terça-feira, 26 de agosto de 2025

A VERDADE NÃO SE VENDE

 

A Pública faz jornalismo independente e comprometido na defesa dos direitos humanos, com investigações profundas e denúncias que geram impacto na sociedade. Não aceitamos dinheiro de anunciantes e por isso esta é uma tarefa custosa, que depende de pessoas como você.

Somos uma equipe de jornalistas que incomoda muita gente: revelamos o caso de exploração sexual de crianças e adolescentes de Samuel Klein, abrimos a caixa preta do Bolsonaro e continuamos acompanhando de perto sua família e a ligação com a extrema-direita, investigamos o Elon Musk e estamos preparando uma cobertura inédita sobre o império das Bets. 

E muita coisa nova vai vir à tona nas próximas semanas: investigações em que trabalhamos há meses, parcerias internacionais, podcasts inéditos, especiais, reportagens de alto impacto…

Estamos preparados para seguir com esses projetos, mas agosto tem sido difícil e nós precisamos fechar as contas do mês.

Ainda assim, não deixamos de acompanhar atentamente pautas fundamentais para o país: do julgamento do Bolsonaro às discussões sobre o PL do Licenciamento Ambiental.

Também seguimos ouvindo e contando histórias que não podem permanecer invisíveis, como a do caso de operários da BYD, que foram vítimas de maus-tratos e agressões físicas dentro da planta da obra. Menos de um mês após nossa denúncia, o Ministério Público do Trabalho resgatou 163 operários.

Fizemos um apelo ontem para nossos leitores que não foi suficiente para arrecadarmos o que precisamos. Infelizmente temos poucos apoiadores ao nosso lado que contribuem mensalmente para que esse trabalho continue seguindo em frente e precisamos de leitores como você mais do que nunca. 

Por isso pedimos mais uma vez, precisamos ainda de 40 novos Aliados esse mês. Se você puder, faça parte da comunidade da Pública que enfrenta os poderosos e mexe em vespeiros que a grande mídia não pode porque recebe dinheiro de anunciantes.

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Quero fazer diferença!
Um abraço,

Renata Cons
Coordenadora de Marketing e Aliados

domingo, 24 de agosto de 2025

 

Matou o gari Laudemir e foi malhar na academia
A segunda-feira, 11 de agosto, não era um dia qualquer para Laudemir Fernandes, coletor de lixo a serviço de uma empresa contratada pela Prefeitura de Belo Horizonte. Às 18 horas, o Conselho Tutelar faria uma visita à casa em que morava com a esposa, Liliane, as duas enteadas e agora também com a filha de 15 anos, da qual tinha conseguido a guarda há pouco tempo - o que ainda comemorava, dizem os colegas. Daí a visita do Conselho para checar a adaptação da adolescente à família. 

Por isso ele ficou contente ao ser escalado para cobrir um colega de outra rota - o itinerário que os caminhões percorrem -, que terminaria mais cedo do que o trajeto habitual. Mais um motivo de alegria para o homem negro de 44 anos, extrovertido e amoroso, que costumava sair “todo satisfeito, para fazer um trabalho que ele amava”, como contou a esposa. 

Laudemir sabia o valor do serviço que prestava para a cidade onde morava e que desempenhava “com excelência”, nas palavras de Liliane. 

Na mesma manhã de segunda-feira, o empresário Renê da Silva Nogueira, saiu de seu apartamento em Nova Lima, região de condomínios de alto padrão no entorno da capital mineira, em direção à empresa da qual era diretor - segundo disse à polícia -, localizada em Betim, também na região metropolitana de Belo Horizonte. Em seu perfil no Linkedin ele se dizia CEO da Fictor Alimentos - o que a empresa negou em nota, afirmando que Renê atuava como prestador de serviços há apenas duas semanas e já havia sido desligado.

