segunda-feira, 21 de julho de 2014

Você sabia que existe fazenda em SP? Zona rural da capital tem plantações
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Fernando Cymbaluk
Do UOL, em São Paulo
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  • Leonardo Soares/UOL
    Os agricultores Daniel Petrino dos Santos, 35, e Valéria Maria Macoratti, 46
    Os agricultores Daniel Petrino dos Santos, 35, e Valéria Maria Macoratti, 46
Daniel Petrino dos Santos, 35, conta que só a coragem o impede de desistir da profissão que ama. Ele é um pequeno agricultor na cidade de São Paulo.  Como ele diz, "nascido e criado na roça", em Parelheiros, extremo sul de São Paulo. O problema não é falta de espaço para a atividade. A capital paulista possui uma zona rural, reconhecida pelo Plano Diretor recém aprovado na Câmara Municipal, que engloba cerca de 1/4 da cidade – incluindo áreas de preservação ambiental, onde não há agricultura. A dificuldade encontrada por Daniel é manter o trabalho na roça  - e o sustento que tira dele. 
Ele colhe todos os dias e vende para o sacolão de Parelheiros. "Tem semana que vende bem. Tem mês que é mais fraco", diz. Planta frutas, verduras e legumes, como banana, alface e cenoura. Sem muito controle das contas, chega a faturar R$ 300 em um dia. Os gastos vão de sementes, adubo e outros utensílios, a até os R$ 500 mensais do terreno que arrenda há dois anos. O lote tem cerca de cinco hectares (50.000 m², tamanho de um minifúndio). Mas a área plantada não preenche o espaço de um campo de futebol (10.000 m²). A renda que Daniel tira da roça serve para sustentar a mulher e quatro filhos.
Arte UOL
Em época de pouca chuva, ele gasta diariamente cerca de R$ 120 para colocar diesel em um motor que expele uma grossa fumaça preta. É a única forma que encontra para bombear água para irrigar a horta. Sua vontade era usar um sistema elétrico de irrigação, que permitiria economizar o dinheiro do diesel e investir em outras necessidades. Mas não consegue uma ligação elétrica. Mesmo tendo todos os documentos de locação do terreno e com a fiação de energia passando na frente da sua porteira.
Segundo ele, a empresa responsável pelo fornecimento de luz alega ser necessária uma licença ambiental. Para obter a licença, os produtores da região dizem que precisariam gastar com agrimensor, engenheiro e foto área – dinheiro que não possuem.
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Casa em terreno na zona rural de São Paulo, no distrito de Parelheiros Leonardo Soares/UOL
novo Plano Diretor da cidade pretende fazer com que a zona rural se desenvolva de forma sustentável, com geração de emprego, apoio à agricultura familiar e à produção orgânica e preservação ambiental.  Está previsto também o incentivo ao turismo sustentável, que possua como base a comunidade local.
A situação local, no entanto, ainda é distante do cenário almejado. Carência de infraestrutura, falta de apoio técnico e dificuldades para obter renda da agricultura são relatadas por produtores que a reportagem do UOL visitou no bairro Chácara Santo Amaro, localizada na APA (Área de Proteção Ambiental) Bororé-Colônia, em Parelheiros. No local, próximo à represa Billings, uma área de manancial, há atividade agrícola há mais de 50 anos.
"Os pequenos agricultores daqui não tem nada, o carro deles é velho", diz a agricultora Valéria Maria Macoratti, 46. O veículo que Daniel usa para fazer entregas é uma Kombi ano 1990 cheia de remendos. "Vendem um maço de couve por R$ 0,50 para o sacolão, que revende por R$ 1,50, R$ 2,00. Quem é que ganha dinheiro? O atravessador é que ganha", completa Valéria, dando um exemplo da baixa renda obtida com a atividade. Valéria estima que existam mais de 400 produtores na zona rural de São Paulo.
Outra queixa é com relação à assistência técnica dada pela prefeitura. Para apoiar o produtor rural paulistano, o município possui duas Casas da Agricultura Ecológica – uma na zona sul outra na zona leste. Na unidade da zona sul, em Parelheiros, há três engenheiros agrônomos cuja função é auxiliar os agricultores a otimizar o trabalho de forma compatível com a preservação ambiental.
Mas segundo os agricultores, as visitas não estavam ocorrendo. "Agora eles conseguiram um carro pra levar os engenheiros para as propriedades, para ver o que a gente precisa. Mas o que a gente precisa é básico, e nem o básico nós temos", diz Valéria.
"Está tudo difícil", desabafa a agricultora Massue Shirazawa, 71, quando questionada sobre o auxílio que tem para a produção. Há sete anos, Massue converteu seu plantio, até então feito de forma convencional, para o cultivo orgânico – feito sem o uso de agrotóxicos e fertilizantes, aproveitando elementos do próprio meio ambiente. 
No novo Plano Diretor, o incentivo ao orgânico surge como uma estratégia para aliar a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico. Massue foi uma das primeiras a adotar a técnica na região. Da plantação orgânica de hortaliças, ela diz que ganha o suficiente para viver. "Dos gastos, está dando para pagar telefone, luz. Mas pra fazer melhoria, está difícil", afirma.

