Rubens Valente
@rubensvalente
Leia mais do autor
COLUNA
Derrotado, protesto golpista de Sinop fica à beira de rodovia vendo caminhão passar
Porta-vozes bolsonaristas ainda pressionam em público transportadoras e lojas do comércio a fechar as portas
4 de novembro de 2022
15:53
agronegócio
bolsonarismo
caminhoneiros
Eleições 2022
Polícia Rodoviária
Após quatro dias de bloqueio, a rodovia BR-163 na entrada da cidade de Sinop (MT) foi liberada nesta quinta-feira (3) pelo movimento golpista desencadeado pelo agronegócio, caminhoneiros, empresários e moradores da cidade. Eles pedem “intervenção federal”, um eufemismo para um golpe de Estado ilegal e inconstitucional pelas Forças Armadas.
Sob a ameaça de uma suposta operação iminente da PM (Polícia Militar) e da PRF (Polícia Rodoviária Federal) – que em nenhum momento haviam reprimido o bloqueio ao longo de todos os dias –, os bolsonaristas se anteciparam e decidiram encerrar a interdição na manhã da quinta-feira, com a condição de permanecerem à beira da rodovia. Em cadeiras de plástico, algumas de praia, os bolsonaristas agora assistem à passagem dos caminhões e automóveis na rodovia, enquanto o carro de som toca hinos e marchas militares.
Bolsonaristas à beira da rodovia BR-163 na entrada da cidade de Sinop (MT)
A presença de muitas pessoas à beira da estrada, que liga o norte de Mato Grosso ao Pará, tem provocado uma retenção no tráfego, já que os veículos reduzem a velocidade para evitar atropelamentos. São mais de 20 tendas, uma só para alimentação, com churrasco servido no almoço e no jantar, caminhões, automóveis, máquinas de escavação e pelo menos três guindastes. As pessoas constantemente atravessam a pista. Os bolsonaristas dizem que a presença das barracas e das pessoas nas duas margens da rodovia foi negociada com a PRF.
No carro do som, bolsonaristas fazem uma pressão pública sobre vários setores da economia de Sinop. Eles ainda querem paralisar as atividades econômicas pelo menos “até domingo ou segunda-feira”, como disseram ao microfone. Nesta sexta-feira, o pedido foi um fracasso, pois a ampla maioria do comércio funcionou.
“Eu quero pedir encarecidamente se tem alguém aqui de transportadora que está me ouvindo ou me ouviu agora pelo celular, o pessoal está filmando. Gente, pelo amor de Deus, pára de dar ordem para motorista de caminhão. Pelo amor de Deus, cria vergonha, não vamos carregar nossos caminhões. Ninguém que está aqui tem empresário com ordem fechada. Eu tô sem ganhar um real [há] dez dias. Os caminhões que estão aqui não estão faturando. Ninguém vai morrer por ficar aqui mais até domingo aqui com a gente”, disse o homem identificado como “Babalu”, um dos porta-vozes do movimento. A Agência Pública não conseguiu falar com “Babalu” porque sofreu uma ameaça e teve que deixar o local na quinta-feira (3).
Um pouco antes, a Pública falou com outro porta-voz que também constantemente vai ao microfone do carro de som dar orientações aos manifestantes. Ele se identificou como Francis Machado, “caminhoneiro autônomo”, que mora em Sinop “há 26 anos”.
No carro de som logo após a fala de “Babalu”, Machado também pediu um locaute das empresas transportadoras de cargas. “Transportadora que ‘tira’ com a Empasa, que tá dando ordem [de transporte], a gente tá sabendo. Vamo colaborar, gente. Não vamo falar o nome da transportadora agora. Mas faz favor, que mais tarde nós vamo falar se continuar. […] Vamo continuar com o movimento, vamo mostrar que nós somos povo ordeiro. As transportadoras lá do posto Búfalo também, que tão dando ordem, do Búfalo, não, do Trevão, vamo colaborar gente, não adianta. […] Vamos continuar firme que vai dar certo, pessoal, não vamos desistir não. Vamos aguentar até segunda-feira aqui que a vitória é nossa, em nome de Jesus.”
Ao microfone falou um outro porta-voz que depois se identificou à Pública como Cleomar Immich, “caminhoneiro há 30 anos”. Indagado, ele negou integrar “algum sindicato ou associação”. Porém, em diversos textos e vídeos na internet Immich é identificado como presidente da Cooperlog (Cooperativa de Transportadores Profissionais da Área de Logística e Transporte de Cargas) de Sinop. Em entrevista no ano passado, Immich disse que “temos 7 mil caminhões emplacados em Sinop, 40% são de profissionais autônomos”.
FAÇA PARTE
Saiba de tudo que investigamos
Ao microfone, Immich pediu aos comerciantes de Sinop que fechem as portas. “Pessoal, comércio de Sinop, entidades representativas do nosso comércio, eu vou citar CDL [Câmara de Diretores Lojistas], Associação Comercial. Por favor, mobilizem as suas associadas, por favor, nós precisamos de contingente, precisamos de material humano, precisamos de pessoas, por favor, tragam as pessoas para cá. Os caminhoneiros estão [aqui], tem muita gente aqui que está. E caminhoneiro, por favor, por favor, que nem o ‘Babalu’ falou, um dia, dois dia, quatro que seja, você fica na oficina quando funde o motor, gasta 50 mil reais, e fica dois meses parado e não quebra. Vem pra cá, a causa é importante, por favor, comércio de Sinop.”