Com isso, não se sabe o quanto é verdadeiro o currículo ali apresentado, que inclui cargos em multinacionais de alimentos e bebidas. O certo é que ele combina com a foto em estilo “macho alfa”, valorizado por essas empresas: homem branco musculoso em traje social com o sorriso exalando autoconfiança. Na mesma rede, ele anuncia sua expertise: “acelerar resultados através de liderança estratégica e inovação”.

Já no Instagram, Renê se apresenta como “christian, husband, father, patriot”, assim mesmo, em inglês. No perfil com 30 mil seguidores, apagado depois da prisão, ele aparecia em fotos de viagem abraçado com a esposa, igualmente branca, sorridente e bem arrumada, a delegada Ana Paula Balbino Nogueira. Ela tem cursos de especialização em violência doméstica e publicou um livro sobre o tema. 

Um detalhe no mínimo curioso, já que o marido tem sólido histórico de agressor: responde a processo judicial por lesão corporal contra a ex-esposa, que teve até o braço quebrado, além de ter sido denunciado por violência doméstica por outras ex-companheiras em boletins de ocorrência registrados no Rio de Janeiro, estado onde nasceu. E não é tudo. Em 2003, Renê provocou o atropelamento e morte de uma moradora de rua no Recreio dos Bandeirantes, quando pilotava - sem carta - uma moto em alta velocidade.    
 Uma mulher pobre tinha ousado cruzar o seu caminho e morreu. Como aconteceu com Laudemir, 22 anos depois, naquela fatídica segunda-feira. 
Está no nome da esposa e delegada a pistola .380 que Renê portava quando seu caminho foi momentaneamente interrompido pelo caminhão de lixo dirigido pela motorista Eledias Aparecida Rodrigues, parado próximo da esquina das rua Jequitibá e Modestina de Souza, no bairro de Vista Alegre, enquanto os garis, entre eles Laudemiro, tentavam orientar o tráfego, parcialmente tolhido pelo caminhão. 

Apesar de diversas matérias terem se referido ao que veio a seguir como resultado de uma briga de trânsito, o crime não foi fruto de impulso, como contou à polícia e à imprensa a motorista Eledias Aparecida. "Não houve discussão. A rua é uma rua larga, porém tinha carros de um lado e do outro e os meninos (os garis) trabalham assessorando a gente na rua, parando o trânsito, pra não ter nenhum acidente. Eu dei a preferência pra ele [Renê]. Aí ele colocou a arma em punho e falou que se eu esbarrasse no carro dele, ele iria dar um tiro na minha cabeça, que eu não duvidasse", relatou.

Ao ver o empresário com a pistola apontada para o rosto da colega, os garis se aproximaram para protegê-la. Um deles, Thiago Rodrigues, se colocou entre a arma e o caminhão, e tentou chamar o agressor à razão: “Você vai fazer isso com a moça? Somos todos trabalhadores. Você vai atirar?”, disse, de acordo com Eledias, que também contou o desfecho: “Aí ele saiu do carro, mudou a direção da pistola e acertou o Laudemir". 

As câmeras da rua mostram Laudemir ferido na barriga, cambaleando até a esquina, pouco depois de terem registrado a passagem do carro de Renê, que à polícia negou ter estado no local do crime, embora as testemunhas tenham anotado a placa de seu BYD cinza antes de ele fugir sem prestar socorro. O gari deitou na calçada. Suas luvas continuaram ali quando ele foi levado por uma viatura da PM para um hospital, onde morreu. 
 Renê foi preso em flagrante horas depois do crime em uma academia de ginástica no bairro do Estoril. À polícia, ele disse que tinha voltado do trabalho para casa após o almoço para trocar de roupa e passear com os cachorros, antes de sair tranquilamente para treinar depois de atirar em Laudemir. Sem se abalar. 
O juiz Leonardo Damasceno acolheu o pedido do Ministério Público de Minas Gerais e converteu a prisão em flagrante para preventiva por homicídio duplamente qualificado - por motivo fútil e por impedir a defesa da vítima. Durante a audiência de custódia, o juiz descreveu a personalidade de Renê como “violenta e desequilibrada” e qualificou seu crime de “hediondo”. 

