segunda-feira, 18 de junho de 2018

A incógnita Bolsonaro

por Mino Carta publicado 11/06/2018 00h10, última modificação 08/06/2018 12h52
Ultrarreacionário certamente, mas capaz de artimanhas eleitoreiras

AFP
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Em que o ditador italiano se pareceria com o capitão?.
O Duce e seus denodados asseclas de camisa preta não perceberam que Nero, o imperador romano incendiário, protagonista do sketch, era ele mesmo, o ditador, ridicularizado impavidamente.
Mussolini não era, porém, um estúpido, e talvez até gostasse de Petrolini. Ele tinha boa cultura, esquerdista na juventude, jornalista competente, na escrita e na fala. Quando a península saiu da Primeira Guerra Mundial, na qual Mussolini combatera e 600 mil italianos haviam morrido, virou a casaca ao compreender que o país estava longe da modernidade, como resultado de guerras de independência destinadas, no século XIX, a entregar o poder à burguesia.
Soube como motivar os pequenos-burgueses sequiosos por ascensão social e franjas populares complexadas, e inventou o fascismo. A Marcha sobre Roma levou-o ao poder em 1922 e, com o golpe de 1924, depois do assassinato do líder socialista Matteotti, instalou a ditadura.
Há quem suponha que o capitão Jair Bolsonaro tem vocação mussoliniana. A comparação entre as duas personagens parece-me impossível, embora ambos mirem nas aspirações de porções da população. A Itália de cem anos atrás não tem parentesco com o Brasil de hoje.
Meu pai, antifascista, sustentava que Mussolini alimentava o maior desprezo por seus compatriotas ao seduzi-los com fardas circenses para vestir adultos e crianças ou com a conquista da Etiópia em busca de um império colonial, ou a construção de gigantescos navios de passageiros e a acirrada competição pelas pistas europeias entre Alfa Romeo e Mercedes.
Aderiu em câmera lenta à sanha racista de Hitler e, na esteira, tardiamente declarou guerra à França e à Grã-Bretanha sem armamento adequado na terra e no ar. Achava que a vitória alemã estava na esquina.
Bolsonaro não é Mussolini, embora haja quem o enxergue como nacionalista, igual ao ditador, o qual também soube conciliar com a burguesia, conforme ensaia hoje o capitão com a desassombrada colaboração de Paulo Guedes.
As diferenças, contudo, são por demais explícitas, na personalidade e nas circunstâncias. Bolsonaro não aposta nos recalques de larga parte insatisfeita da nação, e sim no primitivismo e na parvoíce crônica que se manifesta no Brasil de ricos a pobres. Não caberá espanto se muitos moradores da casa-grande se inclinarem a votar no capitão.
No reacionarismo extremado que o colocou na ribalta, ele foi claramente de brutal sinceridade. Pode-se dizer o mesmo em relação ao seu americanismo, revelado inclusive por sua visita aos EUA no ano passado, e às atuais piscadas neoliberais na direção do mercado?
Esperteza eleitoreira ou abrupta e duradoura mudança de rota? Que houve com o tosco candidato talhado, sobretudo, a organizador de linchamentos? Transparente outra aposta: no fracasso do PSDB, devorado por sua ambição de ser o mais lídimo representante do establishment. Será que Bolsonaro quer o lugar deixado vago pelos tucanos?
Não, o capitão não é Mussolini e o Brasil não é a Itália dos anos 1920. Fica inarredável a pergunta: quem é de fato Bolsonaro? Dizem os meus intrigados botões: a sinceridade de antanho retraiu-se diante da perspectiva das urnas próximas e do bom desempenho nas pesquisas. Convém agora o pragmatismo recomendado pela arte do possível. Sim, digo eu, mas qual haverá de ser a duração da guinada? Aí, retrucam os botões, são outros quinhentos.
A dúvida diz respeito à reação dos donos do poder, à falta de um candidato da casa. A lacuna terá consequências em um panorama de infinita incerteza, a justificar outra dúvida, já levantada inúmeras vezes nesta página: haverá eleições? Certo é que Mussolini não faria uma declaração de vassalagem a uma potência estrangeira. 

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