
Donald Trump ataca o Brasil
A resposta do Brasil à ofensiva de Trump deve ser firme e pública, conscientizando o povo sobre os perigos crescentes no cenário internacional
A carta de Donald Trump em que anuncia uma tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras para os EUA é o ataque imperialista mais grave contra o Brasil, desde a cumplicidade norte-americana com o golpe militar de 1964.
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O Brasil passa a ser o país com as tarifas mais altas entre todas as nações do mundo. O que significa fechar o mercado norte-americano para as exportações brasileiras. Esta é a dimensão da agressão. Não tem precedentes desde o fim da ditadura militar. Nem Richard Nixon, nem Ronald Reagan, George Bush, Bill Clinton, Barack Obama, Joe Biden, ou qualquer outro presidente dos EUA, nenhum deles fez nada parecido.
Quem subestimar a violência do ataque perdeu o juízo. Alguns podem interpretar como sendo somente uma declaração de “guerra econômica”. Mas não é. Não se trata de busca de nivelação da balança comercial. Aliás, ela é desfavorável para o Brasil.
Este pretexto é uma dissimulação grotesca. A avaliação da ofensiva só pode ser explicada, se compreendermos qual é o seu alvo. Que fim persegue? Ela responde a uma estratégia, eminentemente, política. Donald Trump quer desestabilizar o governo Lula. Mas trata-se de um ataque contra a nação.
Washington não pode aceitar, indefinidamente, a ambiguidade ou ambivalência da política externa brasileira. O Brasil condenou a invasão da Rússia contra a Ucrânia, mas não se alinhou com Volodymyr Zelensky. Lula exigiu a apresentação das atas eleitorais do processo que culminou com a reeleição de Nicolás Maduro na Venezuela, mas não denunciou o regime como uma ditadura.
Lula condenou a ação militar do Hamas, mas criticou o contra-ataque de Israel como um genocídio. Mas Donald Trump não consegue manter “neutralidade” diante da disputa de poder que se anuncia com a possibilidade da reeleição de Lula. Lideranças do governo Donald Trump, como o vice-presidente, já tinham manifestado apoio a candidaturas da extrema direita, como a AFD na Alemanha.
O objetivo político do documento é claro quando inicia o primeiro parágrafo defendendo Jair Bolsonaro. Não se trata, portanto, de um conflito econômico comercial.
Reduzir a investida à defesa de interesses econômicos das Big Techs ameaçadas de regulação pelo STF, tampouco, faz sentido. A importância econômica das Big Techs é, evidentemente, gigante. São hoje as maiores empresas capitalistas do mundo. As mídias norte-americanas são armas estratégicas na luta política- ideológica. São a “força aérea” da disputa de Washington pela defesa de sua supremacia no sistema internacional. A questão central é o lugar do Brasil no mundo.
2.
A centelha para a insolência de Donald Trump parece ter sido a necessidade de resposta à recente reunião dos Brics no Rio de Janeiro, à defesa feita por Dilma Rousseff da necessidade de desdolarização, à presença de Lula em Moscou, quando dos oitenta anos da derrota do nazifascismo, e as críticas ao genocídio sionista na Faixa de Gaza.
Mas o gatilho deve ter sido a fala de Lula contra o “imperador”. Trata-se de abuso de poder da maior potência imperialista. Mas o alinhamento de Donald Trump com Jair Bolsonaro não é lateral na carta. Mudou de qualidade, e é uma sinalização da Casa Branca de que não aceita que o capitão seja preso.
Anuncia, preventivamente, que a provável condenação dos bolsonaristas, e eventual prisão será denunciada como perseguição política. Donald Trump abraça Jair Bolsonaro diante do mundo.
No terreno da tática, ou na escala dos tempos mais breves da luta política, a carta de Donald Trump é uma forma de pressão sobre o julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal. Mas é também um posicionamento mais claro diante do governo Lula.
Não é irrelevante que desde a posse de Trump, os EUA não têm um embaixador em Brasília. Não é, também, desimportante que Donald Trump tenha se pronunciado, desaforadamente, no calor do dia da posse, dizendo que o Brasil precisa mais dos EUA que o contrário. Na dimensão estratégica a carta de Donald Trump é um primeiro movimento no curso de hostilidades que vão escalar.
A resposta do governo foi indicar a disposição de aplicar o princípio da reciprocidade, apresentada em um post de Lula na internet. Não é o bastante. A gravidade máxima do episódio exige que Lula faça um pronunciamento público em rede de TV aberta e rádio. Não se trata somente de defesa da nação com altivez.
O que está em disputa é a conscientização do povo de que o mundo ficou mais perigoso. Cláudia Sheinbaum, por muito menos, conclamou à mobilização de massas no Zocalo, a praça central da cidade do México. A governabilidade “a frio” pela via de sucessivas conciliações e recuos já tinha colapsado diante dos conflitos internos. Agora é a ambiguidade da política externa que está ruindo. Ainda há tempo, mas não muito, de inverter o curso.
Valerio Arcary é professor de história aposentado do IFSP. Autor, entre outros livros, de Ninguém disse que seria fácil (Boitempo).
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