Mas foi a esposa da vítima, Liliane, quem melhor explicou a motivação perversa desse crime, que é também sintoma de uma sociedade racista, cruel e desigual, em que “cidadãos de bem”, como o assassino de Laudemir, se sentem no direito de espancar e ameaçar mulheres e de executar um trabalhador por atrasar o seu percurso. 

O meu entendimento é que, para ele, não estava atirando em um ser humano. Ele estava atirando em um saco de lixo. Para ele, meu marido, Laudemir, para ele era um saco de lixo”. 


Marina Amaral
Diretora Executiva da Agência Pública
marina@apublica.org 

A REPORTAGEM QUE MUDOU UMA VIDA

 

Em abril deste ano, a Agência Pública contou a história de Gabriel Jesus, um jovem negro, de 18 anos, que passou três meses na prisão, na Praia Grande, litoral paulista, por um crime que não cometeu. 

A reportagem trouxe, camada por camada, o racismo institucional que o aprisionou. “Eu quis mudar a minha cor”, disse Jesus em sua entrevista. Neste momento, eu fiquei sem palavras, me doeu, porque eu também sou um homem negro e sei o quão difícil a vida pode ser por ter a pele mais retinta. 

Quando eu escrevo uma história, eu deposito a esperança de algum impacto: seja gerar uma discussão, reflexões, mudanças ou justiça social. Mas, eu só não esperava o que viria após a publicação da reportagem sobre Gabriel. 

Na tarde de 17 de abril, após a publicação da reportagem, eu recebi um e-mail que dizia: 
 
“Gostaria que enviasse uma mensagem ao Gabriel informando que somos solidários a causa dele e gostaríamos de ajudá-lo de uma forma efetiva [...] que informasse ao Gabriel que se ele quiser cursar o curso de Direito nosso escritório arcará com os custos e desde já lhe oferece uma vaga de estagiário desde agora até o final do curso”. 

Quem assinava a mensagem era o advogado Eden Siroli Ribeiro Junqueira. 

Vibrei como se o presente fosse para mim. Afinal, tudo que a gente espera de uma reportagem é que ela traga alguma mudança, mas, neste caso, ela transformará uma vida, pois é a chance de um jovem negro recontar a sua história e de sua família. 

Imediatamente, liguei para a mãe de Gabriel, a cozinheira Sabrina Oliveira, de 39 anos. Ela era a única, entre os três filhos, que tinha celular. A alegria dela transbordava pela voz, que me agradecia a todo instante por ter contado a história do filho dela e, desta forma, ter recebido tamanha ajuda. 

O compromisso do advogado, que tem um escritório em São José dos Campos, no interior paulista, não ficou apenas em palavras redigidas em um e-mail. Junqueira visitou a família de Gabriel, presenteou a todos com celulares novos e reforçou o seu compromisso em arcar com estudos. 

Histórias como essas não ganham espaço por acaso em qualquer veículo. Elas chegam até o público porque há redações independentes, como a Agência Pública, dispostas a investir tempo, recursos, coragem e rigor de apuração. 

Na Pública, nós não nos curvamos aos imediatismos, tampouco aos interesses de quem detém poder político e econômico. Fazemos Jornalismo sem amarras e com o apoio de vocês, leitoras e leitores, que apoiam o nosso trabalho. Cada Aliado ajuda a contar histórias como a de Gabriel e a reescrever o destino de muita gente. 

“O Jornalismo de vocês mudou a minha vida”, disse Gabriel Jesus após a visita de Junqueira. “Vamos transformar a vida dele e da família se Deus quiser. Parabéns pelo que você fez. Você foi o anjo na vida dele”, completou o advogado. 


Se você quer ver outras vidas serem mudadas, apoie a Agência Pública.

 
Quero fazer parte disso!
Um abraço,

Rafael Custódio
Repórter

O QUE É PIOR DO QUE GOLEADA DE 6 X 0 ?

