quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Jerusa Viecili, o ponto fora da curva da Lava Jato, por Luis Nassif

Como Deltan Dallagnol reconheceu, na entrevista à BBC Internacional, a mancha desse diálogo acompanhará para sempre as pessoas vis que zombaram da morte. Mas que se ressalve que, dentre eles, havia uma pessoa digna
A divulgação dos diálogos dos procuradores da Lava Jato pelo The Intercept cometeu apenas uma injustiça: a procuradora Jerusa Viecili – a única que pediu desculpas pelas menções às perdas de Lula – é um ponto fora da curva na operação. É feita de outra matéria moral.
Na véspera das eleições de 2018, sugeriu ao grupo um comunicado coletivo, distanciando-se das candidaturas, especialmente de Jair Bolsonaro. O apelo ficou no vazio. Nenhum dos seus colegas abriu mão da torcida por Jair Bolsonaro.
Ela escreveu, então, um artigo solitário, publicado no El País, com considerações sobre o momento e com dez recomendações. São elas:
  1. Defender a ampla liberdade de expressão e de imprensa, assim como o diálogo e pluralismo, que são essenciais à democracia e ao combate à corrupção;
  2. Defender a ampla liberdade de associação e de funcionamento de entidades da sociedade civil organizada, especialmente a atuação no país de entidades nacionais e internacionais de controle social de gastos públicos e de combate à corrupção;
  3. Defender a Constituição Federal de 1988 e garantir a independência da atuação do Poder Judiciário, impedindo a criação de assembleia constituinte, de comissão constituinte ou de novas cadeiras no Supremo Tribunal Federal;
  4. Defender as instituições democráticas, promover eleições limpas, respeitar a atuação da Justiça Eleitorale suas decisões, reconhecer a legitimidade de mecanismos democráticos de oposição e crítica política e repudiar a violência e práticas discriminatórias na ação política, aspectos que favorecem a denúncia de práticas corruptas;
  5. Garantir a independência da Procuradoria-Geral da República, escolhendo o futuro procurador-geral a partir de lista tríplice elaborada pelo próprio Ministério Público;
  6. Garantir a independência do Poder Judiciário e do Ministério Público, impedindo sua asfixia orçamentária ou a aprovação de projetos de lei que amordacem seus membros ou restrinjam a independência de sua atuação por meio de expedientes tais como a edição de uma lei de abuso de autoridade que estabeleça crimes sobre a interpretação de fatos ou do direito;
  7. Garantir a continuidade da atuação impessoal contra a corrupção, em igual ou maior intensidade, da Controladoria-Geral da União, da Advocacia-Geral da União e das Polícias da União;
  8. Defender os direitos humanos e promover a repressão aos crimes de ódio, o que é fundamental inclusive para criar um ambiente favorável à denúncia e apuração de práticas corruptas;
  9. Defender a execução provisória da pena após confirmação da condenação em segunda instância, essencial para que as investigações e processos promovam justiça, na Lava Jato e outros grandes casos de corrupção.
É fundamental que cada eleitor reconheça em seus candidatos valores capazes de promover o avanço democrático no país. Bravatas e discursos retóricos não são garantias, ao contrário, são muitas vezes ameaças. O voto é o mais importante mecanismo de escolha e decisão sobre o país que desejamos ser e a esperança de que o Ministério Público possa continuar contribuindo para a sociedade no exercício pleno, técnico, imparcial e independente de suas atribuições constitucionais.
Pena que fosse uma voz solitária no mundo devasso, pornograficamente violento, em que se transformou a Lava Jato.
Seu pedido de desculpas não surpreendeu as pessoas que a conhecem. Nem as imprecações que sofreu dos colegas, por ter colocado uma pitada de humanidade em uma horda de selvagens.
Como Deltan Dallagnol reconheceu, na entrevista à BBC Internacional, a mancha desse diálogo acompanhará para sempre as pessoas vis que zombaram da morte. Mas que se ressalve que, dentre eles, havia uma pessoa digna.

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