150 anos sem Gonçalves Dias
A melhor homenagem ao escritor é lembrar por que foi tão grande e como suas obras ajudaram a construir o Brasil
Por Márcia Lígia Guidin
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.
(...)
Todos nós já lemos ou ouvimos os versos acima. Eles iniciam um famoso
poema, Canção do Exílio, escrito em 1843 por Antônio Gonçalves Dias. Na
época, o jovem maranhense tinha apenas 20 anos, vivia e estudava em
Coimbra, Portugal. Com esse poema, ele inaugurava um dos temas mais
férteis da poesia brasileira, o da saudade da pátria: estar “cá”, no
exílio, querendo estar “lá”. De certa forma, há nesse verso uma ironia
trágica. Muitos anos depois, já famoso, mas muito doente (e novamente na
Europa a trabalho), o poeta não conseguiu voltar para morrer em seu
país. Faleceu num naufrágio do navio que o trazia à pátria, na costa do
Maranhão. Em novembro de 2014 comemoramos 150 anos de sua morte. E a
melhor maneira de homenagear um dos maiores poetas do Brasil
é lembrarmos por que foi tão grande e como suas obras ajudaram
vigorosamente a construir o Brasil na literatura após nossa
Independência.
Em dezembro de 1862, Gonçalves Dias estava bastante doente. Com 40
anos, sofria de reumatismo, dizia-se que tinha câncer na garganta.
Viajou à França, em busca de outro clima, e correu no Brasil a notícia
inverídica de sua morte. Houve grande tristeza e muitos discursos
fúnebres, até de dom Pedro II. Dois meses depois, soube-se que estava
vivo, e que mandava dizer que “nunca iria morrer”. Pouco depois,
doente, sem trabalho e sem dinheiro, comprou passagem no navio Ville de
Boulogne, que vinha para o Brasil. O navio, porém, naufragou no dia 3 de
novembro de 1864, e seu corpo nunca foi encontrado. Dizem que trazia
outros trechos de seu mais longo poema épico, Os Timbiras.
Quanto à Canção do Exílio, não é incrível que esse poema ainda circule
na memória de tantos brasileiros há mais de 150 anos? Por que será que
a maioria de nós sabe declamá-lo se já não somos tão nacionalistas e
não nos emocionamos mais com palmeiras e sabiás? O fato é que a simples
memória desses versos em nossos ouvidos já insinua o lugar do poeta na
literatura brasileira e muito revela sobre seu estilo, seus temas e seu
vigor para escrever. Observe-se a grande precisão dos versos onde o tema
do amor à pátria é manifestado com palavras simples e muito precisas
(sem nenhum adjetivo!), num ritmo tradicional, mas a serviço da emoção
que a saudade da pátria lhe inspirara. Aliás, os vários estudos sobre
este poema são unânimes: Canção do Exílio é a perfeita criação literária
de quem conhecia a língua portuguesa “clássica” muito bem, mas a
serviço de nova temática – o amor à pátria – que tanto o Brasil
precisava desenvolver naquele momento de orgulho nacional.
É claro que a obra reunida de Gonçalves Dias – sua poesia lírica, e,
principalmente, a poesia indianista – criam um universo que excede muito
a esse poema. Porém, como ótima referência, essa canção revela a
excepcional originalidade do poeta, que soube, como nenhum outro de sua
época, unir a liberdade conquistada pelo romantismo (nacionalista e
passional) sem abrir mão completamente dos modelos literários
tradicionais que conhecia tão bem.
Tal intuição criadora – a de associar a liberdade à tradição –
construiu uma obra tão exuberante que Gonçalves Dias é considerado,
ao lado do romancista José de Alencar, o fundador da “literatura
nacional”. Quer dizer, da literatura com a cara do Brasil, feita por
nós, brasileiros, e para o mundo, poucos anos depois de 1822.
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