 

Ontem, o Santos sofreu sua terceira maior goleada no Campeonato Brasileiro, ao perder de 6 a 0 para o Vasco. Além da humilhação em campo – que fez parte da torcida virar de costas para o gramado em repúdio ao desempenho do time –, um problema grave se desenrola fora dos estádios, como mostramos em reportagem há algumas semanas: 90 mil metros quadrados de vegetação nativa podem ser engolidas para dar lugar ao novo Centro de Treinamento (CT) do Santos Futebol Clube.

O pai do jogador Neymar Junior, o empresário Neymar da Silva Santos, e a imprensa tradicional – em especial a esportiva – demonstraram pouca importância à preservação da Mata Atlântica, que é o bioma mais devastado do território brasileiro. Afinal, nenhum deles, ao que parece, questionou a proporção dos impactos ambientais que a construção do novo empreendimento pode gerar. 

No dia em que a reportagem foi publicada, o Santos havia ganhado de 2 a 0 do Flamengo, pelo Campeonato Brasileiro, mas o Brasil havia perdido parte da sua luta pela preservação ambiental: a Câmara dos Deputados havia aprovado o PL 2.159/2021, conhecido como “PL da Devastação” que flexibiliza as leis de licenciamento ambiental e pode autorizar aberrações ambientais como a construção do futuro CT do Santos FC. 

Assim que a história do CT chegou até a Pública, eu pesquisei o que a imprensa tradicional havia comentado a respeito, e o resultado foi que nenhum dos veículos que estiveram na coletiva de anúncio da construção do CT se preocupou em abordar o impacto ambiental que a obra geraria e o tamanho da área verde que seria desmatada.

Ninguém fez a pergunta incômoda ao pai do Neymar, ao Santos, ao prefeito da Praia Grande Alberto Mourão (MDB) ou ao Julio Peralta (um dos diretores da empresa que tem a posse do terreno) sobre a devastação ambiental que o projeto causaria. Os motivos podem ser diversos: falta de tempo em apurar mais aprofundadamente, receio de questionar o poder da família Neymar ou de serem vetados de coberturas esportivas que envolvam o Santos. 

Mas enquanto a grande imprensa ignorava os bastidores da destruição ambiental, a Pública investigou, deu nome aos responsáveis e confrontou os poderosos com coragem e independência.

Nosso jornalismo é movido pela urgência de proteger o planeta e pela determinação de cobrar quem ameaça o nosso futuro. Mas isso só é possível com o apoio de quem acredita nesse trabalho.


Se você também quer um jornalismo que não se cala diante dos interesses políticos e econômicos, junte-se aos nossos Aliados. Com a sua ajuda, seguiremos revelando histórias que ninguém mais contaria.

 
Quero apoiar quem cobra mudanças!
Um abraço,

Rafael Custódio
Repórter

QUEM BANCA A VERDADE?

 

Talvez você não saiba, mas financiar jornalismo nunca foi tão difícil quanto agora. Não aceitar dinheiro de anunciantes é uma escolha nossa. Parece estranho a gente reclamar de uma escolha feita conscientemente. Dá pra responder a isso: "ué, aceitem dinheiro de anunciantes então".

Temos conseguido cada vez menos apoiadores, e pra piorar, as big techs estão entregando nossas notícias a menos leitores.


Ainda assim, não deixamos de acompanhar atentamente pautas fundamentais para o país: do julgamento do Bolsonaro às discussões sobre o PL do Licenciamento Ambiental.

Também seguimos contando histórias que não podem permanecer invisíveis, como a do caso de operários da BYD, líder mundial na fabricação de carros elétricos, que foram vítimas de maus-tratos e agressões físicas dentro da planta da obra. Menos de um mês após nossa denúncia, o Ministério Público do Trabalho resgatou 163 operários.

Mas esse trabalho não consegue se sustentar sem o apoio de mais pessoas. Agora, mais do que nunca, precisamos da sua ajuda.

Muita coisa nova vai vir à tona nessas próximas semanas: investigações em que trabalhamos há meses, parcerias internacionais, podcasts inéditos, reportagens de alto impacto…

Estamos preparados para seguir com esses projetos, mas agosto tem sido difícil e nós precisamos fechar as contas do mês.

