domingo, 24 de junho de 2018

Cinco anos depois, anônimos de Junho de 2013 contam suas histórias

por Marina Gama Cubas publicado 13/06/2018 00h30, última modificação 13/06/2018 11h12
CartaCapital conversou com detidos nos protestos de 13 de junho para entender como aquele dia marcou suas vidas. O que mudou? Valeu a pena?

Arquivo
Manifestantes em junho de 2013
Manifestantes durante ato contra o aumento da tarifa em São Paulo.
Junho de 2013 foi marcado por um forte sentimento de esperança no poder da mobilização do cidadão e na ideia de que a força motriz gerada nos atos conseguiria, não só revogar o aumento da tarifa de ônibus, mas alterar diversos pontos de insatisfação da população brasileira.
A partir daquele mês a Polícia Militar intensificou o uso da força contra os manifestantes e não-manifestantes. Pessoas que que apenas “trombaram” com a PM durante seus percursos cotidianos foram detidas. As bombas de gás lacrimogêneo lançadas pela polícia nos primeiros atos promovidos pelo Movimento Passe Livre (MPL) deram motivo para que aqueles que escolheram protestar - um direito previsto no artigo 6º da Constituição Federal - levassem vinagre e máscaras de proteção, instrumentos que passaram a ser ferramentas de defesa contra a ação policial.
Leia também:
A herança do Estado após Junho de 2013
Tiros em Junho de 2013: “a ordem partiu de quem?”
13 de junho, o dia que não terminou

A proteção, entretanto, foi usada como argumento policial para a detenção de ainda mais pessoas. Em São Paulo, enquanto os atos dos dias 6 e 11 de junho tiveram menos de 20 detidos, na manifestação de 13 de junho a Polícia Militar levou às delegacias mais de 230 pessoas. O vinagre e as máscaras usadas para proteção foram considerados objetos suspeitos e "motivo" para as detenções.
A repressão só fez aumentar o número de pessoas nos atos seguintes. Se antes, os protestos concentraram, no máximo, 5 mil participantes, segundo a PM, e 20 mil, segundo os organizadores; no dia 17 o número passou para 65 mil de acordo com o Datafolha.
Para chegar aos detidos, a reportagem fez ao menos 150 chamadas a 88 detidos naquele 13 de junho em São Paulo dentro de uma base de dados com mais de 400 pessoas que foram levadas a delegacia por conta das manifestações daquele ano. Grande parte dos contatos, recolhido na época, estavam desatualizados, duas pessoas se recusaram o falar. A maioria que constavam na base de dados foi registrada para averiguação. 
Alguns dos entrevistados ouvidos pela CartaCapital carregavam vinagre, outros máscaras. Havia quem não levasse nada na bolsa e quem foi detido por uma bandeira em sua mochila ou latinha de tinta vazia.
Conheça algumas histórias.

