dom, 05/03/2017 - 14:31
Atualizado em 05/03/2017 - 14:35
Do Repórter Brasil
por Ana Magalhães
Dívida é o triplo do déficit anual
calculado pelo governo. Entre as devedoras, estão as maiores do país,
como Bradesco, Caixa, Marfrig, JBS e Vale
Enquanto propõe que o brasileiro trabalhe por mais tempo para se aposentar, a reforma da Previdência Social ignora os R$ 426 bilhões que não são repassados pelas empresas ao INSS.
O valor da dívida equivale a três vezes o chamado déficit da
Previdência em 2016. Esses números, levantados pela Procuradoria Geral
da Fazenda Nacional (PGFN), não são levados em conta na reforma do
governo Michel Temer.
“O governo fala muito de déficit na Previdência,
mas não leva em conta que o problema da inadimplência e do não repasse
das contribuições previdenciárias ajudam a aumentá-lo. As contribuições
não pagas ou questionadas na Justiça deveriam ser consideradas [na
reforma]”, afirma Achilles Frias, presidente do Sindicado dos
Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz).
A maior parte dessa
dívida está concentrada na mão de poucas empresas que estão ativas.
Somente 3% das companhias respondem por mais de 63% da dívida
previdenciária. A procuradoria estudou e classificou essas 32.224
empresas que mais devem, e constatou que apenas 18% são extintas. A
grande maioria, ou 82%, são ativas.
Arte: Eugênia Pessoa
Na lista das empresas devedoras da Previdência, há gigantes como Bradesco, Caixa Econômica Federal, Marfrig, JBS (dona de marcas como Friboi e Swift) e Vale. Apenas essas empresas juntas devem R$ 3,9 bilhões, segundo valores atualizados em dezembro do ano passado.
A Repórter Brasil entrou
em contato com essas empresas para entender quais são os pontos em
desacordo. O Bradesco afirma que não comenta processos judiciais. A JBS
diz que está negociando a dívida com a Receita Federal. A Marfrig
afirma, em nota, que discute judicialmente a possibilidade de
compensação de débitos previdenciários com créditos relativos ao PIS e a
COFINS e que negociou o parcelamento da dívida. A Vale informa que
possui questionamentos judiciais referentes às contribuições
previdenciárias e que ofereceu garantias da dívida, o que a permite
estar em ‘regularidade fiscal’. A Caixa Econômica Federal não se
pronunciou. Leia a íntegra das respostas.
Acesse a lista dos 500 maiores devedores da Previdência (em pdf).
Parte da dívida não pode ser recuperada
Apesar da maior parte
das empresas devedoras estarem na ativa, no topo da lista há também
grandes companhias falidas há anos, como as aéreas Varig e Vasp. Por
isso, nem toda a dívida pode ser recuperada. É provável que quase 60% do
valor devido nunca chegue aos cofres do INSS – ou porque são de
empresas falidas, em processo de falência, tradicionais sonegadoras ou
laranjas.
Apenas R$ 10,3
bilhões (4% do montante da dívida) têm alta probabilidade de
recuperação, segundo estudo da procuradoria divulgado em março do ano
passado. Do classificado à época, referente à R$ 375 bilhões de dívidas,
constatou-se que 38% têm média chance de recuperação; 28% tem baixa
chance e 30% tem chances remotas (veja detalhes no quadro abaixo).
Arte: Eugênia Pessoa
A prova disso é que o
percentual de recuperação é baixo. Em 2016, a procuradoria recuperou
apenas R$ 4,15 bilhões dos créditos previdenciários, o equivalente a
0,9% da dívida previdenciária total.
Apesar disso, a
procuradoria diz tomar medidas para recuperar esse valor. “Estamos num
momento em que sempre se ronda o aumento da carga tributária, e a PGFN
entende que o verdadeiro ajuste fiscal é cobrar de quem deve para não
onerar quem paga,” diz Daniel de Saboia Xavier, coordenador-geral de
grandes devedores da procuradoria.