Por isso, temos uma meta ousada mas que sabemos não ser impossível: conseguir 50 novos Aliados hoje.

Se apenas 1% das pessoas que lerem esse email se tornarem Aliadas da Pública, esta meta pode ser alcançada. Ao contribuir a partir de R$ 20 por mês, você ajuda a manter nossa missão de entregar informação gratuita e de interesse público para todos.


Faça parte do jornalismo que o país precisa: seja um Aliado da Pública. 

E se não puder contribuir mensalmente, uma doação pontual feita no pix contato@apublica.org ou cartão no site de Aliados fará uma grande diferença neste momento.

 
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Renata Cons
Coordenadora de Marketing e Aliados

domingo, 10 de agosto de 2025

O LEGADO ESCRAVISTA DOS EUA NO INTERIOR PAULISTA

 

Em Santa Bárbara d’Oeste (SP), homens com chapéus texanos e mulheres de vestidos rodados dançam música country sob bandeiras confederadas — o símbolo mais conhecido dos estados escravistas do Sul dos EUA. A cena poderia estar no filme “E o vento levou”, mas acontecia aqui, na Festa dos Americanos, realizada todos os anos até ser interrompida pela pandemia. Por trás dessa celebração “cultural” da imigração norte-americana, há uma história que muitos preferem esquecer, mas a Agência Pública investigou e trouxe à tona: a vinda desses imigrantes, no fim da Guerra Civil Americana, não se deu apenas por promessas de reconstrução. Para muitos, o objetivo era manter um modo de vida baseado na escravidão.


A Pública mergulhou nessa história. Conversamos com quem resiste para preservar a memória negra, com quem celebra a herança confederada e com quem questiona a exaltação de um passado escravista.


Mesmo com documentos de cartórios e censos mostrando que, além de sementes e costumes, os norte-americanos também traziam consigo a prática de escravizar pessoas — especialmente em plantações de algodão – a narrativa oficial da cidade exalta apenas sua coragem e contribuições, silenciando sobre o trabalho escravizado que sustentou essa prosperidade.


O resultado dessas investigações faz parte do especial do Projeto Escravizadores, no qual trouxemos investigações inéditas da Agência Pública que destrincham o passado escravista do Brasil. Na reportagem publicada hoje, nos aprofundamos na história dessas “colônias de confederados”.


Apesar de ter o uso em eventos públicos proibidos por lei em 2022, a bandeira confederada — hoje associada à supremacia branca e à Ku Klux Klan — é um símbolo valorizado por seus defensores. Descendentes ainda arguementam que ela representa “apenas a origem”, enquanto movimentos negros lutam para que o racismo e a escravidão não sejam apagados da memória local.

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

PRISÃO DE BOLSONARO É A PONTA DO ICEBERG

 

O ex-presidente Jair Messias Bolsonaro teve a prisão domiciliar decretada ontem (4), após ter participado por telefone de uma manifestação contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e em defesa de sua anistia. Apesar de sua prisão recente, a Agência Pública acompanha o caso há muito tempo. Nós cobrimos cada etapa do julgamento da tentativa de golpe de estado, sempre estivemos de olho nas articulações e alianças do clã Bolsonaro com a extrema direita norte-americana e também aos ataques ao STF promovidos por Jair e seus apoiadores.

Desde 2019, a equipe da Pública acompanha de perto a aproximação de Eduardo Bolsonaro de figuras da extrema-direita dos Estados Unidos. Em 2023, revelamos que ele passou a articular sanções americanas contra o STF – movimentações que resultaram no tarifaço de Trump contra o Brasil.

Contamos na mão as 77 reuniões feitas por Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos ao longo do governo do pai e demos os nomes aos seus principais aliados. Mostramos também que Eduardo abriu uma empresa no país, que tinha “indícios de lavagem de dinheiro”, como definiram especialistas. Quando contatamos o deputado para fazer questionamentos, ele encerrou o contrato. Desde então, seguimos nessa mesma toada, alternando entre investigações das negociações do bolsonarismo nos EUA e seus negócios por lá. 