A falta que um trator faz

Caso conseguisse cortar o gasto com diesel que usa para irrigação, Daniel poderia adquirir uma roçadeira, instrumento que se acopla ao trator para cortar o mato e preparar a terra para a plantação. Segundo o agricultor, o dono do terreno possui uma, mas ele não aluga, quer vender por R$ 7 mil, dinheiro que Daniel não possui. A do vizinho está quebrada.
No terreno do agricultor, metade da plantação é feita de forma convencional e a outra metade, orgânica. Na horta orgânica ele produz hortaliças em parceria com a agricultora Valéria. Independentemente da técnica utilizada, é sempre preciso preparar o terreno para semear.
"No lado orgânico, não pode queimar o mato. Como você vai cortar o capim para fazer o canteiro? Você precisa de uma roçadeira! Tudo é dinheiro. Como juntar esse dinheiro se você gasta porque não tem a energia elétrica?".
Como se não bastasse a dificuldade para ampliar a área plantada por falta de equipamento, os agricultores sofrem com prejuízos causados pelo maquinário precário. O trator de Daniel é de 1980. No início desse ano, ficou um mês parado no mecânico, com as engrenagens "moídas". O conserto saiu R$ 5 mil. E o tempo sem trator representou prejuízo na produção, já que não era possível preparar novos canteiros após a colheita.
O ideal seria conseguir um trator novo. O Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), linha de crédito do governo federal para agricultores familiares, poderia se ruma alternativa. O programa faz financiamentos de até R$ 200.000. Daniel e Valéria contam que possuem a declaração de aptidão emitida pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário para obter o empréstimo. Mas ainda não conseguiram resposta do Banco do Brasil, após duas conversas com o gerente e mais de seis meses de espera. Procurado pela reportagem, o Banco do Brasil não se pronunciou.
"Eu com o trator quebrado. Sabe o que é o cara quebrado, sem dinheiro!? Na intenção da gente, ia sair um trator [do financiamento federal]. A gente espera, e nada. E esses caras, só papo. Daí falei, sai porcaria nenhuma! Aí você desanima, mano. Desanimei", conta Daniel.
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Zona rural de São Paulo tem jumentos e plantações de orgânicos25 fotos

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A agricultora Massue Shirazawa, 71, em frente ao seu canteiro de morango. Ela se orgulha de seus tomates e de seus morangos, produzidos sem o uso de agrotóxicos. "É saboroso, tem o gosto da própria fruta", afirma Leia mais Leonardo Soares/UOL

Baixas no campo

Apesar disto, Daniel segue firme no trabalho na roça. Mas muitos conhecidos de infância e parentes do agricultor abandonaram a atividade rural para procurar emprego em escritórios ou em atividades como jardinagem e varrição de rua, na área urbana da cidade.
Vários motivos levam ao abandono, segundo Daniel. Um deles é a dificuldade de se manter na atividade, com o alto custo de vida de São Paulo e a baixa renda que o trabalho agrícola oferece. Mas há também a desvalorização do roceiro.
"Na cidade, veem o cara de botas, todo sujo de roça, falam 'coitado'", conta Daniel, lembrando, contudo, o valor que o trabalho no campo tem. "O cara vai apertar a tecla do computador e vai sair comida?! Se não fossem os roceiros, não tinha alimento no país". Para Valéria, a profissão de agricultor é desvalorizada na própria região. "Você pergunta para o agricultor se ele quer que o filho seja agricultor, ele diz, 'Deus me livre'", afirma.
"Muitos só foram trabalhar em outra profissão porque tem uma cesta básica, registro em carteira. Mas a paixão deles é isto aqui", diz Valéria, falando da felicidade de quem é da região em dia de chuva, quando é bom para plantar. "Ficam doidos pra colocar muda no chão!"

Futuro orgânico

Daniel vislumbra uma alternativa para a perda com o atravessador na produção orgânica. Para ter ganhos com o plantio convencional, ele precisa plantar em grande quantidade. A produção orgânica é feita em menor quantidade e possui preço mais alto.
"A diferença está no preço. E pra ser bom, tem que vender na feira, cada um vender seu produto. O que dá lucro é isso", diz Daniel. Enquanto uma caixa de alface convencional no atacado rende R$ 10,00 para ele, sua parceira Valéria recebe R$ 24,00 pela entrega da mesma quantidade de produto orgânico. "Eu vejo que o Daniel trabalha muito e não consegue vender por um preço justo", diz a agricultora.
Há alguns anos, a prefeitura oferece cursos para agricultores da região que queiram transitar para o orgânico. A formação é financiada por um fundo do município voltado para projetos na zona rural, o Fema (Fundo Especial de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável). Instituições como a USP (Universidade de São Paulo) e ONG's também já ofereceram esse tipo de apoio no campo. Foi em um desses cursos que Massue entrou em contato com o cultivo orgânico.
"Em 2007, iniciei um curso de agricultura orgânica. Dois anos depois, toda mina horta já era orgânica", conta Massue. Ela foi uma das primeiras a abandonar o cultivo convencional na região. Ela fez a transição por vontade própria, mas lembra que promessas que ouvia quando iniciou os cursos não se concretizaram. "Diziam que 2014 ia ser a Copa Verde. Que nada...", diz, explicando que a grande maioria dos produtores em Parelheiros ainda usam agrotóxicos.
Por enquanto, Daniel não consegue mudar para o plantio 100% orgânico por depender da renda da roça. O plantio convencional apresenta menor risco. E devido às dificuldades na lida com a terra, ele espera melhorar a situação para resolver se faz mesmo a mudança.
A preocupação maior do agricultor é com os filhos. O mais velho, Carlos Daniel Petrino dos Santos, 14, está no primeiro ano do ensino médio e ajuda o pai na plantação. "Meu plano é que ele cresça e fique comigo na roça. Mas se ele quiser decidir a vida dele pra lá [área urbana], que vá".

