Economia
Pensamento
A obsessão da economia ortodoxa atrasa o Brasil
da revisão das diretrizes econômicas no mundo avançado
da revisão das diretrizes econômicas no mundo avançado
por Carlos Drummond
—
publicado
06/12/2014 09:44
Wikimedia Commons
A sede do FMI, em Nova York. Lá, muita coisa mudou, mas aqui houve regressão
A autocrítica dos erros da economia e das
exigências em matéria de política fiscal está disponível na internet,
em textos de expoentes do Fundo Monetário Internacional, do Banco de
Compensações Internacionais, do Citigroup e de universidades de primeira
linha, entre outros. Entretanto, os participantes da batalha pela meta
fiscal parecem desconhecê-los. “O mundo avançou, mas o pensamento
econômico e financeiro dominante local parece ter sofrido uma regressão.
Antigamente, as notícias chegavam ao Brasil por navio, hoje parecem vir
em carro de boi”, compara o economista Luiz Gonzaga Belluzzo.
Uma das mudanças de
posição mais importantes foi protagonizada pelo economista-chefe do
FMI, Olivier Blanchard, autor, em 2008, de um famoso artigo intitulado The state of macro is good (A situação da macroeconomia é boa), publicado pouco antes do início da crise. Em setembro deste ano, divulgou um texto na direção oposta, Where danger lurks (Onde o perigo se esconde),
com críticas ao simplismo dos economistas e aos erros de condução da
economia. O artigo é a mais recente elaboração do autor sobre o assunto e
configura a admissão do fracasso daqueles que deveriam ser os guardiões
da estabilidade do capitalismo mundial. “A crise deixou claro que a
visão crescentemente benigna das flutuações econômicas no produto e no
emprego, dominante até a crise financeira global de 2008, estava errada e
que há necessidade de uma avaliação profunda. As técnicas usadas por
nós, mais apropriadas a um mundo no qual as flutuações econômicas seriam
regulares e autocorrigíveis, afetaram o nosso pensamento em
profundidade e nem sempre de modo consciente.”
A principal lição da crise, para o
economista-chefe do FMI, é que “nós estivemos perigosamente próximos dos
‘cantos escuros’, situações nas quais a economia pode falhar. Não
percebemos isso, pensávamos estar distantes desses cantos e pudemos, na
maior parte do tempo, ignorá-los”. Guiada por incompreensões e
dogmatismos, “a política econômica, em especial a política monetária,
assumiu um elemento de magia negra”.
O reposicionamento do economista-chefe do
FMI não é um fato isolado, como mostra o levantamento feito por Cornel
Ban, professor da Universidade de Boston e codiretor da Global Economic
Governance Initiative, em estudo dos principais relatórios do FMI, o
World Economic Outlook e o Global Fiscal Monitor, publicados de 2009 a
2013. Ban concluiu que “a doutrina de política fiscal do FMI
experimentou um grande derretimento e os Estados membros bem informados
podem usar isso em seu benefício”. É uma pena o Brasil não estar atento a
esta observação do professor. No seu estudo, ele constatou uma evolução
clara do organismo em relação aos principais objetivos da política
fiscal, às opções básicas para países com ou sem espaço fiscal, ao ritmo
da consolidação fiscal e à composição do estímulo e dessa consolidação.
As conclusões do trabalho estão no texto Is there more room to negociate with the IMF on fiscal policy?, publicado neste mês.
O momento definidor da evolução do FMI foi a publicação, em dezembro de 2008, da nota SPN/08/01, intitulada Policy for the crisis,
assinada por Antonio Spilimbergo, Steve Symansky, Carlo Cottarelli e o
próprio Olivier Blanchard. O documento lança as bases para a política
macroeconômica durante as recessões: “um estímulo fiscal amplo,
diversificado e sustentável coordenado por meio de países com um
compromisso de aumentá-lo se a crise se aprofundar”. Em outras palavras,
dado o colapso da demanda privada, os Estados deveriam não só deixar
funcionar os estabilizadores contracíclicos automáticos (mecanismos
institucionais a exemplo do seguro-desemprego, da previdência social e
da tributação progressiva sobre rendimentos, que dão sustentação à renda
nacional em conjunturas econômicas adversas), mas aumentar os
investimentos públicos e expandir o alcance das transferências de renda
àqueles mais propensos a gastar, os desempregados e as famílias pobres.
