terça-feira, 1 de novembro de 2022

 

Os crimes eleitorais do ruralismo barra-pesada

Coerção, compra de votos, assédio e até liquidação de carne: empresários tentam impor cabresto aos trabalhadores pela reeleição de Bolsonaro. São os mesmos com ficha corrida em crimes ambientais e derramamento de sangue indígena

Por Mariana Franco Ramos e Luís Indriunas, no De Olho nos Ruralistas

Assédio eleitoral é crime, mas o agronegócio não quer nem saber. Para reeleger Jair Bolsonaro (PL) e defender seus próprios interesses, fazendeiros reeditam o voto de cabresto. Eles ameaçam, mentem, fazem chantagens e tentam manter seus funcionários em um curral.

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De Olho nos Ruralistas levantou denúncias de compra de votos em todas as regiões do país. Há exemplos de Rondônia à Bahia, do Maranhão ao Rio Grande do Sul, passando pelo Paraná. À medida que o segundo turno se aproxima, as irregularidades se multiplicam.

São casos como a da sojeira Roseli D’Agostini Lins, presidente da Associação de Produtores Rurais do Alto Horizonte, no oeste da Bahia. “Eu queria falar algo para os nossos agricultores: façam um levantamento, quem vai votar no Lula e demitam”, disse ela, a colegas. “Demitam sem dó”.

Segundo a Central Única dos Trabalhadores (CUT), após a divulgação das imagens, o Ministério Público do Trabalho (MPT) na Bahia instaurou um inquérito civil para investigar a possível ocorrência de assédio eleitoral nas declarações da fazendeira.

O órgão tem sido acionado com frequência. O problema é que Roseli é apenas mais uma, entre tantas pessoas que passam por cima da lei para apoiar o capitão.

Também na Bahia, um fazendeiro chegou a obrigar funcionárias a votarem com celular no sutiã. O assédio partiu de Adelar Eloi Lutz, dono de propriedades rurais em Formosa do Rio Preto, a 756 quilômetros de Salvador. Há registro do crime eleitoral em gravações que circulam em aplicativos de mensagens.

Cyro de Toledo Junior, ou Nelore Cyro, como é conhecido, prometeu pagar 15º salário se Bolsonaro ganhar. “Eu quero gente que pensa igual a mim e vista a camisa da fazenda”, afirmou o pecuarista de Araguaçu, no Tocantins.

Muitos desses assediadores têm a “ficha corrida”. Cyro já foi multado em R$ 32 mil pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por desmatamento e foi processado por um funcionário que precisava comprar a própria água, como o observatório noticiou: “Pecuarista que promete 15º salário caso Bolsonaro vença desmatou área de Cerrado“.

No Vale do Guaporé, nos municípios de Rondônia que fazem fronteira com a Bolívia, fazendeiros pedem votos pelo WhatsApp ligando a possível vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à perda de terra para os povos indígenas Migueleno e Puruborá.No Maranhão, em uma das capitais do Matopiba, a ameaça é explícita. Um dos irmãos da família Zaltron pede a outros fazendeiros boicote a um empresário local que declarou voto em Lula. No mesmo município, outra empresa fornece água potável para moradores de cinco bairros. A New Agro defende em carta a reeleição de Bolsonaro.

Dono de frigorífico que espalhou covid entre indígenas responde a dez denúncias

Outro caso emblemático é o da Lar Cooperativa Industrial, de Matelândia (PR), que segundo o MPT responde a pelo menos dez denúncias de assédio eleitoral. “O caminho melhor para a nossa geração, para os nossos filhos e netos é reeleger o presidente Bolsonaro”, escreveu o diretor-presidente, Irineo da Costa Rodrigues, em ofício enviado aos trabalhadores.

A procuradora Cláudia Honório informou que existem provas suficientes da prática ilegal. “Sendo graves os fatos, e diante da negativa de empregadora em ajustar sua conduta, havendo descumprimento da recomendação encaminhada, viu-se o MPT compelido ao ajuizamento de ação civil pública”, determinou, no despacho.

Através da Lar Cooperativa, soja da Brasília do Sul chega ao mercado europeu. (Imagem: Earthsight)

A LAR integra a cadeia de financiamento do Instituto Pensar Agro (IPA), motor logístico da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), e é mencionada no dossiê “Os Financiadores da Boiada”, do De Olho: “Principais financiadores da bancada ruralista faturam mais de R$ 1,47 trilhão“.

Ela também é citada no relatório “Sangue indígena: A verdade incômoda por trás do frango exportado para a Europa”, que mostra o caminho percorrido pela soja produzida na Fazenda Brasília do Sul, em Juti (MS), até o mercado europeu. A publicação é uma parceria do observatório com a organização britânica Earthsight. O local foi palco do assassinato do cacique Marcos Veron.

