias lisboetas de Gilmar Mendes e José Serra.
Vivemos uma tragédia e desta vez, no País à matroca, quantos cidadãos se dão conta da sua condição de vítimas?
Qual é a verdade factual? A presidenta Dilma errou
bastante, ninguém, no entanto, poderá acusá-la de desonestidade. Está a
ser julgada, porém, por uma corja de corruptos na comparação com os
quarenta ladrões de Ali Babá, estes figuram como medíocres aprendizes.
Fato é que os argumentos aduzidos para justificar o impeachment não se prestam ao propósito. Quem diz: golpe não pode ser “algo que existe na Constituição” expõe apenas sua parvoíce.
Exatamente por ser previsto pela Carta, o impeachment no caso é impraticável,
como aliás confirma o ministro Marco Aurélio Mello, consciente de sua
função de magistrado. De todo modo, pedaladas fiscais são práticas
comuns dos governos brasileiros.
Quem está sem pecado atire a primeira
pedra. Lição de Cristo, aquele que, ao pedir ao Pai Celeste perdão para
quem o crucificava sem entender seus próprios atos, não se referia
apenas aos soldados romanos.
Cabem, na exposição da verdade factual,
comparações entre o presidencialismo à brasileira e o americano, ou o
francês. Bush júnior foi calamitoso como presidente ao ponto de levar
seu país a uma guerra precipitada pela mentira e pela hipocrisia, enfim,
inexoravelmente provadas.
Nem por isso deixou de governar até o fim. Barack Obama governou por boa parte do seu segundo mandato sem contar com maioria parlamentar, e nem por isso foi impedido.
François Hollande há dois anos não
alcança nas pesquisas 20% de aprovação popular, e nem por isso deixa de
governar. Será que o nosso presidencialismo está habilitado a dispensar o
peso constitucional de uma eleição ganha em proveito dos números de um
ibope qualquer?
A verdade factual oferece largo espaço à raiva que hoje medra na chamada classe média,
ódio desvairado insuflado pela ofensiva midiática. Vale acrescentar um
adjetivo: irracional. Fruto de ventos malignos e, de certa forma
inexplicáveis, a soprar entre o fígado e a alma.
Aparentado com a raiva da pequena
burguesia que gerou, por caminhos distintos, o fascismo e o nazismo,
lembrança esta despida da pretensão de confrontar o estágio cultural das
nossas classes A e B com a pequena burguesia de Alemanha e Itália dos
começos do século passado.
Quem no Brasil se considera burguês,
quando não aristocrata, não se expandiu muito além dos tempos da Pedra
de Roseta. O ódio, entretanto, é parecido, eivado de recalques e
preconceito. De todo modo, não será fascista ou nazista o desfecho da
tragédia.
Nesta mesma edição, um suplemento
especial evoca o golpe de 1964 para exibir as similitudes e as
diferenças entre a situação que precipitou aquele e a que vivemos hoje. O
fantasma da Revolução Cubana alastrava-se então sobre a América Latina,
quintal dos Estados Unidos.
Tio Sam velava para impedir fraturas no
seu império, pronto a intervir onde fosse preciso por meio dos serviços
da onipresente CIA, e de ajuda financeira e até militar. Patrocínio
decisivo a todos os golpes que assolaram o subcontinente.
Hoje os EUA reatam com Cuba e certamente não enxergam no Brasil o seu quintal, graças à política exterior
independente praticada por Lula e seu chanceler Celso Amorim. Sabem,
porém, que significaria dar continuidade àquela política, como
aconteceria se Lula voltasse ao poder. Resultaria no fortalecimento da
aliança dos BRICS, que tende cada vez mais a tomar caminhos conflitantes
em relação aos interesses norte-americanos.
Em 64, a casa-grande chamou os soldados para executar o trabalho sujo, desta vez os tanques são substituídos pelas togas de uma Justiça politizada, sequiosa por empolgar o poder em uma república justicialista.
Patética, emoldurada em ouro, a desculpa
dirigida ao STF pelo juiz Moro por seus grampos ilegais e ilegalmente
divulgados, a revelar uma vocação de humorista quando diz não ter agido
com propósitos político-partidários. Pelo contrário, são estes
exatamente os propósitos de futuro desta magistratura açodada,
intérprete da Justiça desvendada.
O golpe de 64 gerou uma ditadura de 21 anos e de cujas
consequências padecemos até hoje. Vale perguntar aos botões se o plano
togado tem chances de êxito caso o impeachment premie os
conspiradores de sempre. Impossível, respondem, à luz do que chamam de
premissas da próxima, eventual, verdade factual.
Desta vez, os conspiradores estão divididos por
divergências insanáveis e, se lograrem atingir o alvo comum, entrarão em
conflito no dia seguinte. Dia nebuloso, caótico, de tensões espantosas.
Chegassem ao governo, os cultores do poder pelo poder cuidariam de
acabar de vez, como providência automática e imediata, com a Lava Jato.
O professor Michel Temer,
que já organiza uma passeata da vitória, deveria dedicar-se a uma
leitura mais atenta de Maquiavel. Antes de se atirar a certezas, é
indispensável derrubar todos os obstáculos. Derrubar? Melhor aniquilar.
Que é possível esperar de um
governo Temer? Quem sabe José Serra na Fazenda. Que tal Rubens Barbosa
chanceler e Miguel Reale Jr. na Justiça? Retorno ao afago
norte-americano, leilão dos bens brasileiros a começar pelo pré-sal,
distanciamento dos BRICS.
O progressivo galope decadência adentro. Súditos de Hillary ou de Trump? A esta altura, não consigo ver diferenças entre os dois, ao menos deste meu ponto de observação verde-amarelo.
A incerteza, esta sim, é própria do momento. Quanto a CartaCapital,
não nos permitimos a mais pálida sombra de dúvida quanto à nossa
determinação em defender o retorno ao Estado de Direito, destroçado pelo
complô antidemocrático.
As falhas do governo atual não se discutem, começam pelo
estelionato eleitoral cometido pela presidenta Dilma ao convocar para a
Fazenda um bancário neoliberal com o propósito transparente de acender
um círio ao deus mercado.
Nada, porém, do que a acusam sustenta a conspirata e
justifica o impedimento, assim como nada admite a pretensão de Sergio
Moro de prender Lula. Houvesse provas cabais, já estaria preso. E esta é a verdade factual.
Certa agora, no País à deriva, é a falta
de liderança. A presidenta Dilma encontrou finalmente o tom certo e a
veemência necessária nos seus últimos pronunciamentos, mas perdeu a
chance de assumir o comando do País e talvez jamais o tenha perseguido.
Ela parece satisfazer-se com a autoridade
que lhe compete nas reuniões do ministério. De resto, o Brasil contou
com poucos líderes populares autênticos, sem exclusão de Antônio
Conselheiro, e dois se sobressaem, Getúlio Vargas e Luiz Inácio Lula da Silva. Getúlio repousa no panteão da memória, Lula está vivo.
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