No próximo domingo, o Brasil poderá escolher um caminho diferente daquele de Jair Bolsonaro, que visa a destruição. E talvez o problema mais urgente a ser tratado seja o da fome, que teve um crescimento alarmante em especial após o início da pandemia de covid. Negada pelo presidente, chegou ao patamar de 33,1 milhões de pessoas que não têm o que comer e vivem num dos países que mais produz alimentos no mundo. Segundo o segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II VIGISAN) [baixe a pesquisa completa aqui], publicado neste ano, o número de domicílios que enfrentam a insegurança alimentar saltou de 9% para 15,5% – um aumento de 14 milhões de pessoas em pouco mais de um ano. Apenas 41,3% da população brasileira come de maneira adequada. Esse problema está intimamente ligado ao aumento da desigualdade, explica a nutricionista Rosana Salles-Costa, doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj) e relatora do II VIGISAN. Em entrevista ao Outra Saúde, ela enumerou as políticas que foram destruídas para que o Brasil chegasse a essa situação. Não se trata apenas do fim do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), que aconteceu no primeiro dia do mandato de Jair Bolsonaro, do desmonte do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). A falta de políticas para a redução da desigualdade também está no cerne do aumento da fome, bem como o fim do aumento real do salário mínimo. É preciso olhar para a fome em sua complexidade, ensina Rosana. O Norte e o Nordeste ainda concentram a maior quantidade de pessoas que não têm o que comer. Nas áreas rurais o problema é mais grave: 63,8% sofrem de algum tipo de insegurança alimentar, de moderada a grave. E quem passa sede, também passa fome: entre os domicílios brasileiros com insegurança hídrica, 42% estavam em situação de insegurança alimentar grave. Mas nas grandes cidades também há gente sem comida, e essa realidade está muito atrelada à falta de emprego e ao endividamento das famílias, segundo a pesquisadora. Há ainda uma complicação etária: há mais fome nas casas com mais crianças e adolescentes até 18 anos. Esta semana, foi divulgado mais um dado alarmante: o Brasil atingiu o recorde em 14 anos de bebês com até um ano sendo internados por desnutrição. “Isso é uma coisa muito preocupante, porque mexe com a saúde, com o desenvolvimento cognitivo dessas crianças”, conta Rosana. “Mexe na qualidade do aprendizado delas futuramente, quando forem para a escola. Essas crianças têm propensão a terem atrasos no desenvolvimento motor, a desenvolverem doenças infecciosas e outras complicações, inclusive aumenta a chance de obesidade no futuro.” O que fazer, então? Não será fácil e nem imediato. Mas é preciso começar estancando a sangria, impedindo a insegurança alimentar de continuar a crescer. Rosana mostra alguns caminhos para soluções de curto prazo. Um deles é apostar nos restaurantes populares, que oferecem comida de qualidade a preço baixo. E ajudam a promover, ainda, a agricultura familiar: “Podemos trazer o pequeno produtor para vender o seu produto para o restaurante popular. Isso mexe com a questão emergencial e também com a economia local dessas regiões”, defende ela. Outro programa que deve ser retomado é o das cisternas, para as regiões de seca. As cozinhas comunitárias são outra solução interessante: “Treinar as famílias para a troca de mão de obra: você trabalha, ajuda a preparar o alimento para sua própria comunidade e pode levar um pouco pra sua casa”. Além de retomar políticas de redução de desigualdade, outro ponto importante é retomar o investimento do SUS, afirma Rosana. |
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