O estudo poderia,
inclusive, ajudar a retirar algumas empresas do mercado. “A empresa
fraudadora viola a livre concorrência e prejudica empresas do mesmo ramo
que não fraudam”, afirma Xavier, destacando que o órgão priorizará a
cobrança das empresas que entram nos critérios ‘alta’ e ‘média’. Xavier
explica ainda que muitas das empresas que estão inscritas como devedoras
de valores com alta chance de recuperação apresentam questionamentos
judiciais.
A Repórter Brasil questionou
quais são as empresas que seriam priorizadas à assessoria de imprensa
através da Lei de Acesso à Informação, mas a procuradoria negou a
informação sob a justificativa de que a divulgação violaria o sigilo
fiscal.
Por que a dívida é tão alta?
A morosidade da
Justiça, a complexidade da legislação tributária brasileira e os
programas de parcelamento do governo são apontados como os principais
fatores que explicam a alta dívida previdenciária no país.
“Não é um crime
dever, e grandes grupos empresariais se beneficiam disso, questionam
valores na Justiça e ficam protelando a vida inteira,” diz Sônia Fleury,
professora da Fundação Getúlio Vargas. “É preciso fazer uma varredura
para ver como as empresas utilizam esse mecanismo protelatório na
Justiça e tomar decisões no nível mais alto para impedir esse jogo, que
só favorece as grandes empresas. Perde o governo e o trabalhador.”
A criação de varas
específicas e especializadas poderia agilizar esse tipo de cobrança,
segundo o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da
Receita Federal do Brasil (Anfip), Vilson Romero. “A única forma de
fazer com que as empresas não fiquem devendo ao INSS seria ter uma
estrutura fiscalizadora e cobradora mais eficiente e eficaz, o que chega
a ser utopia no Brasil de hoje”, avalia Romero.
Sem a criação dessas
varas, o sistema de cobrança continua lento. Uma ação de cobrança da
Fazenda Nacional demora cerca de nove anos no Brasil segundo um estudo
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2012. A
responsabilidade pela cobrança das dívidas é da PGFN. Por outro lado, é
dever da Receita Federal fiscalizar se os repasses previdenciários estão
de fato ocorrendo, mas o trabalhador pode também conferir se a sua
empresa está cumprindo a obrigação dos repasses pedindo, em uma agência
do INSS, o extrato CNIS (Cadastro Nacional de Informações Sociais).
O coordenador de
Previdência do Ipea, Rogério Nagamine, acredita ser necessário melhorar a
recuperação dessas dívidas, mas aponta que ela não resolve todos os
problemas da Previdência. Por isso, ele defende a reforma proposta pelo
atual governo − que estabelece a idade mínima de 65 anos para se
aposentar (com pelo menos 25 anos de contribuição) e que, entre outras
alterações, muda a base de cálculo do benefício, com redução de seu
valor final.
A complexa legislação
tributária do país é outro motivo para o alto volume dessa dívida, na
avaliação da assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos
(Inesc), Grazielle David. Hoje, os inadimplentes da União pagam multa
sobre a dívida, mas, segundo a especialista, essa multa vem sendo
reduzida pela Receita Federal, pela procuradoria e pelo INSS nos últimos
anos, em decorrência do parcelamento especial de débitos tributários.
“Principalmente nas
grandes empresas, isso gera uma segurança para colocar a inadimplência e
a sonegação no planejamento tributário, porque o risco é menor que o
bônus. A legislação praticamente incentiva uma empresa a ficar
inadimplente ou a sonegar”, afirma, destacando que em outros países as
leis costumam ser mais rígidas.
A procuradoria
informou, por meio de sua assessoria, que “o que tem prejudicado a
cobrança dessas dívidas, em realidade, são os sucessivos programas de
parcelamento especial (“REFIS”) editados nos últimos 17 anos. Os
devedores têm utilizado esses parcelamentos como meio de rolagem da
dívida, migrando de programa de forma sucessiva, sem, contudo, quitar os
débitos.”
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