Entrevista - Leonardo Avritzer
“Só há saída na política”
O cientista político Leonardo Avritzer decreta a falência do presidencialismo de coalizão e critica o ativismo judicial
por Sergio Lirio
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publicado
23/03/2016 04h38

Vivemos uma radicalização da opinião pública (Foto: Eldio Suzano/Estadão Conteúdo)
Presidente
da Associação Brasileira de Ciência Política, Leonardo Avritzer,
professor da Universidade Federal de Minas Gerais, acaba de lançar um
livro oportuno.
Em Impasses da Democracia no Brasil (Editora Civilização Brasileira. 154 páginas. R$ 29,90),
Avritzer analisa a falência do presidencialismo de coalizão e
destrincha a visão da classe média das mudanças sociais e dos escândalos
de corrupção. Na entrevista a seguir, o acadêmico vaticina: “A saída da
crise está na política, não na Justiça”.
CartaCapital: O quanto o seu mais recente livro é capaz de explicar a crise política?
Leonardo Avritzer: Uma das
principais teses do livro trata da falência do presidencialismo de
coalizão. O presidente da República é eleito com maioria absoluta de
votos, no mínimo 50% mais um voto. Sua base no Congresso é, no entanto, frágil.
Desde 1994, na eleição de Fernando Henrique Cardoso, ela
não passa de 20% do Parlamento. Isso obriga o governante a fazer
coalizões, mas esses tipos de acerto são cada vez mais questionados pela
sociedade. Ao mesmo tempo, assistimos nos últimos anos a uma
proeminência das instituições ligadas ao Judiciário e do aparato
policial. E igualmente tais estruturas estão perto de seu limite.
CC: Por quê?
LA: Porque não existe uma saída judicial para a crise. Os últimos episódios, a condução coercitiva de Lula e o pedido de prisão do ex-presidente formulado por procuradores paulistas, expõem claramente uma politização do sistema Judiciário
e isso afeta a legitimidade do Ministério Público e da Justiça, da
mesma maneira como os escândalos afetaram o Legislativo e o Executivo.
CC: Há quem recorrentemente afirme que as instituições brasileiras funcionam. É verdade?
LA: Parecem
claros dois impasses criados pela Constituição de 1988: a ideia de um
Ministério Público completamente autônomo e de um Supremo Tribunal
Federal com amplas prerrogativas. Isso não tem funcionado a contento.
O corporativismo do Ministério Público o impede de ações corretivas diante de excessos como este cometido pelos procuradores de São Paulo no caso de Lula. E não se pode esconder os abusos do juiz Sergio Moro
nas prisões preventivas e conduções coercitivas, mais de cem até o
momento. Ou quando ele condena lastreado apenas em delações premiadas.
Não há ninguém capaz ou disposto a corrigir esses excessos.
CC: Como superar a crise?
LA: É preciso negociar uma
saída política. Ela não existe sem a participação dos três principais
partidos: PT, PMDB e PSDB. E implicaria em limitar a autonomia do
Judiciário e da polícia.
CC: Parece haver um elemento novo, se não novo, contundente: a polarização da opinião pública. Como ele influencia o ambiente?
LA: Não é
um fenômeno exclusivamente brasileiro. Nos Estados Unidos, por exemplo,
nunca foi tão grande a distância ideológica entre democratas e
republicanos. A possível disputa entre Donald Trump e Hillary Clinton
evidencia isso. Vivemos uma radicalização da opinião pública que
envolve uma radicalização do conflito entre direita e esquerda no mundo.
A raiz são os conflitos distributivos e a
desregulamentação do capital que provocou a crise financeira de 2008 e
continua sem solução. A polarização no Brasil reflete também esse
contexto internacional. De um lado, um grupo aparentemente no final de
um ciclo que trouxe avanços sociais. E do outro, uma tentativa de
reconstituição de um projeto liberal.
- A classe média ainda não entende as consequências de um projeto de radicalização do liberalismo sobre a hegemonia das finanças
CC: Acadêmicos
costumam apontar a despolitização da ascensão social durante os governos
do PT. Afirmam que se formaram consumidores e não cidadãos. O senhor
concorda?
LA: A
incorporação de uma dita nova classe média no mercado de consumo no
Brasil é um fenômeno importante, embora não suficiente. Realmente
faltaram os elementos políticos da cidadania, de entendimento dos
conflitos, das disputas mencionadas anteriormente. Como deveria ser o
sistema de previdência, de saúde, de educação? Ao mesmo tempo, essa
incorporação de novos consumidores provocou uma forte reação da classe
média tradicional.
CC: Qual o motivo dessa reação ter sido tão violenta?
LA: Ser classe média
envolve não só benefícios econômicos, mas status. A velha classe média
revoltou-se com a perda de um certo status: ser a única a viajar para os
mesmos lugares que a elite, colocar seus filhos em uma escola onde os
filhos da elite estudam, ter acesso a médicos privados também
frequentados pela elite. Há uma falta de percepção de que o Brasil só
vai ser moderno se universalizarmos as estruturas dos serviços públicos e
não se eles forem segmentados.
CC: A classe média é conservadora por natureza ou oscila, a depender do momento?
LA: Discuto
essa questão no livro. Ela oscila e neste momento o pêndulo está do
lado conservador, assim como nas vésperas do golpe de 1964. No fim dos
anos 70, ao contrário, a partir do esgotamento do chamado milagre
econômico da ditadura, ela caminhou por uma trilha mais progressista.
Ganharam força, entre outros, os sindicatos dos médicos e dos
engenheiros.
A OAB atuou de forma mais sintonizada com
os direitos humanos e os movimentos sociais. Vivemos neste momento uma
inflexão conservadora e não por acaso aumentam os ataques a conquistas
sociais, às minorias. Não acredito, porém, que seja este o ponto final
da história. A classe média ainda não entende as consequências de um
projeto de radicalização do liberalismo sobre a hegemonia do sistema
financeiro.
CC: A adoção de um semipresidencialismo, como na França, ou do parlamentarismo abreviaria a crise?
LA: Para o
semipresidencialismo funcionar, seria preciso melhorar a qualidade do
Congresso. A crise deriva muito da falência do presidencialismo de
coalizão, mas também é causada pelo pior Parlamento que o Brasil
produziu desde o fim da ditadura. Já o parlamentarismo é alheio à
tradição brasileira.
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