Hoje, na live “Trump, Bolsonaro e as eleições de 2026”, nossa diretora executiva, Natalia Viana, e o professor, ativista e colunista, James Green, analisaram como resistir à ofensiva bolsonarista-trumpista e de que forma os EUA podem influenciar as eleições no Brasil ano que vem. Durante a conversa, um comentário chamou atenção: foi Steve Bannon (ex-estrategista de Donald Trump e aliado da família Bolsonaro) que escolheu Eduardo como líder da extrema-direita na América Latina.

Além disso, Bannon também cunhou o termo “primavera brasileira”, que passou a ser utilizado no final de 2022 para se referir aos acampamentos e protestos que buscavam manter Jair Bolsonaro no poder, ainda que isso fosse contra os resultados democráticos. 

Uma investigação que publicamos hoje revela um pouco mais do envolvimento de bolsonaristas com o trumpismo. Uma empresa do influenciador Paulo Figueiredo, que rodou pelos Estados Unidos com Eduardo Bolsonaro pedindo sanções ao Brasil, é citada em uma ação judicial norte-americana relacionada a um caso de falência. A ação busca recuperar transferências que teriam sido parte de uma fraude bilionária liderada, de acordo com apurações do Mother Jones, pelo magnata chinês Miles Guo, trumpista e ex-sócio de Steve Bannon.

Guo, desde 2015, está auto-exilado nos EUA. Ele foi condenado por nove crimes, entre eles lavagem de dinheiro e organização criminosa. 

Amanhã entra em vigor mais uma medida orquestrada pela aliança bolsonarista-trumpista: a tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos. A justificativa para a medida foi que as autoridades brasileiras estariam prejudicando empresas americanas, o direito à liberdade de expressão dos cidadãos norte-americanos e a economia do país. 

Mas assim como mostramos que a investigação comercial ordenada por Trump a respeito do pix é resultado de uma retaliação das big techs que andam insatisfeitas com os rumos de decisões brasileiras sobre as regulamentações digitais, quem garante que o tarifaço não é apenas mais uma forma de tentar controlar a política interna do Brasil?


Quem acompanha a Pública entende os bastidores antes que virem manchete. Ajude a manter esse jornalismo corajoso e vigilante. Apoie nossas próximas investigações - torne-se um Aliado hoje!
 
Quero apoiar a Pública!
Um abraço,

Marina Dias
Diretora de comunicação da Agência Pública

 

Tropa bolsonarista acua Motta enquanto jornais apertam Moraes
Sentada na cadeira da presidência da Câmara, com uma tiara de flores nos cabelos loiros e roupas brancas, a catarinense Julia Zanatta (PL) exalava santidade com a filha de 4 meses no colo, impedindo qualquer tentativa de remoção da ocupação ilegítima. O clima estava tenso naquela noite de quarta-feira (6) quando, finalmente, Hugo Motta (Republicanos) resolveu retomar seu posto em sessão marcada para às 20h30.

Zanatta não foi a primeira a destronar simbolicamente o deputado Hugo Motta, enquanto o incauto presidente visitava alegremente obras no município de Patos (PB), governado há décadas por sua família. Nos dois dias de “obstrução física” do plenário - ou seja, “na marra” - deputados do Novo e do PL se revezaram na ocupação da Mesa. Com os rumores de intervenção da Polícia Legislativa para acabar com a baderna, a bebê era o escudo.

Motta chegou ao plenário perto das 22 horas, depois de negociações mediadas pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), mas ainda teve que esperar um bom tempo para Marcel van Hattem (Novo-RS) ceder o lugar. Cercado por bolsonaristas e gritos por anistia, enquanto a maioria dos deputados pediam em coro do plenário para que eles descessem dali, Motta enfim fez um discurso breve, que só não foi totalmente irrelevante por ter sido proferido do assento presidencial retomado. 