Sabrina dos Santos
Arquivo Pessoal

Sabrina dos Santos, do lar e autônoma
Na tarde de 13 de junho de 2013, a então funcionária pública Sabrina dos Santos caminhava no Vale do Anhangabaú em direção a um ponto de ônibus que a levaria para a Lapa, bairro onde trabalhava. Não era seu percurso normal. Só o fez naquele dia porque os trens da CPTM estavam em greve.
No caminho, a Polícia Militar a abordou junto com sua então companheira. Os policiais verificaram a bolsa de ambas e, em uma delas, achou uma latinha de spray vazia. Sua namorada fazia grafite.
A latinha bastou para as duas e um grupo de mais ou menos 20 pessoas que faziam malabares fossem detidas pela PM e levadas para a delegacia. Era por volta das 15h e ela só saiu da delegacia às 22h.
“Levaram a gente para um paredão e fizeram a gente ficar com a cara na parede, não podia falar, não podia respirar, não podia fazer nada. Revistaram a gente igual criminoso. Quando alguém falava alguma coisa questionando, eles vinham com cassetete”, lembra.
“Teve um momento que vieram me revistar e eu tirei tudo que tinha, tirei sapato, tirei alargador para mostrar que eu não tinha como atacá-los. E aí veio um policial que me empurrou na parede veio com cassetete nas minhas pernas. Depois outro policial me empurrou para o micro-ônibus e eu caí, machuquei o joelho. O ônibus estava muito cheio e eu comecei a passar mal e os policiais não deixaram ninguém me ajudar quando desmaiei. Então chegamos na delegacia e eles separaram uma turma e nos ficharam.”
A abordagem, conta ela, aconteceu bem antes do início dos atos do Movimento Passe Livre, marcados para o final da tarde daquele dia. Depois disso, ela não teve dúvidas e foi ao ato seguinte. “Fui na manifestação seguinte por revolta.”
Sabrina conta que não vota. “Não tenho partido e não vejo mudança na política. É só mentira como sempre foi e está cada dia pior. Então, enquanto não tiver um candidato que me convença para que eu vou votar?”, questiona.
O futuro, ela não o vê com otimismo. “Eu tenho medo do futuro do brasileiro. Não sei o que pode vir pela frente. Tenho medo de não ter trabalho, comida, casa, de não viver, de ser morto por causa de um bandido, de tudo!”
Fernando
Arquivo Pessoal
Fernando, professor e eletricista 
Fernando foi militante do MPL entre 2005 e 2007, mas conta que acompanhou as manifestações de junho de 2013 porque, desde àquela época, era militante do PCB. Ele foi detido no dia 13 junto com estudantes e outros manifestante.
“Fui em quase todos os atos. A abordagem policial foi muito truculenta e desnecessária. Tinha ido para a manifestação, mas fui embora porque precisava ir para a faculdade. Quando eu estava indo para a sede do partido, próximo ao ato, eles [PMs] me abordaram. Sacaram arma, fizeram um monte de coisa. Eu estava com uma bandeira enrolada, vestia uma boina e acho que foi por isso que me pararam. Abriram a bandeira, que estava fechada, e viram a sigla do PCB. Revistaram minha bolsa e sentiram o cheiro de vinagre apesar de ela já estar seca”.
Foi então que vieram os questionamentos. “Me perguntaram: ‘onde que está o pó?’, respondi: ‘não uso droga’. Então eles perguntaram sobre o pó que misturava com vinagre para por fogo. Disse a eles que não tinha condição de por fogo em nada com vinagre.”
Estudante de engenharia à época, Fernando disse que ficou mais ou menos cinco horas detido. Para ele, as manifestações daquele mês valeram a pena em partes.
“Como movimento Passe Livre acredito que valeu porque resultou no passe livre para estudantes. A pauta que a gente lutava desde 2004 foi efetivada. Hoje, mesmo o prefeito tentando cortar o máximo possível, ainda há o passe para os estudantes pobres conseguirem estudar, ir ao cinema, fazer alguma coisa. Essa era nossa maior luta porque para quem é da periferia pagar a condução é terrível, ainda mais hoje, a 4 reais, pior ainda”.
Ele conta que saiu em 2007 do MPL porque o movimento começou a usar "táticas que não davam frutos". “Havia um grande crescimento de força e um esvaziamento total da pauta. Vi que aquilo não ia para frente na época e fui estudando e trabalhando. Depois decidir entrar para o partido.” Olhando para trás, Fernando crítica a esquerda por não ter conseguido conduzir o pós junho de 2013.
Eleitor declarado do Guilherme Boulos (PSOL), ele acredita que 2019 será difícil, mas também que haverá muita luta. “Como trabalhador, estamos tomando só porrada, todo dia. Mas está tendo muita luta também”. E reafirma: “Sei que eleitoralmente muito provavelmente será ruim, mas sei também que vai ter luta. Muito sindicato está indo para luta, muito sindicato pelego está começando a ir para as ruas novamente e a população está se mobilizando também. Claro que tem de tudo, tem gente que quer a ditadura militar, que é uma imbecilidade completa, mas tem a juventude ocupando escola, greve nas universidades. O movimento para a luta está renascendo”.
Murillo Reis, auxiliar administrativo
Murillo Reis era estudante de Direito em 2013 e foi à manifestação do dia 13 de junho porque “era uma forma de fazer algo mudar". Hoje, no entanto, diz que não valeu a pena, “foi tudo uma ilusão”.
“Na época achava que ia ter algum tipo de mudança. Mas olhando hoje, analisando toda a situação eu vejo que é muita sujeira. O Brasil é um país em que a sujeira está em todo o canto. Não tem um lado bom e o ruim, eles são todos farinha do mesmo saco e só buscam interesses pessoais”, afirma.
Depois daquele ano, não voltou às ruas. “O primeiro [ato que fui] foi pelo passe livre porque achava e ainda acho necessário. Mas pensava que os protestos ganhariam uma proporção maior, que as pessoas iam aderir. Mas a grande maioria da população não está nem aí”.
Para prefeito em 2014, conta que votou nulo e que desde 2013 parou de se envolver com temas políticos. Nas eleições atuais diz não ter um candidato definido. “Penso em voltar no Flavio Rocha PRB). Com o problema de desemprego, ele talvez seja uma pessoa... Na verdade, dos outros candidatos eu não vejo nenhum muito bom. Não tenho nenhum tipo de afinidade com Bolsonaro (PSC), Ciro Gomes (PDT)... Ele é o único que vi que ele não prega um discurso de ódio.”
Independente de quem seja o presidente, Murillo diz não acreditar em mudança. “Acho que vai continuar tudo igual. Não muda nada”, afirmou. “Eu, graças a Deus, um pouco antes de tudo ficar nessa situação, consegui um emprego, mas acredito que a situação piorou para as pessoas em geral.”
Luiz Fabiano Lalli, vendedor de alfajor
fabiano.jpeg
Arquivo Pessoal

