O Supremo decidiu que o Artigo 19 do Marco Civil da Internet é parcialmente inconstitucional ao determinar que todas as plataformas de internet só podem ser responsabilizadas por conteúdo postado por usuários depois de uma ordem judicial.
Isso agora mudou.
Para o Supremo, há um “estado de omissão” por que o Artigo 19 não confere proteção a direitos fundamentais e à democracia.
O STF estabeleceu regimes de responsabilidade diferenciados. Para provedores de e-mail, aplicativos de reuniões fechadas e serviços de mensagens privadas, como WhatsApp e Telegram, segue valendo o Artigo 19 do Marco Civil. Para marketplaces, como Amazon e Magazine Luiza, vale o Código de Defesa do Consumidor. Para redes sociais, plataformas de conteúdo aberto e serviços digitais com conteúdos criados pelos usuários, como Facebook, Instagram, X, YouTube e similares, valem as novas regras de responsabilização, que descreverei a seguir.
Importante: quando se fala de responsabilização, isso significa indenização – responsabilização civil. Vai doer no bolso, que é o que importa para essas empresas.
Um dos erros da decisão, como apontou Ronaldo Lemos – que se orgulha de ser um dos “pais” do Marco Civil – foi o fato de que o STF não determinou o tamanho das empresas que terão que cumprir as regras. Se fossemos seguir o modelo europeu, apenas empresas gigantes, com mais de 45 milhões de usuários, teriam que seguir a determinação. Agora, não fica claro quem deve seguir.
Outro problema diz respeito à determinação dúbia de responsabilidade sobre “crimes de honra” – injúria e difamação. O STF decidiu, acertadamente, que nesses casos é o Artigo 19 que vale: ou seja, é necessária uma ordem judicial para a retirada do conteúdo. Mas, ao mesmo tempo, decidiu que em casos em que já existe uma ordem judicial, as plataformas devem remover conteúdo sem a necessidade de decisão de um juiz.
Aí a coisa fica complicada: se um juiz decidiu a retirada de um conteúdo a pedido de um político – como é o caso da nossa reportagem censurada a pedido de Arthur Lira – mesmo que a coisa esteja em litígio, então ninguém mais poderá falar sobre o caso nas redes sociais?
Por outro lado, os ministros decidiram bem em relação à necessidade de retirada de conteúdos flagrantemente ilegais pelas plataformas sem necessidade de ação judicial em casos de tentativa de golpe de Estado, abolição do Estado Democrático de Direito, terrorismo, instigação à mutilação ou ao suicídio, racismo, homofobia, crimes contra mulheres, pornografia infantil e tráfico de pessoas.
Se este entendimento já estivesse valendo no 8 de janeiro, as plataformas teriam que ter uma equipe capacitada para filtrar e retirar todas as postagens que levaram golpistas a atacarem o Palácio dos Três poderes. É possível que não tivéssemos visto uma traumatizante insurreição contra uma eleição democrática.
Importante: isso não vale em caso de postagens isoladas e a responsabilização pode ser evitada se a plataforma demonstrar que atuou “diligentemente e em tempo razoável” para retirarem o conteúdo.
Outro grande acerto do STF foi criar dois casos em que a responsabilidade é presumida, ou seja, as plataformas têm que remover postagens ilegais e ponto. Isso vale nos casos de anúncios pagos e conteúdos impulsionados e também em narrativas impulsionadas por robôs.
O STF determinou ainda outras exigências que vão além da moderação. As plataformas terão que ter um sistema de autorregulação, publicar relatórios periódicos sobre as denúncias e remoções de conteúdo, demonstrar que têm sistemas de moderação responsivos e ágeis e manter um canal de atendimento do público com curto prazo de análise. Devem, ainda, manter sede no Brasil com PJ registrado no Brasil e representante legal.
Mas e agora? A decisão ainda pode ser reformada e aprimorada diante dos embargos de declaração, que devem vir aos montes. A própria decisão do STF parece dar a dica do que os ministros esperam. O penúltimo parágrafo chega a ser dramático: “apela-se ao Congresso Nacional para que seja elaborada legislação capaz de sanar as deficiências do atual regime quanto à proteção de direitos fundamentais”. |
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