Reportagem
APU GOMES/ FOLHAPRESS
Docentes da USP protestam contra congelamento salarial
Crise de gestão ou de financiamento?
Com dificuldades orçamentárias, as universidades estaduais questionam o atual modelo de recebimento de recursos
Por Tory Oliveira
Após 116 dias, funcionários e professores da USP
colocaram fim a uma das mais longas greves em 80 anos no dia 19 de
setembro. A paralisação, motivada pelo anúncio do congelamento salarial,
reuniu docentes e profissionais das outras duas instituições de ensino
superior estadual paulista, a Unesp e a Unicamp, e expôs uma crise de
financiamento, cuja raiz, paradoxalmente, está na própria forma de
financiamento. De acordo com os gestores das universidades, a expansão
vivida pelas universidades nos últimos 20 anos e o aumento do número de
professores aposentados colaboram para dificultar o fechamento das
contas.
Desde 1989, as três universidades financiam as atividades de ensino,
pesquisa e extensão por meio de um repasse fixo de 9,57% do total
arrecadado pelo governo do estado de São Paulo com o ICMS, o Imposto
sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações
de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação. A cada uma das três cabe uma fatia do imposto arrecadado,
que correspondeu a 9,33 bilhões de reais em 2014, rateado entre USP
(5,02%), Unesp (2,34%) e Unicamp (2,19%). Esse porcentual foi
determinado, à época, com base na série histórica de orçamentos de cada
uma das entidades. O montante é, na avaliação das universidades,
insuficiente para manter a máquina que forma 111.814 alunos e emprega
11.224 docentes e 31.974 funcionários.
Convocado a participar da audiência pública realizada pela Assembleia
Legislativa de São Paulo em setembro, o reitor da Unicamp, José Tadeu
Jorge, afirmou que “não há como
conseguir qualquer tipo de expansão” sem que haja aumento dos recursos.
O reitor também destacou o impacto causado pela aposentadoria de
docentes na folha de pagamentos da universidade. Atualmente, cerca de
20% da folha da Unicamp é destinada ao pagamento dos professores
aposentados. O reitor da USP, Marco Antonio Zago, não compareceu ao
encontro.
A chamada autonomia financeira das paulistas foi obtida em um contexto particular, a partir
do Decreto 29.598 assinado pelo então governador Orestes Quércia
(1987-1991). Em novembro de 1988, docentes das universidades estaduais
haviam encerrado uma greve de 80 dias e o governador temia ceder às
reivindicações, pois acreditava que precisaria fazer concessões às
demais camadas do funcionalismo público, caso atendesse os professores.
Como a Constituição de 1988 previa a possibilidade de a universidade
pública receber autonomia didático-científica, administrativa e de
gestão financeira e patrimonial, o decreto governamental concedeu à USP,
Unesp e Unicamp tal autonomia, vinculando seu orçamento ao repasse
automático de 8,4% do ICMS. Até hoje, apenas as três universidades
paulistas conseguiram o feito.
A autonomia permitiu às universidades maior planejamento e organização,
uma vez que os recursos chegam diretamente aos seus cofres, mês a mês.
Antes dessa situação, o Estado fazia uma previsão na Lei Orçamentária do
quanto disporia para as universidades, mas não havia o compromisso da
periodicidade. “Só que ele deu com uma mão e tirou com a outra, porque,
quando verificamos os dados dos repasses, na verdade deveria ser perto
de 11% da arrecadação. Foram cortados 30% dos recursos repassados, isso
há 25 anos”, lembra o atual presidente da Associação dos Docentes da USP
(Adusp), Ciro Teixeira Correia.
Para Otaviano Helene, docente do Instituto de Física da USP e
ex-presidente da Adusp, a autonomia é uma faca de dois gumes. Por um
lado, dá liberdade para a universidade encaminhar seus projetos, mas, de
outro, desobriga o governo estadual a cobrir a oferta do Ensino
Superior no volume necessário. “Se houver demandas por mais vagas, o
governo jogará esse problema para a universidade”, analisa.
