A incógnita Bolsonaro
Ultrarreacionário certamente, mas capaz de artimanhas eleitoreiras
AFP

Em que o ditador italiano se pareceria com o capitão?.
O Duce e seus denodados asseclas de camisa preta
não perceberam que Nero, o imperador romano incendiário, protagonista do
sketch, era ele mesmo, o ditador, ridicularizado impavidamente.
Mussolini
não era, porém, um estúpido, e talvez até gostasse de Petrolini. Ele
tinha boa cultura, esquerdista na juventude, jornalista competente, na
escrita e na fala. Quando a península saiu da Primeira Guerra Mundial,
na qual Mussolini combatera e 600 mil italianos haviam morrido, virou a
casaca ao compreender que o país estava longe da modernidade, como
resultado de guerras de independência destinadas, no século XIX, a
entregar o poder à burguesia.
Soube como motivar os pequenos-burgueses
sequiosos por ascensão social e franjas populares complexadas, e
inventou o fascismo. A Marcha sobre Roma levou-o ao poder em 1922 e, com
o golpe de 1924, depois do assassinato do líder socialista Matteotti,
instalou a ditadura.
Há quem suponha que o capitão Jair Bolsonaro
tem vocação mussoliniana. A comparação entre as duas personagens
parece-me impossível, embora ambos mirem nas aspirações de porções da
população. A Itália de cem anos atrás não tem parentesco com o Brasil de
hoje.
Meu pai, antifascista, sustentava que Mussolini alimentava
o maior desprezo por seus compatriotas ao seduzi-los com fardas
circenses para vestir adultos e crianças ou com a conquista da Etiópia
em busca de um império colonial, ou a construção de gigantescos navios
de passageiros e a acirrada competição pelas pistas europeias entre Alfa
Romeo e Mercedes.
Aderiu em câmera lenta à sanha racista de Hitler
e, na esteira, tardiamente declarou guerra à França e à Grã-Bretanha
sem armamento adequado na terra e no ar. Achava que a vitória alemã
estava na esquina.
Bolsonaro não é Mussolini, embora
haja quem o enxergue como nacionalista, igual ao ditador, o qual também
soube conciliar com a burguesia, conforme ensaia hoje o capitão com a
desassombrada colaboração de Paulo Guedes.
As diferenças, contudo, são por demais
explícitas, na personalidade e nas circunstâncias. Bolsonaro não aposta
nos recalques de larga parte insatisfeita da nação, e sim no
primitivismo e na parvoíce crônica que se manifesta no Brasil de ricos a
pobres. Não caberá espanto se muitos moradores da casa-grande se
inclinarem a votar no capitão.
No reacionarismo extremado que o colocou
na ribalta, ele foi claramente de brutal sinceridade. Pode-se dizer o
mesmo em relação ao seu americanismo, revelado inclusive por sua visita
aos EUA no ano passado, e às atuais piscadas neoliberais na direção do mercado?
Esperteza eleitoreira ou abrupta e
duradoura mudança de rota? Que houve com o tosco candidato talhado,
sobretudo, a organizador de linchamentos? Transparente outra aposta: no
fracasso do PSDB, devorado por sua ambição de ser o mais lídimo
representante do establishment. Será que Bolsonaro quer o lugar deixado vago pelos tucanos?
Não, o capitão não é Mussolini e o Brasil
não é a Itália dos anos 1920. Fica inarredável a pergunta: quem é de
fato Bolsonaro? Dizem os meus intrigados botões: a sinceridade de
antanho retraiu-se diante da perspectiva das urnas próximas e do bom
desempenho nas pesquisas. Convém agora o pragmatismo recomendado pela
arte do possível. Sim, digo eu, mas qual haverá de ser a duração da
guinada? Aí, retrucam os botões, são outros quinhentos.
A dúvida diz respeito à reação dos donos
do poder, à falta de um candidato da casa. A lacuna terá consequências
em um panorama de infinita incerteza, a justificar outra dúvida, já
levantada inúmeras vezes nesta página: haverá eleições? Certo é que
Mussolini não faria uma declaração de vassalagem a uma potência
estrangeira.
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