segunda-feira, 14 de novembro de 2022

 

Os empresários que pararam Santa Catarina

Enquanto a figura do presidente eleito domina o cenário pós-eleitoral, Jair Bolsonaro se encolhe em um “fim melancólico”, como disse o jornalista Jamil Chade, esquecido pelo mundo que gira agora em torno da COP-27, onde o Brasil volta a ocupar o espaço que merece no debate do clima. Segundo nossa repórter Anna Beatriz Anjos, que está no Egito, ontem o Hub do Brasil (o setor onde ficam as delegações do país) já estava superlotado com a presença do ministro Luís Barroso, da deputada eleita Marina Silva e de lideranças indígenas como a deputada Joenia Wapichana. Imaginem quando Lula chegar.

O país das trevas medievais vai ficando rapidamente para trás. O episódio mais recente de sustentar a farsa golpista, o relatório das Forças Armadas sobre a votação, caiu em descrédito assim que o Ministério da Defesa passou a manipular sua conclusão - a de que não houve “inconformidade” na comparação entre os boletins de urnas, que era o objeto da fiscalização. Em lugar disso, o órgão tuitou: “Relatório das Forças Armadas não exclui a possibilidade de fraude e inconsistência nas urnas eletrônicas”. Um vexame. 

O fato é que nem os militares palacianos nem as rezas dos “patriotas” em frente aos quartéis tiveram o condão de transformar nossa democracia em ditadura embora revelem que a extrema-direita veio para ficar. Neste cenário, como vem demonstrando o TSE, a melhor estratégia para proteger a democracia é submeter os atos extremistas ao crivo da Constituição. Os que infringem a legislação têm que ser punidos e o jornalismo tem um papel importante para denunciar as agressões à democracia e cobrar providências das autoridades.

Nos últimos dias, duas equipes de reportagem da Agência Pública se deslocaram para os locais onde os bloqueios rodoviários foram maiores, mais duradouros e mais violentos depois das eleições: Mato Grosso e Santa Catarina. Já no dia 2 de novembro, Rubens Valente foi a Sinop, onde documentou o apoio da Polícia Rodoviária Federal aos bloqueios ilegais; a pressão dos golpistas para que o comércio fechasse e a perseguição e ameaças a jornalistas, feministas, vereadores e professores por militantes bolsonaristas. Nesta semana, as repórteres Alice Maciel e Clarissa Levy foram para Itajaí, Santa Catarina, com o objetivo de investigar a participação de empresários bolsonaristas nos bloqueios rodoviários e no locaute de comércio e serviços. 

Entre eles, em posição de destaque, está a figurinha carimbada de verde amarelo nos palanques de Bolsonaro, o empresário Luciano Hang. As jornalistas da Pública obtiveram um documento da Polícia Rodoviária Federal que mostra que houve participação dos caminhões da Havan e de outra empresa da família em bloqueios rodoviários. Também trouxeram depoimentos sobre a pressão exercida por empresários do mesmo grupo sobre os funcionários para que participassem dos atos ilegais e relatos mostrando que a estrutura das lojas Havan foi utilizada para a viabilização de bloqueios e manifestações.

Depois de publicada a reportagem, a assessoria da Havan finalmente decidiu enviar uma resposta aos questionamentos enviados dias antes. Acusando a reportagem de “mentirosa”, ameaçou processar a Agência Pública, utilizando os recursos favoritos da extrema direita para lidar com a imprensa: autoritarismo e violência. A nota foi publicada na íntegra na reportagem. Seguiremos investigando os que atentam contra a democracia no país.

Agradecemos aos repórteres da Pública pela coragem e apuração consistente, baseada em documentos e fontes primárias, que certamente irá contribuir com as investigações já em curso sobre as manifestações ilegais. No dia 2 de novembro o MPF pediu a abertura de inquérito para investigar a atuação da PRF nos bloqueios rodoviários. Na terça-feira passada, procuradores já haviam comunicado ao ministro Alexandre de Moraes, o envolvimento de empresários em atos antidemocráticos no ES, SP, SC.  

Que os crimes contra a democracia não fiquem impunes no momento em que recuperamos nossa dignidade abalada pelo governo Bolsonaro. que também terá que ser julgado à luz da Constituição. 
 



Marina Amaral
Diretora Executiva da Agência Pública

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