O MODELO DE GESTÃO PÚBLICA DEFENDIDO POR CIRO GOMES
seg, 27/03/2017 - 19:37
Atualizado em 27/03/2017 - 19:37
'Brasil precisa de câmbio que estimule cultura de produção e puna o rentismo', aposta ex-ministro
Jornal GGN - Como Ciro Gomes atuaria na
presidência da República? Nesta quarta e última parte da entrevista que o
ex-ministro e ex-governador do Ceará concedeu ao GGN, o
político falou da sua experiência na gestão do Ceará, de como conseguiu
acabar com 100% da dívida imobiliária do Estado, ainda em 1994, em uma
época de grande variação inflacionária e, depois, quando secretário de
Saúde, na gestão de seu irmão Cid Gomes, ajudou a expandir a rede de
policlínicas implantando consórcios intermunicipais de saúde e, com
isso, acabar com as filas.
Ciro também creditou a sua gestão e de seu irmão à boa colocação
das escolas cearenses no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica), destacando que hoje, entre as cem melhores notas, 77 são de
instituições do ensino público do Estado.
Assista a seguir:
Leia os principais trechos da entrevista
Educação e saúde no Ceará
Educação: O Ceará tem, das 100 melhores escolas do Ideb (Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica), 77. O Ideb mostra, basicamente, o
nível de aprovação na idade certa, repetência, evasão. Os alunos se
submetem às provas de português, matemática, etc. Então nossa turma está
bombando, na escola pública, no interior do semiárido do Nordeste. O
melhor Ideb do Brasil é nossa cidade, Sobral. O ex-prefeito da cidade
foi convidado pela Fundação Leman para trabalhar com ele.
Saúde: As policlínicas, são administradas por consórcios
municipais, co-financiadas pelo Estado que paga metade, deixando metade
para os municípios. Criamos uma lei que evitou os municípios pararem de
bancar o sistema de saúde, por isso deu certo. Nada substitui a
autoridade. Eu fui secretário de Saúde, quando o Cid expandiu
dramaticamente a rede. Por exemplo, implantou 20 UPAs (Unidades de
Pronto Atendimento) e, ao mesmo tempo, elas não funcionavam, porque
havia dificuldade, o Ministério Público dando em cima do que não tem a
ver, por exemplo. Ele pediu para eu ver o assunto, e eu botei tudo para
funcionar, e uma das coisas era os consórcios das policlínicas. Então
chegava o prefeito, fazia reunião, e o prefeito falava 'vou levar para
estudar'. Eu dizia: ‘está bom, você leva para estudar, não tem problema
nenhum, mas enquanto você estuda não sai uma verba sequer de nenhum
setor do estado para o seu município’.
Gestão das contas públicas
No Ceará a gente vive em permanente esforço fiscal, lá não é nenhum
paraíso não, a gente vive com uma dificuldade imensa. Mas quando fui
governador, por exemplo, e vivia tempos de vacas gordas, tempos
inflacionários gigantes, e como a inflação no Brasil não era uma doença
da moeda, mas uma espécie de tributo, chamei os funcionários e fiz um
grande acordo: ‘não
tem mais greve, não tem mais confusão, vamos criar coletivo de
negociação, eu próprio participo. Há limites, vocês são 2% da população,
eu não vou entregar 100% da receita, mas vou discutir e haverá a
prioridade de duplicar o salário dos professores e melhorar o salário da
saúde e da polícia. Essas três prioridades vou tocar devagarinho’.
Fizemos um acordo e o reajuste principal do Estado passou a ser
trimestral, automático, reposição de 100% da inflação, e eu criei por
lei uma conta única e determinei a hospedagem dessa conta única no banco
público, porque uma das grandes formas de roubar, inclusive aqui em São
Paulo, na época e muito tempo depois também, é que o código de
contabilidade do Brasil é muito antigo, de partilha dobrada: botou 100
no primeiro janeiro, e tirou 100 no dia 31 de dezembro, está tudo
certo.
Hospedei a conta do Ceará, criei uma conta única, 100% do saldo
caia em uma espinha vertebral aplicada por 100% da CDI, e aí a receita
financeira do Ceará passou a ser rival das duas outras principais
receitas que era o ICMS e o Fundo de Participação. E aí como sobrava
dinheiro eu botei 27% livre para investimento, tirei 3% todo o mês
calado para a corretora do banco e fomos ao mercado e compramos 100% da
dívida mobiliária do Ceará, com 15 anos de antecedência. Isso foi em
1994, imagina, com aquela inflação louca? Esterilizei 100% da dívida
mobiliária do Ceará, que desde essa época vive mais ou menos
equilibrada. Mas não brincamos não, o imposto sobre herança do Ceará
passou de 4% para 8%.
Visão de país entre empresários
Quando o cidadão está na roça, no balcão do comércio ou no chão da
fábrica, ele sente claramente que está tudo errado e reclama. Porém
quando ele tira um excedente qualquer ele hospeda no banco, e ganha uma
fortuna, e aí ele fica crítico-conservador. E ele acha que é possível
conciliar duas coisas e começa a reclamar de carga tributária, de custo
do trabalho e porque ele perde no juro, muito mais do que com isso, mas
ganha no juros muito mais do que perde.
Então é preciso punir o rentismo, trazendo a taxa de juros
responsavelmente para uma coisa menor do que a rentabilidade média dos
negócios, e restaurar a ideia de que dinheiro não cria dinheiro. O que
cria dinheiro é trabalho, a produção e na associação de quem trabalha e
produz. Acho que o Brasil está maduro para passar um projeto dessa
natureza.