Na sequência, “Babalu” reiterou o pedido aos comerciantes. “Outra coisa, comércio de Sinop. Hoje nós passamos ali e vimos muitas lojas abertas. Então se alguém aqui tem loja, se alguém está aqui no movimento e está com os funcionários na loja, gente por favor vamo pedir para fechar a loja, que dois dias, quinta e sexta-feira, com as lojas fechada, ninguém vai morrer do coração, ninguém vai ficar com as conta tudo atrasada no ano.”
Rubens Valente/Agência Pública
Movimento golpista é desencadeado pelo agronegócio, caminhoneiros, empresários e moradores da cidade
Segundo “Babalu”, “vocês estão aqui há dias lutando pelo nosso país”. “Então nós podemos fechar a cidade, podemo acabar com o comércio da cidade toda, deixar só o comércio principal, e vir todo mundo pro movimento, beleza? Conto com a colaboração de vocês.”
Numa mensagem dirigida às transportadoras, “Babalu” repetiu que “não está havendo carregamento” e chamou caminhoneiros de “agoniado”. “As transportadoras: não dê ordem, gente, crie vergonha, não dê ordem para esses agoniado, segura esse povo aí, se vocês dê ordem, amanhã ou depois… [inaudível].”
“Movimento Brasil Verde e Amarelo”
Em Sinop há vários nomes do agronegócio que integram um autodenominado “Movimento Brasil Verde e Amarelo”, que ao longo do governo Bolsonaro esteve à frente de eventos e atos de apoio a Bolsonaro e financiou outdoors montados no Distrito Federal às vésperas do último dia 7 de Setembro e do primeiro turno das eleições em favor do candidato à reeleição pelo PL, Bolsonaro. Um dos cabeças do “movimento” é o fazendeiro Antônio Galvan, também morador de Sinop e presidente do Aprosoja Brasil. Filiado ao PTB de Roberto Jefferson, Galvan é um dos alvos de inquérito aberto no STF (Supremo Tribunal Federal) para investigar a incitação a atos violentos e ameaçadores contra a democracia. Galvan foi derrotado ao Senado nas últimas eleições, quando declarou bens no valor de R$ 14 milhões. Pessoas utilizando camisetas com o nome do “movimento” também são vistas em meio aos manifestantes que bloquearam a rodovia.
Na “tenda da alimentação” montada para o bloqueio, uma churrasqueira trabalha sem parar. Um vídeo que circulou em aplicativos de conversa mostra uma pessoa dizendo que há “32 freezers” de carne. Pacotes de picanha são preparados para o almoço numa churrasqueira. A Pública ouviu de moradores de Sinop que estudantes têm ido ao protesto para “comer picanha” oferecida pelos manifestantes. Números de contas bancárias circulam entre os manifestantes para ajudar na arrecadação via PIX. Um cartaz afixado numa das tendas diz que não é aceito dinheiro em espécie, apenas por transferências bancárias.
À Pública, Francis Machado disse que o “movimento” em Sinop é apoiado “por praticamente todos” os setores da economia do município. “É o caminhoneiro, é o pessoal do agro, o pessoal do comércio tá junto com nós aqui, o pessoal que trabalha com indústria, tão vindo tudo para cá. É praticamente um movimento de toda a sociedade da nossa região.” Machado disse que “por enquanto vamos resistir até domingo. O comércio vai vir com a gente, cidades vizinhas já tem comércio fechado, vai vir pra cá”.
Immich disse que, para encerrar a mobilização, “não tem prazo, não foi falado em momento algum sobre prazo. O prazo é indeterminado, a não ser que a população opte por não comparecer ou por não participar do movimento. Depende do contingente, de material humano. Estrutura tem, almoço tem, banheiro químico tem, monte suas barracas.” Immich disse que caminhoneiro “é um elo” da paralisação, mas “aqui tem mecânico, cabeleireiro, indústria, comércio, tem tudo. […] “Tem toda a estrutura, tem estrutura para ficar aqui um mês se preciso for”.
Desde o início dos bloqueios em Mato Grosso, na noite do dia 30, a DPU (Defensoria Pública da União) acompanha os desdobramentos com grande preocupação. Em ofício endereçado no último dia 2 ao governador reeleito no Estado, Mauro Mendes (União Brasil), que apoiou Bolsonaro nas eleições, o defensor regional de Direitos Humanos da DPU, Renan Vinicius Sotto Mayor de Oliveira, pediu informações sobre as providências tomadas pelo governo estadual para cumprir a ordem do ministro do STF Alexandre de Moraes que determinou o desbloqueio de todas as estradas no país.
No ofício, Oliveira mencionou que a decisão do STF atua para “o resguardo da ordem no entorno e, principalmente, à segurança dos pedestres, motoristas, passageiros e dos próprios participantes do movimento ilegal que porventura venham a se posicionar em locais inapropriados nas rodovias do país; bem como, para impedir, inclusive nos acostamentos, a ocupação, a obstrução ou a imposição de dificuldade à passagem de veículos em quaisquer trechos das rodovia
Nenhum comentário:
Postar um comentário