Ruralistas e Temer fazem o loteamento da Amazônia
por Renan Truffi e Rodrigo Martins
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publicado
24/05/2017 13h29,
última modificação
24/05/2017 20h20
Senado aprova as MPs 756 e 758. Câmara aprova a MP 759. É o governo
efetivando a ofensiva contra as áreas de proteção e abrindo caminho para
a legalização da grilagem
Lalo de Almeida/The New York Times

A região já sofre com a expansão das fronteiras agrícolas
Ao cabo, a ameaça paira sobre cerca de
10% do território preservado, em uma “estimativa conservadora”, destaca o
WWF. “Pressões para desfazer ou diminuir o tamanho ou o status de
proteção de Unidades de Conservação promovidas por integrantes da base
parlamentar do governo Michel Temer e com forte lobby dos setores
ruralista e de mineração têm encontrado espaço para prosperar, com o
apoio do Planalto.”
Entre os ataques citados no relatório da
ONG figuram as medidas provisórias 756 e 758, editadas por Temer no fim
de 2016, aprovadas pela Câmara na semana passada e pelo Senado na
terça-feira 23. Os textos ampliam as possibilidades de exploração econômica em vastas áreas da Amazônia, que sofrem com a expansão das fronteiras agrícolas e com a corrida de garimpeiros e empresas de mineração.
A Floresta Nacional do Jamanxim,
localizada em Novo Progresso, no Pará, teve a sua extensão reduzida de
1,3 milhão para 557,5 mil hectares. Não é tudo. Relator da MP nº 756, o
deputado José Priante, do PMDB, rebaixou a categoria de 486 mil hectares
da floresta de unidade de conservação para área de proteção ambiental
(APA). Na prática, isso permite a venda de terras, a extração de madeira
e a exploração da agropecuária e mineração. Apenas o território aberto a
atividades econômicas equivale a três vezes o tamanho da cidade de São
Paulo.
O peemedebista deu um jeito de incluir
ainda um “jabuti”, como são chamadas as emendas parlamentares sem
relação com o texto original. Graças à manobra, o Parque Nacional de São
Joaquim, em Santa Catarina, perdeu 10 mil hectares ao ser rebatizado
como “Parque Nacional da Serra Catarinense”.
Com as alterações feitas na MP nº 758,
relatada pelo maranhense José Reinaldo, do PSB, outra unidade de
conservação no Pará, o Parque Nacional do Jamanxim, perdeu 315 mil
hectares. Desse total, 71 mil terão status de proteção maior, sendo
incorporados à Floresta Nacional do Trairão, mas 265 mil hectares
ficarão mais desprotegidos – se tornarão duas APAs, a do Rio Branco e a
do Carapuça, também entregues ao desmatamento de “corte raso” para
atividades econômicas.
Na prática, o Congresso reduziu a
proteção de uma das áreas mais vulneráveis do País. Segundo estudo
divulgado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, o
desmatamento na região atingiu 8 mil quilômetros quadrados em 2016,
número 28,7% superior ao do ano anterior. Em números absolutos, o Pará
figura como recordista no ranking da devastação. Perdeu 3.025
quilômetros quadrados de cobertura vegetal.
Para reduzir a proteção dessas áreas, o
governo e os ruralistas apontam a necessidade de construção de uma
ferrovia conhecida como “Ferrogrão”, entre Mato Grosso e Pará, e a
regularização fundiária de pequenos produtores rurais. Ministro do Meio
Ambiente, Sarney Filho afirmou, em entrevista a CartaCapital, não ver “retrocesso ambiental por enquanto”.
A Medida Provisória nº 759, que trancava a
pauta do plenário da Câmara e foi aprovada na noite desta quarta-feira
24, prevê alterações em mais de uma dezena de leis brasileiras e muda
profundamente as regras relacionadas ao Programa Nacional de Reforma
Agrária, como veremos adiante.
“Em 2009, o governo
identificou que as ocupações legítimas poderiam ser regularizadas com a
desafetação de 80 mil hectares. Depois disso, várias operações da
Polícia Federal revelaram que a grilagem e o desmatamento aumentaram na
região, sob o controle do crime organizado”, explica Ciro Campos,
biólogo e analista do Instituto Socioambiental. “Nesse cenário,
regularizar todos, sem diferenciar famílias com ocupações legítimas e
grileiros, é uma mensagem de que o crime compensa e um incentivo à
invasão de terras públicas.”
