quinta-feira, 31 de julho de 2014

SISTEMATIZAÇÃO

Sistematização: uma prática da ASA na construção de uma nova imagem do Semiárido
Diêgo Alves*, Kelly Cristina de Aquino* e Myrlene Pereira**
30/07/2014
A forma como o Semiárido sempre foi retratado pela grande mídia pouco representa a grande diversidade deste bioma e da vivência de seu povo. Menos ainda contribui para o protagonismo e avanço do povo sertanejo, disseminando estigmas e estereótipos, tais quais “flagelados da seca” ou “Vale da Miséria”, como adjetivos desta região para o mundo.
Há 15 anos, o Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) vem contribuindo na formulação, execução e monitoramento de políticas públicas estruturadoras para o desenvolvimento do Semiárido. Com o objetivo de garantir a eficiência da implementação de tecnologias sociais populares de armazenamento de água de chuva e fortalecer a construção do conhecimento agroecológico e de novas relações neste bioma, a ASA percebeu a necessidade de desconstruir essa falsa imagem e mostrar a riqueza e potencial da região.
Daí a importância de comunicar os valores desta região de outros jeitos, de forma popular e alternativa, fazendo com que o povo falasse de si para o mundo e para si mesmo, construindo uma nova imagem sobre o Semiárido. Com isso, o processo de sistematizar experiências é uma prática da rede.
"Sistematizamos porque queremos dar visibilidade ao invisível", assegura Valquíria Lima | Foto: Adriana Noya
O processo de sistematização dentro da ASA surge para dar visibilidade às muitas histórias invisibilizadas existentes no Semiárido brasileiro. Essas histórias de mulheres e homens que sempre acreditaram em seu território e resistem às adversidades sempre experimentando novos caminhos e possibilidades. “Esse processo de sistematizar as histórias invisíveis se torna um contraponto das políticas hegemônicas de combate à seca, que têm a contribuição decisiva dos meios de comunicação e do olhar sobre o Semiárido de uma falsa ideia, há séculos trabalhado, de um lugar da negação, da pobreza e dos deserdados. Sistematizamos porque queremos dar visibilidade ao invisível, porque as lutas, resistências e experimentação dos povos do Semiárido nos fazem olhar esse território com a lente da capacidade de seu povo de inovar e criar alternativas para conviver com as condições de semiaridez da região”, diz Valquíria Lima, coordenadora executiva da ASA pelo estado de Minas Gerais.
Com isso, o processo da sistematização da ASA vem se consolidando como uma importante ferramenta de mobilização de pessoas, das vontades, das lutas e das resistências dos povos do Semiárido. Ele reflete os valores e a concepção de comunicação como um processo de interação entre as pessoas, reconhecendo no outro potenciais, valores, dos saberes, das experiências. Uma comunicação que nasce do concreto, do real, que acontece a partir das vidas das pessoas e das relações que elas estabelecem com seu espaço, seu territórios, seus grupos sociais. “Já são mais de mil histórias que foram
Agricultora passando a vista no boletim O Candeeiro | Foto: Mayara Albuquerque
sistematizadas através do boletim O Candeeiro. Cada vez mais precisamos fazer com que a rede reflita sobre esse processo e como o fazê-lo que não seja para, mas seja com. Que respeite a história de vida das pessoas, como elas se reconhecem e como elas querem contar suas próprias histórias de vida e do seu lugar”, explica Valquíria.
Os agricultores e as agricultoras sempre foram os grandes protagonistas da comunicação da ASA. “É no corpo a corpo que a gente se encanta, amolece o coração e se contagia com tamanha sabedoria escondida, se inspira e se debruça para tentar traduzir toda essa riqueza em palavras simples para eternizar e gritar para mundo, para que mais pessoas tenham a oportunidade de ouvir, sentir, descobrir tudo aquilo que estamos conhecendo”, conta Helen Borborema, comunicadora popular e integrante da Rede de Comunicadores Populares do Semiárido Mineiro sobre o processo de sistematização.
Para o agricultor Valdivino Rodrigues Gouveia, da comunidade Córrego das Cancelas, município de Grão Mogol, em Minas Gerais, o acompanhamento do comunicador ou da comunicadora popular é fundamental para dar visibilidade às lutas das comunidades tradicionais do Semiárido. “Acho importante o trabalho do comunicador porque eles podem nos ouvir, passar para o papel as nossas lutas, as nossas dificuldades. Na minha região, por exemplo, precisamos denunciar o avanço do agronegócio, a importância de preservar a natureza”, afirma.   
Oficinas de Sistematização – Para amadurecer e fortalecer esse debate, os diversos coletivos estaduais que compõem à ASA estão realizando oficinas de sistematização no decorrer deste ano. Já foram realizaram oficinas nos estados do Ceará, na região sisaleira da Bahia e em Minas Gerais. Na Paraíba, a oficina está acontecendo nesta semana. Sergipe, Alagoas e Piauí serão os próximos estados a debater o tema. Em Minas Gerais, a oficina aconteceu nos últimos dias 8 a 10 de julho, em Itinga, no Vale do Jequitinhonha, na comunidade Caldeirão. Com a participação de comunicadores e comunicadoras populares, animadores sociais, coordenadores dos programas Um Milhão de Cisternas (P1MC) e Uma Terra e Duas Águas (P1+2) e agricultores e agricultoras familiares. Na atividade, a trajetória do processo de sistematização da rede foi resgatada para impulsionar e fortalecer as ações de comunicação no Semiárido. A realização das oficinas tem um grande papel na dinâmica de sistematização da rede.
Os diálogos foram em torno da construção do processo de sistematização e comunicação popular que envolve o processo de compreensão e sensibilidade de todos os atores sociais que convivem com o Semiárido. Dessa forma, mais que registrar as histórias, a sistematização pode sim fazer da comunicação espaço para denúncia, anúncio e formação política. “Para além de sistematizar é também necessário refletir o comunicar, o mobilizar, o convocar as pessoas, os lugares e as vontades. Estamos em processo de amadurecimento dessa rede de comunicadores e comunicadoras do Semiárido brasileiro, sistematizando a nossa política de comunicação, nos voltando para a luta da comunicação como um direito humano. A comunicação que fazemos é focada no sentimento de pertencimento das pessoas, das organizações, das causas e das lutas da ASA e dos povos do Semiárido”, conclui Valquíria.
*Comunicadores populares da ASA e da Rede de Comunicadores Populares do Semiárido Mineiro
** Integrante da Rede de Comunicadores Populares do Semiárido Mineiro

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