Contra a linha política do FMI anterior a 2008, os autores reforçam o
papel dos investimentos públicos. Os autores também descartaram a
recomendação do Fundo outrora em moda, de confiança exclusiva em uma
recuperação baseada em uma política monetária ativa e em exportações.
“Há necessidade de maior pluralismo e
humildade na profissão dos economistas. Eles precisam prestar mais
atenção aos pensadores heterodoxos, não devem assumir modelos
matemáticos tão literalmente e, o mais importante, têm de lembrar que no
coração da disciplina está o bem-estar humano”, destacou Jaime Caruana,
diretor-geral do Bank for Internacional Settlements, o BIS, considerado
o banco central dos bancos centrais, em palestra durante o
Internacional Finance Forum 2014 Annual Global Conference, realizado
neste mês em Pequim. Ele sublinhou, no texto Debt trouble comes in threes?,
que “o sistema monetário pós-Bretton Woods não providenciou uma âncora
efetiva para a estabilidade monetária e financeira, nem teve a
capacidade de direcionar a expansão do capital financeiro às
necessidades da economia real”.
Willem Buiter, economista-chefe
do Citibank e ex-integrante do comitê de política monetária do Banco da
Inglaterra, mostra o quanto avançou a crítica aos paradigmas até
recentemente incensados no resto do mundo e ainda prestigiados no
Brasil. “A teoria macroeconômica não ajudou a prever a crise, nem a
entendê-la ou a encontrar soluções. Não apenas impossibilitou a resposta
às questões-chave sobre insolvência e iliquidez, impediu até mesmo a
sua formulação”, analisa no texto The unfortunate uselessness of most ‘state of the art’ academic monetary economics (A desafortunada inutilidade da maior parte do ‘estado da arte’ da teoria econômica monetária acadêmica)
“Quase todas as inovações teóricas macroeconômicas do mainstream
desde a década de 1970 (a revolução das expectativas racionais
neoclássicas associada a Robert E. Lucas Jr., Edward Prescott, Thomas
Sargent, Robert Barro e outros, e a teorização neo-keynesiana de Michael
Woodford, entre vários economistas), tornaram-se não mais que
distrações autorreferenciais e introvertidas, na melhor das hipóteses. A
pesquisa tendeu a ser motivada mais pela sua lógica interna, por
capital intelectual naufragado e jogos estéticos de programas de
pesquisa estabelecidos do que por um desejo vigoroso de entender como a
economia funciona”, aponta Buiter. “O fracasso da hipótese dos mercados
eficientes, suposição de que os preços dos ativos agregam e refletem
plenamente toda informação fundamental relevante e assim proveem os
sinais apropriados para as decisões sobre alocação de recursos,
tornou-se óbvio para praticamente todos aqueles com habilidades
cognitivas não desencaminhadas pela moderna educação oferecida pelos
Ph.Ds. americanos e ingleses. Mas a maioria dos economistas continuou a
engolir esse anzol, com a linha e a chumbada, apesar de existirem
influentes advogados da razão como James Tobin, Robert Shiller, George
Akerlof, Hyman Minsky, Joseph Stiglitz e abordagens behavioristas das
finanças.”
Restam esperanças, no entanto. “Agora que
estamos mais atentos às não linearidades e aos seus perigos, devemos
explorá-las teórica e empiricamente e em todo tipo de modelo. Isso tem
acontecido e, a julgar pelo fluxo de working papers elaborados desde o
início da crise, ocorre em grande escala. Finanças e macroeconomia, em
especial, estão se tornando muito mais integradas, o que é uma notícia
muito boa”, avalia Blanchard. Enquanto isso, no Brasil...
*Reportagem publicada originalmente na edição 828 de CartaCapital, com o título "Catedral em reforma"
Nenhum comentário:
Postar um comentário