União faz a força

Para conseguirem vender o produto orgânico, os agricultores precisam de um certificado que garanta a boa aplicação da técnica. Em 2013, cinco produtores da região formaram uma OCS (Organização de Controle Social), com a qual garantem a procedência dos gêneros cultivados com a ajuda dos próprios consumidores, que visitam as hortas, dão conselhos e palpites. Valéria, Daniel e Massue integram o time.
Há também na região de Parelheiros, desde 2011, uma cooperativa que reúne 30 agricultores, a Cooperapas. Alguns utilizam cultivo orgânico, outros plantam de forma convencional. Querem unir forças para conseguirem coisas fundamentais para sua sobrevivência, como licença ambiental e financiamentos. "Se você formar um grupo de agricultores unidos, você tem como reivindicar", diz a agricultora Valéria.
Os agricultores também já saíram às ruas. Em março deste ano, eles fizeram um protesto em frente à prefeitura e foram recebidos pelo prefeito Fernando Haddad. Também participaram do ato produtores de área rural da zona leste. Haddad teria pedido que eles esperassem a aprovação do Plano Diretor para que melhorias começassem a ser postas em prática.

A zona rural no novo Plano Diretor

O Plano Diretor aprovado no final de junho na Câmara estabelece diretrizes para a criação de mecanismos que podem ajudar a solucionar os problemas enfrentados pelos pequenos agricultores da cidade.
Dentre os instrumentos, está previsto o pagamento para quem preservar áreas de proteção ou converter a produção para a agricultura orgânica, a implantação de uma escola técnica de agroecologia e o fortalecimento da assistência técnica.
Para combinar proteção do meio ambiente e desenvolvimento local, surge a possibilidade de estimular o turismo ecológico. Segundo o plano, a articulação entre órgãos como o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e os governos estadual e federal garantirá a implementação das ações previstas.  
A Prefeitura de São Paulo diz que um plano de desenvolvimento sustentável da zona rural deverá ser elaborado em um ano - o prefeito Fernando Haddad ainda precisa sancionar a nova lei, que entra em vigor de imediato.
Para o relator do Plano Diretor, vereador Nabil Bonduki (PT), a maior importância da zona rural é a de conter a expansão urbana na cidade. Para sair do papel, ele diz que é preciso empenho da prefeitura. "Se não tiver uma boa gestão, nós não vamos garantir que isso aconteça", diz Nabil. Para ele, é necessário que o município consiga articular os diversos níveis administrativos e programas.

Outro lado

No entanto, articulação ainda não é algo verificável quando se procura saber o que acontece na região de proteção ambiental visitada pelo UOL. A reportagem entrou em contato com os diversos órgãos implicados em questões como falta de luz e licença ambiental. O que se verificou nas respostas foi um jogo de empurra.
Questionada sobre a inexistência de ligação elétrica na região da Chácara Santo Amaro, a Eletropaulo diz que a liberação do serviço deve ser solicitada à subprefeitura. A empresa também disse ser necessário "autorização de órgãos ambientais", e que pedido de autorização deve ser feito à Secretaria Municipal de Habitação.  
A subprefeitura de Parelheiros diz não ser de sua competência autorizar a instalação de ligação elétrica. A Cetesb (Companhia Ambiental de São Paulo) lista cerca de 20 documentos, que incluem croqui do terreno, folha de sistema cartográfico assinada por responsável técnico e imagens de satélite, como necessários para a emissão da licença ambiental.
Sobre a assistência técnica das Casas da Agricultura Ecológica, a prefeitura diz que houve descontinuidade em 2013 por motivos de reestruturação, mas que os serviços já foram retomados.
O município afirma que ampliou os investimentos do fundo voltado para apoiar projetos que visam o uso sustentável dos recursos naturais na zona rural. Segundo informação da assessoria de imprensa, o Fema teve neste ano orçamento de R$ 174,9 milhões, 47% a mais que o orçamento de 2013. Até 11 de julho, foram gastos R$ 37,6 milhões. 

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