domingo, 25 de agosto de 2019

Recusa do PT em entrar na ‘nova era’ do diálogo prejudica democracia, avalia Mathias de Alencastro

"Nos tempos que correm, radical é aquele que rompe barreiras, e não aquele que organiza seitas", pondera; “Polarização serve apenas para pavimentar o caminho da extrema direita”
Cientista político Mathias Alencastro. Foto: Divulgação

Jornal GGN – A provável recondução de Gleisi Hoffmann na direção do PT “indica que a plataforma de acirramento se tornou dominante dentro do partido”, avalia o pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra), Mathias de Alencastro, em coluna desta segunda-feira (19), na Folha de S.Paulo.
O pesquisador pondera, ao abordar também outros exemplos de partidos social-democratas na Europa, que “a polarização entre esquerda e direita serve apenas para pavimentar o caminho da extrema direita”.
“Já se passaram quase dez anos da crise de 2008, que ditou o colapso da social-democracia. Desse período, três lições podem ser tiradas: primeiro, a tentativa de relançar a polarização entre esquerda e direita serve apenas para pavimentar o caminho da extrema direita”, observa.
“Segundo, as formações tradicionais sobrevivem —ou renascem— quando superam a polarização e partem para construção de novas alianças. Terceiro, mais do que a renovação propriamente dita, o importante é a aglutinação de forças democráticas contra o novo regime. Nos tempos que correm, radical é aquele que rompe barreiras, e não aquele que organiza seitas”, completa.

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Ele lembra que o PT, “como todos os partidos da social-democracia”, luta com o dilema diante da ascensão do populismo: “mobilizar a base ou ampliar alianças?”. A primeira opção tem contribuído para a polarização, dando espaço ao fortalecimento da extrema direita, não só no Brasil.
“Esse debate [entre mobilizar a base ou ampliar as alianças] foi central na eleição de 2018 e, como sabemos, o partido, consumido pelas tensões internas, acabou fazendo uma campanha bicéfala: um candidato de ‘abertura” —Fernando Haddad— e uma plataforma de ‘acirramento’, repleta de jabutis para externar fanatismo e abominar moderados, como a grotesca nova Constituinte”, explica Alencastro arrematando que a recondução de Hoffmann à direção do PT aponta que, pelo menos grande parte dos petistas, escolhem o caminho do acirramento das tensões, o que para o cientista político não contribui para a estabilização da democracia, muito pelo contrário.
“Essa é uma tragédia para os democratas, dado que a quase totalidade das grandes formações de centro-esquerda entendeu que o enfrentamento da extrema direita passa pelo experimentalismo”.
Ele lembra que, na semana passada, o líder do Partido Trabalhista britânico, Jeremy Corbyn finalmente abriu diálogo com outros partidos “para a formação de um governo temporário de união nacional que possa interromper a deriva suicida do brexit”.
“As chances de sucesso são pequenas, mas o movimento é significativo, tendo em conta que Corbyn, um dos últimos expoentes da esquerda psicorrígida dos anos 1970, manteve durante quase três anos uma linha ‘sem compromissos’”, completa o cientista político.
A centro-esquerda italiana também faz o mesmo movimento. “[Ela] desceu do Senado, onde se refugiou depois da humilhante derrota eleitoral de 2016, para negociar com o movimento 5 Estrelas, seu mais odiado antagonista, numa tentativa de complicar a chegada ao poder do extremista Matteo Salvini”.
Em outros países centrais na Europa, como Alemanha e França, os partidos à esquerda também passam por transformações, se aliando com ecologistas para “formar novas maiorias”.
O cientista político aponta Portugal como ainda sendo o caso “mais emblemático” nesse cenário de recomposição das esquerdas para voltar ao poder.
“O Bloco de Esquerda, repetidamente citado por Guilherme Boulos como exemplo a seguir, continua firme e forte na coalização liderada pelo Partido Socialista, que derruba o investimento público aos níveis mais baixos desde 1960, congela salários e exige o controle das contas públicas. Graças a esse contorcionismo, Portugal continua imune aos ventos da direita populista”.

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