quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Operação Lava Jato

Petrobras, vítima ou culpada?


A estatal enfrenta uma dupla condição diante das investigações da Operação Lava Jato
por Carlos Drummond publicado 27/11/2014 09:22
Spencer Platt/Getty Images/AFP
Bolsa
Em queda. Na Bolsa de Nova York, as cotações da empresa sob investigação caíram 31% neste ano
Enquanto algumas consultorias e corretoras dos EUA recomendavam manter o investimento em títulos da Petrobras, na quarta-feira 20, pois “o pior já passou e as más notícias estão precificadas na cotação”, outras chamavam atenção para o fato de o papel sofrer um processo de queda acompanhado de volume negociado elevado (2,4 vezes o normal), sinal infalível de investidores em debandada. A situação pode piorar e quem vender por último ficará com o mico, isto é, será o maior prejudicado, alerta o último grupo de instituições. Sob investigação sigilosa nos Estados Unidos pela Securities and Exchange Comission, órgão encarregado de fiscalizar o mercado de ações, e pelo Departamento de Justiça, a empresa brasileira perdeu 31% do valor neste ano nos pregões da Bolsa de Nova York, em consequência das notícias sobre corrupção, dos preços baixos do petróleo e do rebaixamento da companhia por bancos norte-americanos e europeus.
“A SEC tem competência para investigar e punir administradores de empresas brasileiras que tenham feito oferta e distribuição de valores mobiliários no mercado americano, como é o caso da Petrobras. E poderá levar isso adiante por meio de uma investigação autônoma ou em cooperação com a Comissão de Valores Mobiliários e demais autoridades brasileiras”, aponta Walfrido Jorge Warde Junior, sócio da Lehmann, Warde & Monteiro de Castro Advogados.
“A Petrobras tem uma dupla condição nos Estados Unidos. Ela é listada na Bolsa de Nova York e está sujeita às normas do mercado de capitais aplicáveis a todas as companhias com ações negociadas no país, mas é também uma estatal. A depender da ótica da SEC, pode ser considerada um agente governamental atingido por fraudes e atos de corrupção. A lei anticorrupção dos EUA não se estende a governos estrangeiros. Nesse estágio, entretanto, não dá para saber se a empresa brasileira será considerada vítima ou tratada como uma companhia listada na Bolsa sujeita à lei anticorrupção”, explica Cynthia Catlett, sócia do grupo de auditoria e consultoria Grant Thornton, responsável no país pela área de Investigação de fraude, prevenção à corrupção e lavagem
de dinheiro.
Na avaliação de uma das maiores instituições financeiras globais, a administração da Petrobras está sujeita a multas da SEC, mas funcionários do governo brasileiro não podem ser processados e não haveria interesse em retirá-la da lista de ações negociadas no mercado dos EUA.
Empreiteiras brasileiras de capital aberto ou fechado com escritórios nos Estados Unidos e acusadas de corromper diretores e funcionários da Petrobras podem ser responsabilizadas por tais atos pelo Departamento de Justiça.
Não será surpresa se a investigação norte-americana produzir melhores resultados e em prazo mais curto em comparação à apuração no Brasil. A SEC é responsável por normatizar e fiscalizar o mercado de capitais e assegurar o seu funcionamento no financiamento da economia. Foi criada em 1934 com o perfil de uma agência regulatória “quase judicial” independente e é uma das instituições do New Deal, o programa de reconstrução dos Estados Unidos implantado durante a Grande Depressão pelo presidente Franklin Delano Roosevelt. Em casos de fraude e corrupção, pode contar com o auxílio do FBI em investigações. As punições para violações das normas do mercado de valores mobiliários incluem multa e prisão.
O organismo similar brasileiro, a Comissão de Valores Mobiliários, age sob uma legislação frouxa, conta com estrutura modesta e aplica penas leves.
Alguns exemplos permitirão avaliar, ao fim das investigações brasileiras relacionadas à Petrobras, se a punição dos eventuais culpados se aproximará do padrão praticado nos Estados Unidos. Joel Esquenazi e Carlos Rodriguez, ex-presidente e ex-vice-presidente da americana Terra Telecommunications, foram condenados em 2011 a penas de 15 e 7 anos, respectivamente, e a multas superiores a 3 milhões de dólares, por pagamento de suborno de 800 mil dólares a funcionários da estatal haitiana Télécommunications d’Haiti. Foi a maior condenação baseada na lei criada em 1977 para punir corrupção de funcionários de outros países, a Foreign Corrupt Practices Act.
*Reportagem publicada originalmente na edição 827 de CartaCapital, com o título "Dupla condição"

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