Problemas atingem fatores cruciais na construção do perfil do país no cenário global
O ano de 2015 começa um tanto complicado para o Brasil. Por um lado, a economia patina,
com crescimento baixíssimo e inflação perigosamente alta. Por outro
lado, duas grandes crises tornam o cenário ainda mais preocupante: um
escândalo de corrupção bilionário no coração da maior empresa brasileira
vem à tona em um momento em que a maior região metropolitana do país
sofre com a perspectiva de um racionamento de água que pode ter
consequências inéditas.
Boa parte dos brasileiros – sejam eles acionistas da Petrobras ou
moradores que encontram torneiras secas em São Paulo – já está sofrendo
diretamente as consequências dessas crises. Mas já que este é um blog
sobre política internacional, vale a pena nos perguntarmos: como este
momento pode afetar o papel do Brasil no cenário global?
Podemos adiantar que as consequências podem ser graves. Mas para
compreender o porquê, primeiro é necessário entender como se constroem
as relações entre os diversos países no sistema internacional, para
depois analisarmos o caso específico do Brasil. Leia também: Um ministro só não faz Política Externa Interesse nacional
Embora os Estados sejam construções multifacetadas, com inúmeras
disputas internas, por uma série de motivos – que vão dos mais
ideológicos aos mais práticos – eles costumam ser analisados por
acadêmicos e políticos como entes unitários.
Assim, embora sejam uma coleção de pessoas diferentes e disputas
políticas, entidades como o Brasil, os Estados Unidos, a China, Uganda,
etc, se apresentam como ‘personalidades’ únicas no cenário externo.
Neste sentido, as elites que dominam cada um desses Estados constroem
o que alguns gostam de chamar de “interesse nacional”, ou as suas
prioridades enquanto país, que podem ser, por exemplo, a defesa ou o
desenvolvimento econômico.
E é tentando defender cada um desses “interesses” – muitas vezes antagônicos – que os Estados se relacionam. Disputa de poder
Com interesses distintos, é natural que pensemos a relação entre os
Estados como essencialmente política. Isso fica mais claro se
entendermos política no sentido da bela e clássica interpretação de Lasswell, que definia o conceito como a disputa sobre “Quem Ganha O Quê, Quando e Como”.
Ora, para vencer esta disputa sobre “Quem ganha o quê…” e ver seus
interesses contemplados, um Estado precisa fazer com que os outros
Estados “colaborem” (voluntariamente ou não) com seus objetivos.
Em poucas palavras, um Estado precisa de PODER, ou a capacidade de
produzir os efeitos que deseja sobre outras pessoas e entidades – mais
uma vez usando a definição de Lasswell.
Com isso em mente, por muito tempo tentou-se medir o poder dos Estados, como uma forma de elaborar estratégias de defesa e ataque.
Enquanto o poderio militar poderia ser considerado a forma mais óbvia
de se medir a força de um país, a coisa não é assim tão simples, como
alerta o teórico germano-americano Hans Morgenthau, um dos pais da
disciplina de Relações Internacionais contemporânea. Trabalhadores fazem protesto em frente à sede da Petrobras no Rio (Tânia Rego/ Agência Brasil)
Para Morgenthau (citado aqui),
atribuir o poder de um Estado a um único fator é um enorme erro. O
poder de um Estado é algo multifacetado, e inclui o desenvolvimento
econômico, acesso a recursos naturais, tamanho da população, poderio
bélico, etc., etc., etc.
Todos estes são aspectos que podem determinar a influência de um Estado sobre outros países e sobre todo o sistema. Crises
E é aí que está o busílis. As crises que se apresentam ao Brasil
atualmente atingem diretamente fatores cruciais na construção do perfil
do país no cenário internacional.
Vejamos: como explicam Monica Hirst e Maria Regina Soares de Lima,
a localização e o entorno relativamente pacífico onde o Brasil está
inserido fizeram com que o país tradicionalmente não se preocupasse
tanto com o desenvolvimento de seu poderio militar, que os analistas
costumam chamar de hard power.
Em vez disso, o Brasil sempre contou com outros atributos para influenciar – e exercer poder – no cenário internacional, como tamanho da população, do território e perfil econômico.
Ora, é justamente nesse último aspecto que as crises atuais se localizam.