No discurso do Planalto, as mudanças vão
propiciar aos assentados os títulos definitivos das terras onde vivem.
Mas o resultado prático deve ser o aumento do assédio de grandes
fazendeiros sobre pequenos assentamentos e agricultores familiares
beneficiados pelo programa nos últimos 30 anos. A MP nº 759 autoriza
o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a
conceder o título de domínio das terras a todos os assentamentos com ao
menos 15 anos de implantação.
O prazo poderia até ser considerado
razoável, se não fosse contado a partir da data de regularização do
assentamento. Pela lei agrária atual, esse prazo só poderia ser
contabilizado a partir da concessão de créditos de instalação e da
conclusão dos investimentos nos locais. Ou seja, mesmo assentamentos sem
equipamentos mínimos de infraestrutura podem ser emancipados.
Com os títulos em mãos e sem condições
básicas para viver no local, pois as áreas padecem de falta de
saneamento básico e acesso a insumos e meios para escoar a produção, os
agricultores familiares podem se ver forçados a vender essas
propriedades para o agronegócio.
“Essa titulação proposta pelo governo
veio para tirar o homem do campo e reconcentrar a terra na mão do
latifúndio”, resume Alexandre Conceição, da coordenação nacional do
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. “A medida provisória como um todo
é o retrocesso da reforma agrária. A Constituição garante que a
titulação tem de ser feita a partir da emancipação do assentamento: 80%
dos assentamentos não têm a infraestrutura resolvida e acesso a todos os
créditos.”
Desde 1995, 88 milhões de
hectares foram adquiridos ou desapropriados para fins de reforma
agrária no Brasil. O resultado é que todo esse território, equivalente a
uma vez e meia o tamanho da França, pode entrar de vez no mercado de
terras em alguns anos se os assentados ficarem sujeitos ao assédio de
latifundiários.
- O objetivo é vender o território a estrangeiros, diz Rodrigues (Foto: Antonio Augusto/Câmara dos Deputados)
“A alteração na Lei Agrária tem um
objetivo claro: livrar-se dos assentados da reforma agrária”, lamenta o
engenheiro agrônomo e presidente da Associação Brasileira de Reforma
Agrária, Gérson Teixeira.
Em nota técnica enviada aos
parlamentares, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, vinculada
ao Ministério Público Federal, sustenta que a proposta é
inconstitucional por não ter “elementos que evidenciem urgência para sua
edição”, preceito básico para uma medida provisória.
“Causa enorme espanto a adoção de medida
extraordinária pelo presidente da República para modificar mais de uma
dezena de leis ordinárias aprovadas pelo Congresso, algumas das quais
são fruto de processos legislativos que envolveram grande participação
popular, o que representa grave distorção do sistema democrático”, diz o
texto.
Em dezembro de 2016, o deputado petista
Patrus Ananias, ex-ministro do Desenvolvimento Agrário, já havia
denunciado outra armadilha da proposta: a municipalização do processo de
regularização fundiária de assentamentos. “A nossa história demonstra
que a grande força contrária a reformar o campo sempre foi a das
oligarquias rurais locais, costumeiramente ligadas aos poderes políticos
locais”, observou à época, em manifesto a alertar para o risco de
legalização da grilagem.
O colega Edmílson Rodrigues, do PSOL do
Pará, acrescenta: o principal objetivo é permitir a venda de terras
rurais a estrangeiros, como prevê o Projeto de Lei nº 4.059/2012. “A
aprovação desta medida provisória somada à extinção do Ministério do
Desenvolvimento Agrário representa a consolidação do rojeto de
estrangeirização de nossas terras”, escreveu Rodrigues, em recente
artigo publicado pelo site de CartaCapital.
Segundo o parlamentar, 2,81 milhões de
hectares já estão nas mãos de estrangeiros, o que representa mais do que
todo o território de Alagoas. O governo Temer busca apenas retirar os
entraves para a alienação do território nacional. “Entregam o patrimônio
público e distribuem senhas ao agronegócio, provocando intensa
violência social.”
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