A não definição da fonte de recursos para o pagamento dos servidores
aposentados da universidade é outro efeito decorrente do atual modelo.
Com o envelhecimento dos professores, o número de aposentadorias pagas
com recursos dos orçamentos das universidades cresceu nos últimos 20
anos. Na Unesp, por exemplo, os inativos representavam 7,8% da folha de
pagamento em 1989. Hoje, atingem, aproximadamente, 25% e tendem a
crescer de acordo com o envelhecimento do quadro de servidores.
Na década de 2000, o crescimento econômico do País e do estado de São
Paulo como um todo ajudou a segurar a situação financeira das
universidades no azul, já que a arrecadação do ICMS segue os humores da
economia nacional. Sem reajuste na alíquota do ICMS desde 1995, quando o
valor passou de 8,4% para os atuais 9,57%, as três universidades
passaram por um período de forte expansão nas últimas décadas.
Nos últimos 20 anos, a USP passou de 132 para 249 cursos, com a
inauguração de novos campi, como a Escola de Artes, Ciências e
Humanidades (EACH), na zona leste de São Paulo. O número de alunos na
graduação também saltou de 32.834 para 58.303, entre 1995 e 2012. Os
cursos de pós-graduação recebiam 19.683 estudantes há duas décadas e,
atualmente, são 33.761. O número de docentes pouco se alterou: passou de
5.056 para 5.860. O interior acompanhou o crescimento. Nos campi da
Unesp, o número de alunos matriculados quase dobrou, passou de 19.618
para 35.485. As vagas em mestrado e doutorado passaram de 4.777 para
11.804. Na Unicamp, os alunos matriculados dobraram: de 9.023 para
18.026. Os cursos na graduação também se expandiram, de 44 para 67.
A crise orçamentária em São Paulo causa preocupação às universidades
federais. “O sonho das federais é ter uma sistemática parecida com a das
paulistas”, afirma Nelson Cardoso Amaral, professor da Universidade de
Goiás (UFG) e estudioso do financiamento da educação. “As federais
entendem que as paulistas têm uma autonomia maior.”
Atualmente, a folha de pagamento das 63 instituições de Ensino Superior
federais é decidida nacionalmente e custeada pelo governo federal. Já
os recursos para os demais gastos, como água, luz ou investimento em
equipamentos e obras, dependem de negociações dos reitores de cada
unidade com o MEC. “As federais são dependentes das condições da
economia ou da prioridade que cada governo dá para o Ensino Superior
público”, explica Amaral. O modelo, segundo o pesquisador, dificulta
planejamentos e investimentos de longo prazo. Para ele, é preciso olhar
com cuidado e analisar o que aconteceu com as universidades públicas
estaduais de São Paulo: “Elas expandiram mais do que poderiam? O que
aconteceu com a arrecadação do ICMS no estado de São Paulo?”
“O número de cursos dobrou, assim como as matrículas de pós-graduação,
então é óbvio que isso impactaria o repasse. Se crio um mecanismo que
vincula o orçamento da universidade a um imposto, preciso de mecanismos
de proteção”, critica José Marcelino Rezende.
Com a proximidade do fim do ano, as perspectivas não são nada
animadoras. Proposta orçamentária enviada pelo governador reeleito
Geraldo Alckmin (PSDB) à Assembleia Legislativa no fim de setembro
mostra queda de 2,5% no repasse do ICMS destinado às universidades. Com
isso, o montante recebido pelas três instituições passaria de 9,33
bilhões para 9,1 bilhões de reais. No mesmo documento, o Conselho de
Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) pedem o aumento
da fatia do ICMS para 9,907% do que é arrecadado. As entidades que
representam os trabalhadores nas três universidades reivindicam um
aumento maior, para 11,6% do tributo.
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