“Estava chegando na praça do Patriarca com dois amigos quando vimos uma aglomeração de policiais militares revistando quem eles achassem que era suspeito. A gente foi enquadrado. Eu lembro que na minha mochila tinha um baseado que eles não acharam. Dispensaram meus amigos e me detiveram. Perguntei por que eu tinha que ficar e eles disseram que eu tinha vinagre na mochila e isso era um comportamento suspeito. Lembro que o policial mandou uma dizendo que se eu misturasse o vinagre com bicarbonato eu poderia fazer uma bomba.”
Luiz Fabiano ficou três horas olhando para um porta de aço até que os policias o levassem junto com outros tantos ao distrito policial. Ali foram outras três horas até registrado o boletim de ocorrência
“A tarifa foi o motivador maior para ir às manifestações. Foi mostrado uma força da massa. Houve uma vitória naquela oportunidade: revogaram os 20 centavos. Isso nunca tinha acontecido antes, pelo o que eu saiba. Os atos mostraram que quando o povo sai para rua consegue pressionar o governo e o governo tem que fazer o que o povo está determinando”, disse.
Ele recorda ainda que depois daquele nenhum outro aumento da tarifa dos transporte público em São Paulo foi feito no meio do ano. A maioria ocorreu em janeiro. Por quê? “Quando o cara aumenta [a tarifa] 5 de janeiro, a galera não está em São Paulo. Em 2013 foi algo que ocorreu no meio do anos. Já  tinha passado tudo: férias, carnaval. Isso foi um fator que ajudou.”
Segundo o vendedor, a imprensa fez o desserviço na ocasião ao distorcer o movimento. “O que ficou daquela época, no imaginário das pessoas que não estão ligadas ao ativismo, não saem para a rua e assistem tudo pela televisão, é que o movimento é de baderneiros.”
Porém, também deixou uma boa herança: “de lá muita coisa surgiu. Por exemplo, fora o lance da revogação da tarifa, teve também a emergência dessas mídias digitais independentes. Foi a partir dali que eu comecei a entender que uma das coisas que a revolução digital mostra é que você não precisa mais ser passivo, assistindo as notícia. Você pode sair na rua e transmitir a sua própria notícia, mostrar a real da perspectiva de quem viveu a parada”.
Para ele não se pode ter perspectiva sobre 2019 antes de outubro deste ano. “Em 2014 eu votei nulo porque eu não sabia em quem votar e então fiquei aquele cara esquerda perdidão. Eu comecei a dar muita importância para o voto quando entendi que o voto é voto de confiança. Você tem que confiar no cara em quem você está votando. Quem vai ser o cara que vai confrontar essa ditadura-escravagista-banqueiro-mega-empresarial que exige que o pobre continue sendo pobre?”, se questiona, citando Eduardo Marinho.
Luiz Fabiano diz que pode repetir neste ano a decisão de 2016. Nas eleições para a Prefeitura de São Paulo votou em Haddad( PT) como um "voto de resistência" a João Dória (PSDB). Desta vez, o voto seria de resistência ao Bolsonaro, diz. “Penso como seria a minha vida como vendedor de alfajor e a possibilidade de ter um policial truculento a cada esquina, com todo mundo armado”.
Jonatas Alves, cozinheiro

