terça-feira, 12 de setembro de 2017

Educação

Deu tudo errado, a educação não é mais a saída e o que sobra é a resistência

por Denise Silva Macedo* — publicado 08/07/2017 08h00, última modificação 04/07/2017 11h41
O professor é hoje um profissional derrotado economicamente, politicamente, ideologicamente

FotosPúblicas/Camila Souza


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Instituições, como escolas e universidades, públicas ou privadas, não existem no vácuo, mas em contextos sociais muitas vezes graves e confusos, os quais ela vem, perigosamente, reproduzindo. Há sete anos, venho estudando os impactos desses contextos nessas instituições que, em princípio, deveriam ser o refúgio e a defesa da ética, da estética, do saber, do conhecimento desinteressado – como defendia Nietzsche –, das discussões produtivas, da descolonização do saber, do cultivo da visão e do fazer coletivos e, no caso brasileiro, da identidade da América Latina. Em princípio...
Nesta contemporaneidade, abrem-se escolas de princesas, contratam-se pedagogos como babás, configura-se o ensino superior como um ensino médio um pouco melhorado, diretores de escola apoiam o escola sem partido, o governo pós-impeachment estabelece um teto cruel à educação por 20 anos, pais terceirizam seus filhos para escolas que já têm até lavanderias, coachs e plataformas importadas tomam o lugar do professor com seus discursos vazios.
Em épocas de ultraneoliberalismo, pais viraram clientes, alunos são preparados para o vestibular desde o 1º. Ciclo do Ensino Fundamental, professores viraram produto e abaixaram suas cabeças rapidamente, muitas vezes, sem sequer perceberem a própria desvalorização. Os sindicatos se enfraquecem vertiginosamente, sob políticas trabalhistas desfavoráveis e em uma inação que aumenta as dificuldades dos professores em resistirem ao massacre. A visão crítica agoniza; a visão coletiva vira utopia; o questionamento foi substituído pelo simpático consentimento mudo, vazio e covarde.
O professor é hoje um profissional derrotado economicamente, politicamente, ideologicamente. Muitos tentam resistir, mas, como em tempos imemoriais, sequer são entendidos naquilo que defendem. Milton Santos já disse que o intelectual é o ator social mais oprimido no Brasil, e Darcy Ribeiro já revelou que a crise na educação do Brasil não é uma crise, é um projeto ideológico.
As peças do jogo educacional se encaixam, na prática e na teoria. Como chegamos até aqui? De vários modos. Um deles foi e é a falta de questionamento. Como disse Cornelius Castoriardis, o problema da condição contemporânea de nossa civilização moderna é que ela parou de se questionar. Não formular certas questões é extremamente perigoso, mas o sistema se estrutura de modo a mostrar que fazê-lo também o é. Está criado o jogo de tensões entre os silenciosos e os questionadores. Todos pagam um preço, o de perderem a dignidade ou de causarem estranhamento, o qual deveria ser desejável na educação, mas não é. Não é porque esse projeto ideológico de que fala Darcy Ribeiro garantiu gerações e gerações de professores, mesmo mestres ou doutores, acríticos, formatados em cursos superiores, públicos ou privados, voltados para a técnica e para o mercado.
No outro lado desse mundo como perversidade, a mídia oficial ajuda muito no processo de decadência ética, intelectual, crítica. Tira proveito e provoca, dialeticamente, a pocotização de muitos, como adjetivou Luciano Pires, desviando as atenções das questões realmente importantes: anestesia milhões de telespectadores, a cada dia, com a exposição da violência; transforma algumas das pessoas mais estúpidas em celebridades; dita rumos políticos; tira do debate o que convém ser tirado e decide qual será o assunto do dia, no café da manhã, no almoço e no jantar.
O desconhecimento histórico e social do que as cotas e outros auxílios já fizeram a estudantes universitários e suas famílias, a falta de ética secular da política brasileira e o pensamento elitista e falacioso da meritocracia da classe média rondam o cotidiano educacional no Brasil. Perpetuam Paulo Freire: “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor.” Entram nas engrenagens sociais, alcançando universidades, onde já há alunos de pós-graduação, mestrandos e doutorandos, querendo ser príncipes e princesa, no que parece ser um processo de disneilandização sem volta.
Darcy Ribeiro disse que tentou fazer uma universidade séria e fracassou. Sim. Neste momento, ninguém poderia consolá-lo. Em várias escolas e universidades, públicas e privadas, muita coisa deu errado. O modo como muitos adolescentes chegam e saem do ensino médio explica parte desse fracasso. A educação, ao que tudo indica, não é mais a luz no fim do túnel, sempre duramente atacada pelo próprio Estado. Ela segue reproduzindo e reforçando, dialeticamente, a violência e a exclusão social. A saída é nos lembramos de como Darcy Ribeiro completa o próprio pensamento, “Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”, e ficarmos sempre atentos a de que lado estamos.
*Sócia desde 2017

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