sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Quem colocou a bomba no Metrô de Santiago?

Minutos depois da explosão que feriu 14 pessoas na estação Escuela Militar do Metrô de Santiago, alguns meios de imprensa chilenos e agências internacionais já afirmavam categoricamente que o atentado havia sido obra de um grupo anarquista.
Eu moro no Chile há oito anos, posso garantir que ocorrem explosões como essa em Santiago pelo menos cinco vezes por ano, e a grande maioria delas são mesmo feitas por grupos anarquistas. Mas a dessa vez é diferente, e não estou dizendo que não tenha sido novamente os mesmos autores, mas até por costume jornalístico preciso considerar certos detalhes antes de afirmar algo, para que depois não tenha que ser desmentido – cautela que, infelizmente, tem sido cada vez menos comum nas redações, talvez tenha saído de moda.
Vestígios da bomba mais estranha de Santiago nos últimos quinze anos.
Vestígios da bomba mais estranha de Santiago nos últimos quinze anos.
Para começar, busquei na minha memória e nos registros históricos das bombas desde 2005, e encontrei um certo padrão nas dos anarquistas. Todas elas foram de madrugada, sem vítimas. Quase sempre em locais comerciais: sucursais de bancos, joalherias, supermercados. Muitas vezes foram encontrados panfletos sobre a luta revolucionária no local, mas o mais importante: horas depois de cada bomba, aparecia um comunicado de uma célula anarquista assumindo sua responsabilidade.
É bem diferente do que aconteceu nesta segunda (8/9). A bomba desta vez explodiu em plena tarde, feriu pessoas, algumas com gravidade, e por sorte não houve vítimas fatais. Não havia panfletos, ninguém assumiu a autoria depois. Outras duas pequenas bombas apareceram depois em Viña del Mar, também em horário comercial e em locais onde transitam pessoas. Novamente sem panfletos. Novamente sem autores.
A situação ficou ainda mais estranha nesta quarta, quando a presidenta Michelle Bachelet revelou que sua mãe, Ángela Jeria, que vive num apartamento próximo à estação Escuela Militar, estava a caminho de uma farmácia que ficava exatamente no mini centro comercial do Metrô, onde o atentado ocorreu. Palavras da própria mandatária chilena: “por coisa de cinco minutos, minha mãe não foi uma das vítimas”.
Bachelet e Ángela Jeria, ambas ex-prisioneiras da ditadura. A mãe da presidenta chilena escapou por pouco do atentado do Metrô de Santiago.
Bachelet e Ángela Jeria, ambas ex-prisioneiras da ditadura. A mãe da presidenta chilena escapou por pouco do atentado do Metrô de Santiago.
Também na quarta-feira, o senador socialista Jaime Quintana levantou oficialmente uma hipótese que já vinha sendo tendência nas redes sociais: “devido à proximidade com o aniversário do golpe (que completou 41 anos neste 11 de setembro), creio que deve ser investigada a possível participação de ex-agentes da ditadura no atentado. Em diversos momentos da nossa história, já em tempos democráticos, esses grupos mostraram que não estão totalmente desarticulados. Não estou afirmando que foram eles, mas que não devemos descartar essa linha”.
Essa tese ganhou força nos debates virtuais da internet no fim da tarde deste 11 de setembro, quando Bachelet aproveitou o 41º aniversário do golpe de 1973para anunciar um projeto para anular alguns artigos da Lei de Anistia – dois, o que garante impunidade aos que cometeram crimes durante a ditadura e o que determina o fim das investigações depois do falecimento do réu. Claro que com algo de teoria conspiratória: a bomba, supondo que a mãe de Bachelet era o verdadeiro alvo, seria uma forma de intimidar a presidenta para desistir dessa ideia. Entretanto, apesar de a lógica fazer sentido, não foram encontradas provas capazes de sustentar essa versão, pelo menos por enquanto.
Para terminar, voltemos à quarta. Durante aquela noite, um grupo anarquista santiaguino – que já havia assumido bombas anteriores – divulgou uma carta dizendo que não teve participação neste novo atentado, e que condenava o método utilizado: “jamais defenderemos um ataque cego a um local onde circulam transeuntes que não são claros inimigos nem detentores do poder, mesmo que esta vise ajudar na causa revolucionária”.
Pode ser um blefe, e pode ser que seja outro grupo anarquista, de corrente diferente. Ou talvez o senador Quintana tenha razão em sua teoria dos ex-agentes da ditadura – enquanto não há indícios reais de que Ángela Jeria seria o alvo da bomba, por exemplo, temos que acreditar que sua caminhada ao local da explosão foi mera coincidência. São muitas as possibilidades, e o próprio Ministério Público chileno diz que trabalha em diferentes linhas de investigação.
Minha conclusão é que não é possível tirar conclusões, e tenho oito anos de experiência no Chile para defender essa postura. Tudo é muito estranho, e o único que se pode afirmar com certeza é que a bomba do Metrô é muito diferente de qualquer coisa que aconteceu no Chile neste século, e nos leva ao temor de que as consequências também podem ser o que há muito tempo não se vê.

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