Reportagem Tecnologia
ARTUR CUPAK/ MAURITUS/ LATINSTOCK
Os índices de conclusão são baixos, menos de 10%
Os Moocs, depois da euforia...
Os cursos online massivos são criticados pelo caráter neocolonialista e a hegemonia do pensamento ocidental
Por Thais Paiva
Um computador com acesso à internet é tudo o que você precisa para
participar de aulas ministradas por professores das universidades mais
renomadas do planeta, como Harvard, Columbia, Princeton e Yale. Com a
promessa de democratizar o acesso ao Ensino Superior, os MOOCs (cursos
online abertos para massas, em tradução livre do inglês) sacudiram o
cenário educacional e ganharam popularidade entre alunos e docentes.
O entusiasmo com o modelo foi tamanho que o jornal americano The New
York Times chegou a eleger 2012 como o “ano dos Moocs”. Segundo o
colunista Thomas Friedman, os cursos promoveriam uma verdadeira revolução na academia
e, consequentemente, na sociedade. “Nada tem mais potencial para tirar
as pessoas da pobreza, proporcionando-lhes uma educação acessível para
obter um emprego ou para melhorar seu trabalho (do que os MOOCs)”,
escreveu.
A empolgação estendeu-se ao Brasil. De acordo com o Coursera, plataforma que oferece cursos
de 110 instituições, cerca de 340 mil alunos são brasileiros, o que
coloca o País como o quarto maior público fora dos EUA. Diante da
receptividade, em setembro, a plataforma firmou parceria com as duas
maiores instituições paulistas, a Universidade de São Paulo (USP) e a
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que disponibilizarão seus
primeiros MOOCs a partir de 2015. “Até o momento, não tínhamos quase
nenhum conteúdo em português e a maioria dos brasileiros não fala
inglês”, explica Stephanie Durand, responsável pelo Coursera no Brasil.
“Acreditamos que há um potencial enorme em oferecer cursos dessas
universidades locais para atender ao interesse público brasileiro”, diz.
Antes do Coursera, porém, outra plataforma de cursos massivos já
acenava para as oportunidades do modelo dentro do País. Em julho, o
Banco Santander e a Telefônica anunciaram o lançamento da Miríada X,
ferramenta de e-learning com foco nos 600 milhões de falantes de
português e espanhol do planeta. Entre as 33 instituições de Ensino
Superior cadastradas, duas são brasileiras: a Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e a Universidade do Vale do Rio
dos Sinos (Unisinos). Ainda não há, no entanto, cursos disponíveis em
português.
Em visível expansão, o modelo dos MOOCs é alvo de uma série de
críticas. Para especialistas, a visão de que os cursos abertos vão
solucionar a questão da desigualdade no acesso ao Ensino Superior é
ingênua e equivocada. As críticas se concentram no risco de propagar a
hegemonia do conhecimento ocidental, delimitando de forma ainda mais
explícita o seleto grupo de universidades pertencentes ao “Primeiro
Mundo” e fortalecendo a cultura acadêmica hoje dominante.
“A grande maioria dos MOOCs foi desenhada por universidades dos Estados
Unidos e Reino Unido. Esses cursos refletem o conhecimento, metodologia
e orientações intelectuais dessas nações. Com a disseminação dos MOOCs,
o resto do mundo deve se adaptar ao pensamento e pesquisa dessas
“potências” acadêmicas”, explica Philip G. Altbach, diretor do Centro de
Educação Superior Internacional do Boston College, nos Estados Unidos.
Outro aspecto que contribui para o caráter “neocolonialista” do modelo,
diz o professor, é a utilização do inglês como língua global,
dificultando o aparecimento de perspectivas de não falantes do idioma.
“Nesse momento, o uso do inglês pelos MOOCs é dominante. Alguns estão
sendo desenvolvidos em russo, alemão, espanhol, chinês e português. Esta
nova diversidade é importante, pois pode trazer mais vozes para os
cursos”, diz.
Para Jeremy Knox, professor da Universidade de Edimburgo, no Reino
Unido, ao contrário do que os entusiastas acreditavam, o formato, longe
de revolucionar a educação, tende a manter o status e a inacessibilidade
das instituições de renome. “O fato de Harvard, Stanford e Princeton
serem instituições de elite e inacessíveis é precisamente a razão pela
qual as pessoas são atraídas pelos cursos livres deles. Logo, os MOOCs
precisam que tais instituições se mantenham elite, caso contrário,
perderiam o prestígio para a sua comercialização”, explica.
