Barroso: falta alguém em Nuremberg, por Luis Nassif

Nesses tempos de sociedade do espetáculo, de avaliações superficiais, de manchetes profundas como mensagens de Twitter, se perguntasse a um leigo quem representava, ali, o Iluminismo e quem era o agente da barbárie, não haveria dúvidas: Barroso era a civilização, Gilmar a barbarie. Engano fatal!
Agora, o desnudamento da Justiça pelo dossiê The Intercept vai repondo os fatos no devido lugar. Cada capítulo do caso The Intercept é uma facada a mais na existência do Ministério Público Federal independente. Só um modelo institucional disforme para colocar nas mãos de figuras tão inexpressivas o destino da democracia brasileira, deixando o país sob o comando de um presidente suspeito de participação na morte de uma ativista política, tendo como blindagem o juiz que se consagrou como o símbolo da anticorrupção.
Há relação direta entre os procuradores imorais, retratados nos diálogos de hoje da Folha, e o presidente do Tribunal de Justiça do Rio, que autorizou a censura em uma feira de livros. E ambos têm como inspirador intelectual Luis Roberto Barroso, o Ministro que sancionou todos os abusos.
Foi Barroso quem trouxe as ideias de Constituição viva, sujeita às interpretações dos julgadores, que deveriam – subjetivamente – adaptá-la aos novos tempos e atender o clamor das ruas. É o aval ao qual recorreu um desembargador obscurantista para esquecer a Constituição e instituir a censura em uma feira de livros.
Desde que os ventos mudaram, consagrando o ódio e a revanche, Barroso se tornou um discípulo do juiz Charles Lynch, que consagrou esse tipo de interpretação da lei em Virgínia, EUA, em fins do século 18.
Como leigo, acompanhei as discussões sobre a chamada hermenêutica do direito (ou seja, a interpretação das leis), entre os que entendiam a lei como um livro aberto, podendo ser interpretada livremente pelo julgador, e os que tratavam a lei como uma doutrina rígida, à qual o julgador teria que se submeter.
De um lado, Barroso; de outro, Lênio Streck e Gilmar Mendes.
Todo jurista tem que ser um profundo conhecedor da história, da ciência política, das ciências sociais, porque não existe o direito dissociado do mundo real ou de outras formas de conhecimento.
Sempre me surpreendeu, de um lado, a extrema superficialidade de Barroso, escandindo estereótipos de orelhas de livro, manipulando estatísticas em defesa de suas teses – como suas declarações sobre ações trabalhistas e sobre revisões de penas pelo STF. Nos seus escritos, o brasileiro é um indolente, apregoando falsas intimidades, recorrendo às pequenas malandragens, e com os direitos atrapalhando a produtividade.
O problema não é nem o preconceito e o conservadorismo entranhado, mas a extrema superficialidade das análises, típica de quem sempre tratou o direito de forma utilitária, adaptando-o para cada caso que defende – uma característica de advogados e pareceristas contratados, jamais de um jurista, menos ainda de um Ministro do Supremo.
No outro campo, Lênio esbanjando uma enxurrada de erudição,
sofisticação analítica, solidez nos argumentos, capacidade única de
levantar vários ângulos do tema tratado e estimular raciocínios e,
especialmente, um respeito absoluto pela ciência do direito.
De seus pares, ouço que Michel Temer foi um constitucionalista medíocre; Alexandre de Moraes apenas um compilador de sentenças do STF e Barroso um constitucionalista mais consistente. Como pode um jurista sem nenhum conhecimento aprofundado de ciências sociais, filosofia, economia, antropologia, ser tratado como um grande constitucionalista?
Mesmo assim, seu pecado maior não é a superficialidade.
No futuro, quando o Brasil tiver seu tribunal de Nuremberg, que não se fixe nos Sergio Moro, Marcelo Bretas, no Desembargador Claudio de Mello Tavares, no genocida Wilson Witzel, nos procuradores da Lava Jato. Será preciso avaliar corretamente o peso das ideias na construção das barbaridades legais. As ideias matam mais do que as milícias.
Esses tempos de barbárie tiveram um ideólogo central: Luis Roberto Barroso.
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