Jonatas Alves
Arquivo Pessoal
“A partir da terceira manifestação decidi ir. Queria mostrar que a partir da mobilização dos cidadãos a gente demonstraria um poder que estava esquecido. Não era só pelos 20 centavos. A partir daquilo a gente conseguiria conquistas maiores. Esse era o sonho naquele momento.”
Jonatas conta que já havia ido ao ato anterior ao dia 13 de junho, mas foi nesse que ele e outros tantos foram detidos. Ele estava com um megafone nas mãos, ao lado da banda, quando foi agredido.
“Fomos sufocados nas manifestações seguintes. A violência policial fez com que todo mundo tivesse interesse em participar. A repressão foi o estopim.” No protesto seguinte, o número de manifestantes chegou a 65 mil.
“Fui detido e apanhei de cassetete na sola dos pés, usaram o bico do cassetete para acerta a minha costela. Isso é muito desmoralizante. Fui posto num camburão, tive que sentar em cima da mão. Tudo isso tem um efeito mental que faz você se perguntar: o que eu estou fazendo?”
E completa: “não estava fazendo nada, estava junto com a banda e no meio da dispersão fui pego. Comecei a apanhar de não saber da onde, só via o bico do cassetete”.
Depois da detenção, não deixou de ir para as ruas naquele mês. “Fui em todas as outras manifestações. Inclusive naquelas que já tinham alguns grupos mais alterados. Sou a favor do movimento black bloc, sou a favor de destruir símbolos do capitalismo, acredito que fazia parte dos ideais anarquistas. As reivindicações deles eram muito parecidas com as nossas: ir contra o sistema. Os anarquistas estavam lá porque eles tinham essas pautas muito antes dos 20 centavos. Não se pode ter o controle de toda manifestação”.
Jonatas voltou às ruas em 2016 contra o impeachment da presidente Dilma Roussef, um exceçã, diz ele. “Não tive coragem de participar de outros atos pós junho de 2013. Ao meu ver era um contrassenso ir a um protesto vestindo a camiseta do Brasil com o símbolo da CBF, que é uma instituição extremamente corrupta. Na época do impeachment, a gente fazia piquetes e movimentações contra o impeachment tentando explicar para as pessoas que aquilo era uma forma de tapar o sol com a peneiro, mas é muito difícil. A minha voz é muito baixa comparada com a mídia.”
Sem candidato à Presidência, ele fala que está em dúvida e aguardará as confirmações das candidaturas para analisar quem tem mais chances de ir para o segundo turno antes de escolher em quem votar. Não tem esperança que, em 2019, sua vida e a do País melhorem.
“Para os negócios está bem difícil. Sou cozinheiro e tenho uma empresa de eventos. A gente perdeu metade dos nossos clientes e estamos sentido na carne o efeito da crise econômica. 2019 vai ser um ano complicado. Até passar essa fase a gente terá que esperar uns dois anos para que o novo presidente consiga organizar as coisas. A minha vida profissional reflete o momento que o País está vivendo”.
Outro lado
Segundo a Corregedoria da PM, "possíveis irregularidades cometidas por policiais militares durante a Operação Passe Livre (13JUN13)" foram apuradas, instaurado Inquérito Policial Militar e enviado à Justiça Militar do Estado de São Paulo. "Há que se esclarecer que não se vislumbrou transgressão disciplinar a ser imputada a nenhum policial militar", conclui a nota da corregedoria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário