Comércio
Exportações, saída para a crise?
O superávit comercial é recorde, mas a incerteza política e a volatilidade cambial dificultam as projeções

Parte do bom desempenho das vendas externas é circunstancial
O superávit
comercial de 4,86 bilhões de dólares em abril, anunciado na
segunda-feira 2 pelo ministro Armando Monteiro, do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio, elevou o saldo positivo acumulado de janeiro a
abril para 13,25 bilhões, o maior no período desde 1989. No dia
seguinte, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística divulgou o
aumento da produção da indústria, de 1,4% em março depois de uma queda
de 2,7% no mês anterior.
Os dados do comércio exterior e da indústria,
somados a indicadores positivos de inflação, horas trabalhadas, uso da
capacidade instalada e faturamento, entre outros, melhoraram a
expectativa dos empresários, mas a volatilidade do câmbio, o cenário
político e a conjuntura internacional mantêm a incerteza.
“Paramos de cair, mas não dá para dizer se é uma tendência. O ambiente político tem de estabilizar, não é só substituir Dilma,
é preciso saber se Temer continuará ou vai virar a bola da vez. Depende
ainda do Henrique Meirelles, cotado para a Fazenda, não repetir a sua
atuação anterior, de levar a uma enorme valorização do real, o que
mataria as exportações”, analisa Mario Bernadini, diretor da Associação
Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos.
Parte do bom desempenho das vendas
externas é circunstancial. “Há um aumento dos preços da soja e do
petróleo, puramente por conta de especulação. O mercado internacional
está líquido, os fundos têm dinheiro e não sabem onde aplicar, então
puxam as commodities”, segundo José Augusto de Castro, da Associação Brasileira das Empresas Exportadoras.
Com base no desempenho das exportações, o
governo revisou a projeção de superávit comercial deste ano, de 35
bilhões de dólares para entre 45 bilhões e 50 bilhões. “Neste ano o
superávit será o dobro dos 20 bilhões de 2015, mas com fortíssima queda
das importações por causa da redução do nível de atividade”, destaca
Castro.
- Monteiro apresentou saldo de 13,5 bilhões de dólares em quatro meses, o maior desde 1989 (Foto: Wilson Dias/ABr)
Aumentar as vendas do País é indispensável, porém o crescimento do fluxo de comércio é mais importante, concordaram Antônio Maciel Neto, presidente do Grupo Caoa, e Demian Fiocca, sócio da Mare Investimentos, no Diálogos Capitais Fórum Brasil: Como retomar o crescimento, realizado em março por CartaCapital.
Exportações e indústria
dependem de uma taxa de câmbio competitiva estável. A cotação de 2,69
reais por dólar em janeiro de 2015 chegou a 4,04 reais no mesmo mês
deste ano e fechou abril em 3,45 reais. Ao meio-dia da quarta-feira 4,
oscilava em torno de 3,54 reais.
A relação considerada competitiva gira em
torno de 3,80 reais por dólar. “Está mais para 3,30 do que para 4
reais. O cenário mudou muito. A conjuntura internacional está fraca e a
nossa, fraquíssima”, avalia Castro.
Manter o câmbio competitivo é o maior desafio para a retomada do crescimento,
mostra a devastação da indústria pelo real valorizado desde os anos
1990. “No Brasil, qualquer processo de desvalorização cambial está
sujeito à reversão, uma vez que a economia é extremamente sensível aos
efeitos do ciclo de liquidez internacional e permeável à especulação
financeira”, analisa o economista Pedro Rossi, da Unicamp.
“Os juros muito altos, somados aos
derivativos, tornam a taxa entre o real e o dólar uma das mais voláteis
do sistema internacional e impedem seu uso como ferramenta para o
desenvolvimento.” Sem mudanças institucionais e regulatórias, diz, o
câmbio não se sustenta. A principal medida é reduzir a simetria entre os
mercados futuro e à vista, ou onerar as posições a futuro.
“Com liberdade de operações no último
segmento, os agentes escapam à regulação mais forte das transações à
vista, explica Rossi. E há incentivos muito fortes para operação de carry trade”, de ganhos com o diferencial de juros interno e externo, proporcionais à alta dos juros e do dólar.
O próximo passo do governo na
frente externa será o início, anunciado pelo Ministério do
Desenvolvimento para a quarta-feira 11, da troca de ofertas com a União
Europeia, com vista a um acordo de comércio, direitos autorais e
patentes e à inserção do País na esfera do Tratado Transatlântico (TTIP,
em inglês), entre os Estados Unidos e a UE.
- Parte do aumento dos preços da soja e do petróleo é especulação (Foto: Sérgio Neves/Estadão Conteúdo)
Apesar da possível perda de 3% do PIB de 14 setores
com o rebaixamento de tarifas e outras cláusulas, segundo um estudo da
Confederação Nacional da Indústria, o entendimento conta com apoio de
governo, oposição e empresários. Os maiores prejuízos recairão sobre a
sociedade, informada por uma mídia restrita à versão oficial.
Grandes manifestações contra o TTIP se sucedem na Alemanha
e outros países europeus. Nos Estados Unidos, o similar Tratado
Transpacífico, o TPP, com Japão, México, Canadá, Austrália, Nova
Zelândia, Malásia, Cingapura, Vietnã, Brunei, Chile e Peru, está sob
risco, apesar do empenho do presidente Barak Obama.
O virtual candidato republicano Donald Trump condenou as
importações baratas e ameaçou elevar tarifas, uma afronta ao tratado.
Hillary Clinton passou de apoiadora a crítica do TPP e a oposição de
Bernie Sandres aos acordos de livre-comércio ajudou-o a vencer em vários
estados.
A postura dos partidos reflete “um forte sentimento
antilivre-comércio nas bases”, afirma Martin Khor, diretor-executivo do
South Centre, organização intergovernamental de apoio à promoção
internacional dos interesses comuns aos países em desenvolvimento. “Se
até os EUA têm dúvidas crescentes sobre os benefícios do livre-comércio,
os países menos poderosos deveriam fazer uma avaliação mais realista da
liberalização do comércio.”
Para o ex-secretário do Tesouro Lawrence
Summers, há no Ocidente uma revolta em marcha contra a integração
global. “O motivo é a percepção de que se trata de um projeto conduzido
pelas elites para as elites, com pouca consideração com os interesses
das pessoas comuns.”
O rótulo de um entendimento comercial
oculta o principal objetivo dos tratados, institucionalizar cortes
arbitrais internacionais com poder de obrigar Estados Nacionais a
aplicar decisões favoráveis às empresas globais.
- É preciso saber se Temer continuará e Meirelles valorizará o câmbio (Foto: Sérgio Neves/Estadão Conteúdo)
No mês passado, 90 mil alemães tomaram as
ruas de Hannover para protestar contra o TTIP durante a visita de Obama
para discutir os termos do tratado com Angela Merkel. Segundo os
manifestantes, o aumento do poder das empresas rebaixará salários,
enfraquecerá os direitos trabalhistas e a proteção ao meio ambiente. O
oposto de criar milhões de empregos e estimular o comércio com o
rebaixamento das tarifas, segundo defende o presidente dos EUA.
Decisões de cortes arbitrais
internacionais favoráveis às empresas se tornarão corriqueiras no caso
da aprovação dos tratados. Em uma dessas deliberações, a Philip Morris
processou o Uruguai por prejuízos impostos pela queda das vendas
decorrente da propaganda governamental sobre as doenças provocadas pelo
tabaco.
A empresa obteve ainda sentença contra o governo australiano por regras para a embalagem dos produtos. A
sueca Battenfal moveu uma ação contra a Alemanha, depois do fechamento
da sua planta de energia nuclear. Uma companhia francesa ingressou em
tribunal internacional contra o governo do Egito, por aumento do salário
mínimo.
Negociados entre representantes
empresariais e de governos, os acordos dependem das aprovações dos
Parlamentos para entrar em vigor.
“Durante décadas, o Ocidente pressionou os países em desenvolvimento para liberalizar o comércio. Poucos
deles, na maioria asiáticos, administraram cuidadosamente a abertura e
dela extraíram benefícios com a exportação de industrializados. É uma
ironia os Estados Unidos enfrentarem uma oposição interna à sua lógica
de livre-comércio”, analisa Martin Khor.
*Reportagem publicada originalmente na edição 900 de CartaCapital, com o título "Balança favorável"
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