Segundo tal perspectiva, os MOOCs privilegiam o conhecimento da elite,
predominantemente ocidental, sobre o conhecimento local. “Por que a
Filosofia ensinada em Harvard, automaticamente, é melhor do que a
Filosofia ensinada em uma instituição local, que pode estar mais
relacionada a questões regionais e culturais daquele contexto?”, indaga
Knox. Para o professor, o formato desprivilegia a diversidade cultural,
padronizando a educação e a colocando sob o controle de um punhado de
instituições.
O formato precisaria ser aprimorado, a fim de atender ao seu propósito
de democratização. “É preciso fazer MOOCs mais diversificados e as
parcerias do Coursera no Brasil, por exemplo, são um movimento positivo.
No entanto, a organização do curso precisa mudar e se adaptar às
instituições locais e não simplesmente padronizar a forma como a
educação é entregue”, afirma Knox.
Segundo Stephanie, do Coursera, a plataforma já conta com 114 parceiros
de mais de 21 países. “Essas parcerias falam por si sobre a nossa
vontade de estimular a diversidade não apenas nas línguas, mas no
conhecimento e metodologias no ensino e aprendizagem de várias
instituições ao redor do mundo”, rebate. Por enquanto, os MOOCs
oferecidos pelas universidades brasileiras abrangem as áreas de ciência,
empreendedorismo, contabilidade, matemática e gestão. “Os cursos
estarão disponíveis para qualquer pessoa com acesso à internet, o que
significa que pessoas fora do Brasil também serão capazes de fazê-los.
Isso abre muitas portas”, diz.
Para Richard Romancini, professor do curso de Educomunicação da Escola
de Comunicações e Artes da USP, há interesse e potencial nas
possibilidades ofertadas pelos MOOCs, porém o tom atual é menos eufórico
do que no início. “Isso se relaciona com os resultados práticos dos
cursos, e também com as desconfianças que alguns tinham desde o início e
que parecem agora reforçadas pela realidade”, diz. Um desses
questionamentos é se os cursos online têm capacidade de substituir,
satisfatoriamente, o ensino presencial. “Não se trata apenas da
qualidade do ensino, mas também de propiciar experiências formativas –
contatos, vivências, relações humanas –, que são típicas da educação
superior”, diz.
Outro ponto criticado é o excessivo marketing e o tratamento da
educação como “commodity” com um discurso, por parte dos defensores,
mais ligado à quantidade e suposta democratização da educação do que à
qualidade. “Os índices de conclusão dos MOOCs são baixos, geralmente
menos de 10%, o que tanto atenuou a arrogância dos primeiros
empreendedores de cursos”, relata Romancini.
A dificuldade de reter o aluno estaria ligada ao seu aspecto broadcast e
à falta de interação entre os pares aluno-aluno e aluno-professor. As
grandes plataformas como o Coursera, EDX e Udacity apresentam uma
pedagogia simplista, baseada em videoaulas e avaliação por meio de
quizes – segundo os críticos, um processo de aprendizagem muito passivo.
“O próprio formato aberto favorece a evasão, já que tudo indica que
muitas pessoas ingressam nos MOOCs apenas para “testar”, sem muito
compromisso em realizá-los de fato ou concluí-los”, explica Romancini.
Para Jennifer Morton, professora assistente do Departamento de
Filosofia do City College of New York, a pertinência dos MOOCs está
ligada ao contexto institucional em que esse tipo de curso aparece na
vida acadêmica do aluno. “Se o MOOC substitui uma grande palestra com
pouca participação do estudante, então pode ser um substituto razoável.
Mas, se substitui uma discussão feita em classe, a experiência
interativa de aprendizagem que os alunos devem ter na faculdade, então
não estamos fazendo uma boa troca”, diz.
Para Jennifer, os aspectos intangíveis da educação ainda são ignorados,
como a aprendizagem social e emocional propiciada com a interação
presencial. “Na semana passada, pedi a um grupo do primeiro ano uma
apresentação e eles fizeram um trabalho horrível. Mas isso foi um
importante aprendizado. Discutimos, então, a importância de se
apresentar uma ideia com sucesso. Não sei como meus alunos poderiam ter
tido essa experiência desconfortável, mas valiosa, na aprendizagem
online”, diz.
Se os MOOCs pretendem ser mais do que uma moda passageira e conquistar
espaço e credibilidade no universo educacional, terão de provar a que
vieram. Romancini compara o entusiasmo com o modelo ao surgimento do
ensino por correspondência, na década de 1920, nos Estados Unidos.
Passados alguns anos de euforia, essa modalidade tornou-se residual.
“Não creio que o ensino online vai ser tão minoritário, no entanto, a
analogia mostra que existem outros aspectos envolvidos com a educação
além das tecnologias da informação e comunicação, como dar sentido aos
conteúdos, promover aprendizagens e interações significativas”, conclui.
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