Para além do IOF
Mercado financeiro produz déficit e quer instalar a barbárie no Brasil
O mercado financeiro ainda quer que as pessoas trabalhem até morrer e não se aposentem, ao propor que seria necessária “uma nova reforma da Previdência para alongar o tempo de contribuição do trabalhador"
O editorial do Correio Braziliense de 2 de julho de 2025 cita a celeuma criada em torno da elevação do IOF por decreto presidencial, que foi derrubado pelo Congresso Nacional e agora se encontra em disputa judicial junto ao Supremo Tribunal Federal.
O governo federal busca auferir receita tributária adicional com arrecadação do IOF para atingir a meta estabelecida pelo arcabouço fiscal e garantir a destinação de mais recursos para o pagamento dos escorchantes juros do Sistema da Dívida .
Do outro lado, além da pirraça do Congresso Nacional contra a liberação apenas parcial, por parte do governo federal, da bilionária verba destinada às emendas individuais do chamado orçamento secreto, está o grande interesse do mercado financeiro, tendo em vista que a elevação do IOF atinge em cheio as movimentações do setor com o exterior.
No meio desse jogo, o referido editorial traz as propostas do mercado financeiro: “Entre as medidas alternativas propostas pelo mercado financeiro, estão definir um salário-mínimo sem aumento real, apenas com correção monetária pela inflação, desassociar os reajustes dos benefícios fiscais (como o seguro desemprego) do mínimo; e limitar no máximo a 2,5% acima da inflação os investimentos em saúde e educação, independentemente da receita líquida de impostos; e elaboração de uma nova reforma da Previdência para alongar o tempo de contribuição do trabalhador.”
O mercado financeiro tem obtido no Brasil lucros exorbitantes, tendo em vista que acumula uma série de benesses:
• As taxas de juros de mercado cobradas no Brasil são as mais elevadas do planeta. O que os bancos cobram de juros por mês no Brasil chega a ser superior ao que se cobra por ano em outros países.
• As tarifas cobradas por bancos no Brasil são elevadíssimas e têm sido aumentadas de forma descontrolada.
• Bancos recebem a Bolsa-Banqueiro diariamente, ganhando remuneração com base na Selic ou até mais, sobre dinheiro que sequer pertence a eles, mas à sociedade , pois trata-se de dinheiro referente a depósitos à vista, poupança e aplicações financeiras de pessoas, empresas e órgãos públicos (depois de já reservada a parcela do depósito compulsório, parcela que não pode ser objeto de empréstimo ao público). Bancos depositam esses recursos da sociedade no Banco Central e recebem juros diários, o que configura uma injustificável transferência de recursos públicos para os bancos que atuam no Brasil, tendo em vista que o gasto estéril com a remuneração aos bancos sobre um dinheiro que sequer pertence a eles, custou aos cofres públicos a quantia de R$ 222,7 bilhões em 2023 e R$ 225 bilhões em 2024, montantes muito superiores ao destinado nos mesmos anos a áreas fundamentais para a sociedade, como Saúde ou Educação.
• Bancos usufruem de uma série de benesses tributárias, em especial a dedução de juros sobre o capital próprio, ou seja, calculam os juros que incidiriam sobre o próprio capital e deduzem esses juros como se fosse uma despesa incorrida, reduzindo o lucro sujeito à tributação. Adicionalmente, fazem uma série de deduções para calcular as contribuições sociais devidas.
• Bancos distribuem seus lucros bilionários aos sócios sob a forma de dividendos e esses ricos banqueiros são isentos de tributação! Dessa forma, enquanto um trabalhador ou trabalhadora que recebe salário acima de R$ 2.428,80 ao mês fica sujeito ao pagamento de imposto de renda, o banqueiro que chega a receber centenas de milhões de reais ou até bilhões fica isento desse imposto!
Justamente esse setor financeiro, que goza de todas essas benesses, e que tem sido o grande responsável pelo déficit nominal histórico apurado no Brasil, vem pregar a necessidade de adotar medidas como o congelamento do salário-mínimo e benefícios sociais a ele atrelados, em um país em que mais de 90% da população, segundo dados do IBGE referentes a 2023, tinha renda de até R$2.897,00, ou seja, pouco acima de 2 salários-mínimos, que na época somariam R$ 2.640,00. Ademais, segundo dados de 2022, 31,6% da população se encontrava em situação de pobreza (renda de até R$ 637,00 por mês), e 5,9% em condição ainda mais grave, de extrema pobreza (renda de até R$ 200,00 por mês) .
Esses dados indicam que a imensa maioria da população brasileira já vive em uma situação de pobreza e até miséria, impossibilitada de sustentar minimamente as suas necessidades. As medidas propostas pelo mercado financeiro, de congelar o salário-mínimo e os benefícios a ele atrelados, e limitar investimentos em saúde e educação, irão prejudicar ainda mais essas pessoas e aprofundar a infame desigualdade social existente no país.
A proposta de “limitar no máximo a 2,5% acima da inflação os investimentos em saúde e educação, independentemente da receita líquida de impostos” é uma afronta à Constituição Federal, que estabelece pisos mínimos de destinação orçamentária para as áreas da Saúde (art. 198) e Educação (art. 212), e atinge áreas vitais para a garantia mínima de direitos sociais em nosso país.
Por fim, o mercado financeiro ainda quer que as pessoas trabalhem até morrer e não usufruam de uma aposentadoria, ao propor que seria necessária “uma nova reforma da Previdência para alongar o tempo de contribuição do trabalhador”.
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O problema das contas públicas no Brasil não está em nenhum dos pontos indicados pelo mercado financeiro e pela mídia hegemônica (salário-mínimo, Previdência, Saúde ou Educação), pelo contrário: o rombo está no gasto com os juros incidentes sobre uma chamada dívida pública, que sequer tem contrapartida em investimentos de interesse social (como já confirmado inclusive pelo Tribunal de Contas da União ), e que representa o maior gasto público federal, como mostram os dados oficiais compilados no gráfico seguinte:
Fonte: Tesouro da União
Resumindo, o abastado mercado financeiro tem sido o responsável pelo déficit nominal histórico das contas públicas, em decorrência de um gasto estéril e injustificado com o Sistema da Dívida, sem contrapartida alguma em benefício ao país, mas quer sacrificar ainda mais o empobrecido povo brasileiro, congelando o já baixíssimo salário-mínimo vigente no país e cortando ainda mais o pouco que se destina aos direitos sociais! Isso nos levará à barbárie!
Maria Lucia Fattorelli é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB (CBJP). Escreve mensalmente para o Extra Classe.
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