3. Chapada do Apodi: a defesa do
território, da agroecologia e da vida
A região está ameaçada pelo
Projeto de Irrigação da Barragem Santa Cruz, que já tem 13 mil hectares
desapropriados, onde vivem 800 famílias.
A Caravana Agroecológica e Cultural
do Apodi começou nesta quarta-feira, dia 23, reunindo mais de 200 pessoas, a
maioria agricultores e agricultoras de assentamentos e comunidades da região,
incluindo ainda representantes de dezenas de entidades, dos estados da Bahia,
Pernambuco, Maranhão, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte.
Não é um simples intercâmbio de
experiências do povo que pratica outro modelo econômico no campo. E que, nesta
região, está ameaçado pelo Projeto de Irrigação da Barragem Santa Cruz, que já
tem 13 mil hectares desapropriados, onde vivem 800 famílias. A escolha do
roteiro da Chapada do Apodi, que expande sua área pelo Ceará, não foi uma
escolha técnica.
Mais de 150 famílias de agricultores
e agricultoras de comunidades vizinhas aos assentamentos da região já tiveram
suas terras desapropriadas pelo DNOCS (Departamento de Obras Contra a Seca), um
órgão que iniciou vários processos de irrigação no Nordeste desde a ditadura, e
que continua com o mesmo viés autoritário daquela época.
Os representantes das comunidades e
de vários assentamentos já organizados e com produção econômica diversificada
não foram ouvidos. Ou, se fizeram audiência pública, para discutir a questão,
ninguém ficou sabendo. Uma parte da área foi invadida por cerca de mil famílias
que formaram o acampamento Edivan Pinto, considerado o maior do MST no país, em
solidariedade às comunidades agrícolas da Chapada do Apodi.
Dois anos de seca
A Caravana é uma iniciativa da
Articulação Nacional do Semiárido (ASA), da Articulação Nacional de Agroecologia
(ANA), da Marcha Mundial das Mulheres, do Sindicato dos Agricultores e
Agricultoras do Apodi, do MST, da CPT, da CETRA, todas multiplicadas em dezenas
de outros grupos agroecológicos e da agricultura familiar, totalmente enraizados
na região e em todo o semiárido – uma área que envolve nove estados, além do
norte de MG, com uma população de 25 milhões de pessoas, e que sofre há dois
anos com uma seca terrível.
Na região de Mossoró choveu apenas
300 milímetros no ano passado, para uma média que já é muito baixa para o
semiárido, que é de 600 mm. E com uma escala de desertificação em
andamento.
Ao longo dos 250 km que separa
Fortaleza de Mossoró, o cenário de centenas de pés de carnaúba queimados é
frequente. Uma área que era para estar cheia de água, como comentava o motorista
Luciano, há 30 anos percorrendo os sertões do semiárido, agora deixa à mostra a
areia quase branca em que se transformou o solo da região.
A Caravana é uma maneira de botar a
boca no trombone, denunciar o conflito de dois modelos econômicos completamente
antagônicos. Um totalmente concentrador, autoritário, industrial, mas com uma
carga venenosa de resíduos deixados na terra e na atmosfera. O outro
comunitário, diversificado, onde agricultores e agricultoras trabalham lado a
lado, onde a esperança de um mundo melhor é uma causa real, não apenas um sonho
distante. Produzir comida, manter a segurança alimentar da comunidade, conviver
com as características próprias da região, é uma opção por outro modelo, onde em
primeiro lugar está a vida, a cultura e a história das comunidades. Depois o
lucro, o aparato tecnológico. (...)
No olho do furacão
Como disse na abertura Carlos Eduardo
Leite, da executiva da ANA e trabalhando há mais de 20 anos na região de
Juazeiro (BA): “assim como o povo foi para as ruas nas cidades, nós estamos
vindo para o olho do furacão, para a zona de confronto, como no Apodi, para
ressaltar as experiências e as vivências dos agricultores e agricultoras da
região e mostrar que existe outro modelo, existe uma alternativa para fazer
frente ao agronegócio”.
Nesta semana também se iniciou a Caravana Agroecológica e Cultural da Amazônia, saiu de barco
no dia 22 de Santarém (PA), onde a Cargill instalou um armazém com capacidade de
estocar 1,2 milhão de toneladas de soja.
No próximo mês será a vez da Caravana
do Sul, iniciando por Porto Alegre, passando por Florianópolis e terminando em
Curitiba, onde oito agricultores continuam presos acusados de desviar verba do
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Mas será uma caravana temática, porque
no Sul funcionam as redes de comercialização de produtos ecológicos. A ideia é
mostrar trabalho e conflitos em todos os biomas brasileiros, acumulando uma rede
de experiências, articulações de milhares de agricultores e praticantes da
agroecologia, na sua maioria, componentes da agricultura familiar, será
divulgada no III Encontro Nacional de Agroecologia, que acontecerá em Juazeiro
entre os dias 26 a 29 de maio de 2014, no campus da Universidade Federal do Vale
do São Francisco. As centenas de entidades ligadas a esse trabalho resolveram
ampliar o leque de apoio ao movimento, incluindo outros segmentos da sociedade
civil, das áreas da economia solidária, saúde pública coletiva e segurança
alimentar.
O povo rural continua comemorando a
vitória do lançamento do Plano Nacional da Agroecologia e Produção Orgânica,
realizado pela presidenta Dilma Rousseff no dia 17 último. E outro fato muito
importante: o convênio assinado entre a ASA e o BNDES no valor de R$ 90 milhões
para a multiplicações de tecnologia agroecológicas, formação de pessoas, gestão
de recursos, ampliação dos bancos de sementes crioulas, no programa chamado “Uma
terra – duas águas”. Não é recurso de mercado, é a título de desenvolvimento
social mesmo, sem reembolso. (...)
Leia a reportagem na
íntegra: Carta Maior, 24/10/2013.
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