Como maior empresa do Brasil e atuando em outros 24 países,
a Petrobras era certamente uma das responsáveis pelo considerável
aumento do prestígio internacional do Brasil nos últimos anos.
Com operações nas Américas, Ásia e África, em 2010 a estatal era
responsável por gastos e investimentos que representavam cerca de 10% do PIB brasileiro, segundo algumas estimativas. Um peso considerável se lembrarmos que o Brasil é uma das maiores economias do mundo.
O esquema de corrupção descoberto pela operação Lava Jato no ano passado, no entanto, pode ter causado prejuízos da ordem dos bilhões de reais ao cofres da empresa. Junto com a queda vertiginosa nos preços do petróleo, o esquema fez com que a então presidente da Petrobras, Graça Foster – que renunciou ao posto ontem -, anunciasse que os investimentos da estatal em exploração de óleo cairiam ao “mínimo necessário” e que haveria uma “redefinição” do tamanho da Petrobras.
Aí começa o problema. Tal “redefinição” no perfil de uma empresa que
talvez fosse uma das maiores representantes da diplomacia econômica do
Brasil certamente impactará o perfil do país no cenário internacional,
além de causar perdas significativas ao PIB, segundo as análises mais pessimistas.
Mas a coisa é ainda mais grave. A crise na Petrobras acontece junto
com outra que pode ter consequências ainda mais importantes: a crise da
água.
A grande diminuição no nível dos reservatórios de água no Estado de São Paulo ameaça, além de milhões de habitantes, pelo menos 60 mil estabelecimentos
industriais nas regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas. Isso
sem contar inúmeros estabelecimentos de comércio e serviços que podem
ser obrigados a parar.
A coisa fica ainda mais grave quando lembramos que a seca deve ocasionar problemas no fornecimento de energia elétrica.
Ou seja, além de representar sérias ameaças para a saúde e o
bem-estar da população, o racionamento pode atingir diretamente o
emprego, comprometendo a produção e abrindo espaço para convulsão
social.
A combinação dessas crises pode fazer com que o PIB de 2015 tenha uma
contração considerável. Segundo algumas estimativas, a queda poderia chegar a 2%.
O problema é agravado porque, com a economia em baixa, o Brasil perde também PODER político no cenário internacional.
A consequente diminuição dos investimentos internacionais do
país compromete a capacidade de barganha do Brasil, ou o poder de
”convencer” outros países a apoiarem seus interesses. Como consequência,
o Brasil perde preciosos pontos no jogo global. Soft power
Ademais, a crise traz outras consequências mais difíceis de se medir,
mas também consideravelmente graves. Uma delas é um comprometimento de
nosso soft power, algo como “poder macio”, em tradução livre.
Nas palavras do criador do conceito, o acadêmico norte-americano Joseph Nye, soft power é “a habilidade de conseguir o que você quer por meio da atração, e não da coerção ou de pagamentos”. (original aqui) O professor de Harvard Joseph Nye, criador do conceito de ‘soft power'(Wikimedia Commons/Chatham House)
Segundo Nye, este poder deriva da “atratividade da cultura, ideais políticos e políticas (públicas) de um país”.
Podemos dizer que o soft power brasileiro aumentou de
maneira considerável nas últimas décadas, com o crescimento
econômico, bem-sucedidas políticas públicas de inclusão social e com o
perdão de dívidas, parcerias e doações a outros países, por exemplo.
Como vemos, parte do soft power pode estar relacionada a uma imagem de competência e equilíbrio – além de solidariedade – externada pelos países.
E aí é que está o problema. As crises pelas quais passamos hoje não
são resultado de acidentes ou de fatores além de nosso controle, mas
consequências diretas de nossas ações, o que pode gerar desconfiança
generalizada em relação às capacidades do Brasil.
Se a crise na Petrobras expõe nossa incapacidade de combater a corrupção, a crise hídrica – que já estava anunciada há mais de uma década
e foi tratada com pouca transparência pelas autoridades estaduais
(especialmente as de São Paulo) – mostra nossa incapacidade de gerir
recursos naturais.
Em tempos em que a imagem é cada vez mais fundamental para o perfil
global de um país, essas duas crises fazem com que o Brasil saia mal na
foto diante da comunidade internacional. Se não conseguirmos uma solução
rápida para esses problemas, caberá a nós apenas contar os prejuízos
internos e externos.
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