O Google já mandou seu recado à lá militares na época do governo Bolsonaro, quando assopravam à imprensa que “a caserna está de bom humor” ou “militares sobem tom, descem o tom”. Sem assumir seu nome, cargo ou que chefe que o mandou conversar com o jornalista, um “executivo do Google” soprou para o colunista do UOL Helton Simões Gomes que “definir o que é ofensivo é muito difícil, especialmente em um regime de responsabilização estrita no caso de você não fazer. Basicamente transforma as plataformas em censoras, e essa decisão sobre se algo é verdade ou falso deveria ser feita por tribunais”. (A mensagem era enviada ao mesmo tempo em que o presidente de assuntos globais do Google, Kent Walker, fazia um almoço para jornalistas convidados em Brasília. A Pública tentou participar, mas não foi convidada).
Por ser o off the record um expediente que deveria ser usado como maneira de obter informações internas reveladoras sobre uma empresa, e não pra propagandear a visão de uma das corporações mais lucrativas da história do capitalismo (100 bilhões de dólares em 2024), não vou gastar mais o seu tempo elaborando o que disse o “executivo em off”.
Mas porque o argumento central – que o STF está obrigando as Big Techs a virarem censoras da verdade – foi bem discutido no voto do ministro Gilmar Mendes.
“Esse paradigma de neutralidade com relação ao conteúdo foi completamente superado nas últimas décadas. Em vez de figurarem como agentes meramente “neutros”, ou como “tubos de comunicação”, fato é que empresas como Facebook, Google e Amazon interferem ativamente na circulação de conteúdo de terceiros”, disse. “Nesse cenário, os atores privados da internet se tornam responsáveis por mediar situações de conflitos entre direitos fundamentais básicos, muitas vezes antes da própria autoridade estatal.”
“A questão central que essas regulações endereçam não é a criação de novas restrições à liberdade de expressão, mas a democratização dos processos pelos quais essa liberdade é atualmente mediada”, disse ainda. “As plataformas digitais já funcionam como verdadeiros curadores do discurso público, determinando através de algoritmos opacos quais mensagens alcançam amplas audiências e quais permanecem invisíveis. Elas já removem conteúdos, suspendem contas e modulam o alcance de publicações com base em critérios internos frequentemente obscuros e inconsistentes”.
“O que as abordagens regulatórias contemporâneas propõem é justamente submeter esses processos decisórios a princípios de transparência, accountability e que são fundamentais em qualquer sociedade democrática”, afirmou.
O ministro foi além e explicou que “a desagregação política no discurso on-line não é um efeito colateral da atuação das plataformas, mas sim um elemento crítico dos seus modelos de negócios.”
Segundo o caminhar dos votos, crimes de honra, como calúnia e difamação, devem ficar de fora da moderação proativa.
Ambos os relatores, Dias Toffoli e Luiz Fux, já haviam votado pela inconstitucionalidade do Artigo 19. Luiz Fux abriu exceção para crimes contra a honra – nesses casos, a retirada do conteúdo deveria ter pedido judicial. Até agora, os votos podem ser resumidos da seguinte maneira: quatro ministros votaram a favor de restringir a necessidade de ordem judicial apenas aos crimes contra a honra, enquanto três – Dias Toffoli, Luiz Fux e Alexandre de Moraes – defenderam acabar completamente com essa exigência.
A inconstitucionalidade do Artigo 19 será uma grande mudança para as Big Techs. Nos Estados Unidos, a Section 230, um artigo semelhante e que abertamente inspirou o artigo, tem sido questionada repetidamente na Corte Suprema, mas elas têm ganhado quase todas. O Brasil é a segunda maior democracia do continente, e pode criar um “spill over effect”, pode incentivar outros países da América Latina a ir no mesmo caminho.
Alexandre de Moraes foi o último a votar e, como esperado, o voto dele foi o mais duro. Ele deixou transparecer sua irritação pela atuação truculenta das plataformas ao ironizar o seu poder: “Como alguém pode querer impor alguma coisa às Big Techs, que tudo podem e nada respondem?”. Para ele, as plataformas “devem ser legalmente equiparadas aos demais meios de comunicação”, e, portanto, seriam sujeitas às obrigações previstas no artigo 220 da Constituição, que determina que será uma lei federal que vai estabelecer limites legais para a liberdade de expressão – mas que essa deve ser aliada a outros princípios constitucionais. |
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