Durante a pandemia, a LAR foi responsável por espalhar a Covid entre indígenas do oeste paranaense. Um guarani de 32 anos, que trabalha no frigorífico e mora na comunidade Ocoy, localizada em São Miguel do Iguaçu, foi o primeiro caso registrado: “Guarani que trabalha em frigorífico contrai Covid-19 e é 1º caso na região de Foz do Iguaçu“. Na época, o cacique Celso Jopoty Alves contou que a companhia decidiu não paralisar as atividades, colocando toda a aldeia em risco.

Empresários do Sul ameaçam fechar as portas

A coação feita pelo dono da Stara, que vende máquinas e implementos agrícolas, está igualmente documentada. Gilson Tennepohl mandou, assim que saiu o resultado do primeiro turno, uma carta aos funcionários. “Se o Lula ganhar, a empresa vai cortar 30% do orçamento”, ameaçou. Ele é o vice-prefeito de Não-Me-Toque, no Rio Grande do Sul.

Filiado ao União Brasil, partido do ex-juiz Sergio Moro, o gaúcho doou R$ 1 milhão ao PL de Bolsonaro. Segundo reportagem da Agência Pública, ele também está entre os empresários que bancaram a ida de tratores do agronegócio ao desfile do 07 de setembro em Brasília.

Assim como a Stara, uma de suas principais concorrentes, a Extrusor, encaminhou uma carta a fornecedores afirmando que, com Lula eleito, passará a funcionar apenas de forma virtual, cortando contratos. Em outras palavras: ameaças de cortes e demissões.

Enquanto isso, articuladores de grupos fascistas negociam votos em Bolsonaro por comida. O goiano André Luiz Bastos Paula Costa é um deles, de acordo com a polícia do Distrito Federal. O pecuarista chegou a ameaçar o governador Ibaneis Rocha (MDB), aliado de Bolsonaro. Em 2018, foi acusado de tentar esfaquear um pequeno agricultor.

Frigorífico continua usando imagem de Bolsonaro. (Foto: Reprodução)

Em São Miguel do Guamá, no nordeste do Pará, o dono de cerâmicas Maurício Lopes Fernandes Júnior, o “Da Lua”, compra votos por 200 reais. Em um vídeo, ele afirma que, na hipótese de vitória do petista, teria de fechar a empresa, porque “ninguém vai aguentar o pepino que vem”.

Fernandes Júnior convoca todos os trabalhadores, independentemente do cargo, a dar o nome para, em caso de vitória de Bolsonaro, receber o dinheiro combinado.

E em Goiás tem liquidação de carne: vende-se picanha a qualquer preço para que o agronegócio mantenha seu poder. O Frigorífico Goiás, que já pertenceu ao sertanejo Gusttavo Lima, garoto-propaganda da marca, anunciou a “picanha mito” por R$ 22 no dia do primeiro turno.

Uma mulher passou mal durante o tumulto e morreu. Em resposta a um post no Instagram, a primeira dama, Michelle Bolsonaro, elogiou a ação do açougue: “Muito patriota”.

Bolsonarista humilhou diarista que recebia cesta básica

Do outro lado do patriotismo está a humilhação. Cássio Joel Cenali, o bolsonarista que se negou a doar cesta básica para uma diarista de Itapeva, interior de São Paulo, após ela declarar voto em Lula, é fazendeiro:

— A partir de hoje é a última marmita que vem aqui. A senhora pede para o Lula agora. Está bom? É a última marmita que vem para a senhora.

Coube ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) dar mais uma lição de solidariedade. A organização entregou produtos da reforma agrária para dona Ilza Rodrigues e, sem nada em troca, garantiu compartilhar com ela suprimentos nos próximos seis meses.

Mas de onde vem o dinheiro desse voto de cabresto? Em Roraima, o garimpeiro e candidato bolsonarista a deputado federal Rodrigo Cataratas (PL) foi preso em flagrante com material eleitoral, R$ 6 mil em espécie e uma lista com nome de pessoas e valores para distribuição. Cataratas declarou à Justiça Eleitoral R$ 4,5 milhões em dinheiro vivo.

Ele é investigado pela Polícia Federal por suspeita de apoiar a exploração ilegal de minérios na Terra Indígena Yanomami. Já foi indiciado por suspeita de crime ambiental, crime contra a ordem econômica e posse e comercialização ilegal de munição de arma de fogo. Agora, compra de votos. O candidato não se elegeu, porém, ele e seus amigos estão dedicados como nunca a eleger Bolsonaro a qualquer custo.

Mariana Franco Ramos é jornalista

Luís Indriunas integra a equipe de editores do De Olho nos Ruralistas

Colaborou Alceu Luís Castilho, diretor de redação do observatório

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