Do que o Brasil precisa para crescer
Eu acredito que o Brasil precisa mudar, e a mudança é complexa, mas
se precisar de reduzir a uma sentença é: nós vamos voltar a crescer.
Isso vai significar que vou desconsiderar a inflação? Não. Que eu
vou desconsiderar o desequilíbrio fiscal? Não. Mas o que eu vou dizer é o
seguinte: que o objetivo estratégico é crescer e eu vou administrar as
consequências, as contradições, as tensões, os riscos a isso inerentes.
Por mais que choque a quem estiver nos ouvindo, não é assim que o
Brasil é tangido desde o Fernando Henrique, [quando em] uma madrugada
macabra em que o Fernando Henrique engana o Chico Lopes dentro do
Palácio do Alvorada, avisa o Chico Lopes que não vai mudar aquela
maluquice de câmbio que vai flutuar dentro de uma banda diagonal
endógena. O Chico Lopes vende a informação privilegiada, bichada e o
Fernando Henrique, nas costas do Chico Lopes, opera o Banco Central
privado e casa com o Armínio Fraga. E o Armínio diz: 'a âncora cambial
morreu, deixa estourar', como aconteceu com a dívida de novo, e agora
nós vamos transferir a segurança do mercado para a âncora fiscal. Daí
cria-se esse tripé câmbio flutuante, superávit primário e meta de
inflação, e se vende como ciência boa, sendo que o Inflation target
funciona com o conceito de core inflation.
O Brasil ainda tem um imenso entulho de indexadores e você hoje
está transportando inflação de custos, que sobem preços em função de
câmbio para taxa de juros.
Câmbio
O professor Bresser-Pereira que tem me ajudado, muito de forma
independente como sempre, ele fala em cinco preços básicos da economia
que precisam estar organizados para que o país volte a crescer. Um
deles, o mais relevante é o câmbio, o câmbio tem que estar em um ponto
em que seja exportável o produto bem produzido no Brasil.
Evidente que tem deficiências que tem que resolver por outros
caminhos. Mas a taxa de câmbio, depois a taxa de juros, e por aí vai.
Mais indústria e menos rentismo
Crescer por onde? Indústria. Qual indústria? A primeira indústria é
aquela por onde o Brasil está esvaindo bilhões, dezenas de bilhões de
dólares ao estrangeiro. Então [é] o complexo industrial de Petróleo e
Gás. Qual é o sentido de um país, como o Brasil, vender petróleo bruto e
comprar derivado de petróleo caro, em dólar? Resolução: verticalizar
toda a estrutura de refino e derivar daí uma indústria de polímeros e,
enfim, toda a indústria de petroquímica. Isso é enriquecedor.
Por que isso aí é uma obviedade? Porque o Brasil hoje está com um
déficit na conta de petróleo de 25 bilhões de dólares. Então quebro com
isso, e é um círculo virtuoso você entrar em uma dinâmica de
substituição de importação, sem perda nenhuma de eficiência porque o
dinheiro já está indo.
Um outro, que você já mencionou [Nassif], é o complexo industrial
da defesa. Algo razoável um país como o nosso que tem um papel
estabilizador relevante no Cone Sul, na América do Sul, que pode ajudar a
humanidade aí numa busca de uma ordem internacional centrada na paz, no
direito, encerrando uma crônica de violência, de genocídio que nós
estamos assistindo, de protofascismo, enfim, nós precisamos ter defesa. E
isso quer dizer que a nossa aeronave, o nosso navio não ter pode como
guia, a mira dos seus trabucos, o GPS americano. Não é razoável. E isso é
enriquecedor também, porque é satélite, é foguete, é a indústria
nuclear, etc. Esse jogo do Gripen [por exemplo] foi bom, nós vamos
verticalizar a transferência tecnológica e isso é o que, potencialmente,
o BRICS [grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
] pode nos dar de forma muito acelerada, se tiver um governo que saiba
onde apertar os botões.
Depois você tem o complexo industrial da saúde. Este ano, a União
Federal vai comprar 17 bilhões de dólares de fármacos, próteses, cama de
hospital, cadeira de roda, bengala, coisa que 70 e poucos por cento já
tem patente vencida e você, com engenharia reversa, copia, cola e pode
produzir no interior do semiárido do Nordeste.
Luis Nassif - Tem uma discussão no Supremo sobre a questão dessas patentes vencidas, está nas mãos da Ministra Carmen Lúcia há cinco anos.
Sim, mas isso se resolve também. O que nos impede fazer?
Agronegócio
Quarto: o complexo industrial do agronegócio. Nós temos o
agronegócio, especialmente a agricultura, mais competitiva do mundo, com
40% dos seus custos importados. Não há uma fábrica com contabilidade em
real de fertilizante, uma fábrica sequer de agrotóxico com
contabilidade em Real, uma fábrica sequer de implementos agrícolas. E
máximo de agregação em valor export., que a gente faz sobre a nossa
agricultura, é o esmagamento da soja, que já é toda feita por
multinacionais. Quer dizer, se você misturar aqui crédito, incentivo
fiscal e um esforço de coordenação estratégica do governo com a
iniciativa privada, você pode verticalizar para dentro, para fora e para
frente. Estou vendo esses quatro [pontos para o crescimento do país] e
estou detalhando isso aí para ver já o efeito disso no emprego. Mas o
mais importante do que isso é o conceito, para isso nós vamos ter que
trabalhar com um câmbio que estimule uma cultura de parcimônia,
investimento, poupança e produção.
Acesse a entrevista completa de Ciro Gomes em Playlist.
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