Como chegamos ao Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, hoje sob ameaçaDurante a reunião de emergência na ONU realizada ontem, o argentino Rafael Grossi, diretor-geral da agência internacional de energia atômica (AIEA), apelou para a diplomacia. “Essa oportunidade não deve ser desperdiçada. A alternativa seria um conflito prolongado e uma ameaça iminente de proliferação nuclear que, embora originária do Oriente Médio, efetivamente corroeria o TNP (Tratado de Não Proliferação) e o regime de não proliferação como um todo”, disse.
A reunião de emergência aconteceu depois de o governo de Donald Trump anunciar que entrou na guerra entre Israel e o Irã, que já se arrasta há dez dias, com bombardeio de ambos os lados, mas muito mais mortes do lado iraniano. Na noite de sábado, aviões bombardeiros B-12 atacaram as instalações iranianas de Fordow, Natanz e Isfahan, na região montanhosa do norte iraniano.
Embora a China, Rússia, e outros membros temporários tenham pedido uma resolução que peça o cessar-fogo imediato, é quase zero a chance que o governo de Donald Trump não vete o texto. A votação deve acontecer ao longo dos próximos dias.
Dificilmente o Irã vai aceitar voltar à mesa de negociação sobre seu programa nuclear enquanto estiver sendo atacado. Como a questão se revolve em torno do tratado de não proliferação, achei importante voltar à história deste acordo sem precedentes na história da humanidade. O TNP é até hoje o maior tratado internacional de restrição de armamentos, com 191 países aderentes. Apenas cinco países não fazem parte. Israel, Índia, Paquistão e Coreia do Norte têm bombas nucleares e todo mundo sabe. (Por isso, na ONU, o embaixador russo chamou de “cínica”, e de “irresponsável, perigosa e provocativa” a postura do governo americano ao atacar o Irã).
O Sudão do Sul, país fundado em 2011, também não assinou. Mas ninguém acha que tenha uma bomba.
O grande nome por trás do tratado é Frank Aiken, que foi ministro do exterior da Irlanda entre 1957 e 1969, um revolucionário irlandês que atuou na guerra de independência da Inglaterra. Foi Aiken quem propôs na ONU a “resolução irlandesa”, de 1961, que levou o tema da não-proliferação de armas nucleares ao centro do debate internacional e um tema de urgência para a manutenção da paz mundial. Na época, o mundo vivia os embates entre EUA e União Soviética na Guerra Fria, o que trazia enorme insegurança. Na visão de Aiken, a criação da ONU servia para que países de médio porte pudessem ter voz na reconfiguração geopolítica mundial, e nas propostas mais duradouras para a paz. “Quando um homem podia se trancar em sua caverna e garantir a sobrevivência de sua família com seu clube, ele podia se dar ao luxo de ser uma lei para si mesmo. Hoje, com o poder ofensivo das armas ameaçando a destruição ou mutilação de pessoas em todos os lugares, a questão para todos nós é como, sob a sombra da bomba atômica, construir uma ordem mundial em que nossas disputas sejam resolvidas por uma autoridade comum aceita, cujas decisões sejam implementadas por uma força internacional – em suma, como preservar uma Pax Atômica enquanto construímos uma Pax Mundi”, afirmou ao propor a criação do tratado em 1958.
Embora um tratado internacional tenha sido aventado desde o final da Segunda Guerra, foi só duas décadas depois, em 1965, que ele foi pra frente, quando as duas potências já tinham abastecido seus estoques. Estima-se que hoje EUA e Rússia tenham mais de 5 mil ogivas nucleares cada. Agora, o texto de introdução do tratado, assinado em 1968, demonstra que seu objetivo final era o desarmamento – o que não aconteceu. Os países signatários começam “declarando sua intenção de alcançar, o mais cedo possível, o fim da corrida armamentista nuclear e de adotar medidas efetivas em direção ao desarmamento nuclear” e “desejando promover o alívio das tensões internacionais e o fortalecimento da confiança entre os Estados, a fim de facilitar a cessação da fabricação de armas nucleares, a eliminação de todos os estoques existentes e a retirada dos arsenais nacionais das armas nucleares e dos meios de seu lançamento”, conforme um tratado de “desarmamento geral”.
Esse tratado de desarmamento, sonhado por aqueles que construíram o TNP, nunca veio a existir.
No TNP, os países signatários que não possuem armas nucleares aceitaram jamais buscar a construção da bomba. Assim, a efetividade do tratado é clara: enquanto se previa que até os anos 70 mais de 20 países teriam armas nucleares, sessenta anos depois, o número é de 9.
Por outro lado, o que não aconteceu foi a redução do arsenal dos países que já têm bombas. Estima-se que esses países tenham mais de 2 mil ogivas nucleares. |
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