Van Hattem disse à repórter Bela Megale que só levantou da cadeira de Motta depois que os deputados Nikolas Ferreira (PL-MG) e Zucco (PL-RS), segundo ele responsáveis pelas “tratativas que estavam costurando com os líderes do PP, União Brasil e PSD”, garantiram que o acordo havia sido firmado. “A anistia e fim do foro privilegiado passam a ter apoio do PL, Novo, União PP e PSD”, disse Van Hattem, versão que não destoa muito do que foi apurado pela repórter Thais Bilenky, de que Motta teria liberado o centrão para negociar a anistia aos golpistas de 8 de janeiro.
 Na quinta-feira (07), Motta negou ter incluído a anistia no acordo e prometeu até punir os que participaram do motim, mas o fato é que apesar de recuperar o posto e ganhar até um pedido de desculpas do deputado Sóstenes Cavalcante, um dos líderes da tropa de choque, o presidente da Câmara perdeu autoridade;
o foro privilegiado, prerrogativa do Supremo Tribunal Federal (STF), está em risco; e a anistia, embora impopular, voltou às manchetes no momento em que o presidente dos Estados Unidos pune comercialmente o Brasil e joga a Lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes, sob protesto de organizações internacionais de direitos humanos. 

Eduardo Bolsonaro, o filho 03, com estadia nos Estados Unidos financiada por confessos 2 milhões de reais do pai e ainda deputado, embora tenha ultrapassado seu período de licença na Câmara dos Deputados, voltou a fazer ameaças. Desta vez, com novas sanções de Donald Trump, agora contra os presidentes do Senado e da Câmara, caso não coloquem em votação a saída de Alexandre de Moraes (!) do STF e a anistia dos golpistas - de olho no livramento do pai. 

Na mesma semana, tornou-se visível a virada da chamada grande imprensa, aquela que concentra o PIB no setor da comunicação, que até então posava de patriota. Enquanto a Globo batia na tecla de que Lula estava sendo teimoso e deveria ligar para Trump, apesar das evidências de que o presidente americano não apenas não pretende conversar como faz exigências políticas humilhantes para o Brasil, os jornalões, liderados pela Folha de S.Paulo, passaram a espinafrar Moraes, alegando que ele teria ferido o direito de “livre expressão” de Bolsonaro ao impedir o uso das redes sociais pelo ex-presidente. 

Não vou aqui avaliar juridicamente as decisões de um ministro do STF, apoiado pelos colegas como mostrou a incisiva entrevista de Gilmar Mendes. Também não pretendo julgar os posicionamentos ideológicos de veículos de comunicação. Mas vamos lembrar que Moraes já havia proibido o uso das redes pelo ex-presidente, antes de decretar a prisão domiciliar de Bolsonaro por infringir medida cautelar, sem provocar a mesma indignação. Aliás, entre os juristas, há aqueles que concordam e os que discordam desta decisão, o que recomenda cautela ao emitir juízos taxativos sobre o suposto abuso de Moraes. 
 Fica a pergunta: será a vontade de enfraquecer Lula, com a popularidade aumentada pela dignidade sustentada diante da agressão anti-democrática de Donald Trump, ou o receio de perdas econômicas para si e para anunciantes provocadas pelo tarifaço, que atingiu o agro em cheio, que comoveu os empresários da comunicação?
Condenar enfaticamente Moraes no momento em que um presidente de um país estrangeiro ataca o ministro por levar adiante um processo recheado de provas - como a própria imprensa reconhece - contra um ex-presidente que tentou dar um golpe de Estado no país não pode ser apenas irresponsabilidade. É intenção. 

O histórico dos “democratas” da comunicação em defesa do golpe de 1964, apoiado pelos Estados Unidos, não recomenda a credibilidade dos defensores da “liberdade de expressão” nesse momento. Menos ainda quando se unem à extrema direita, dentro e fora do Brasil, para questionar o STF e a postura altiva do governo brasileiro diante de Trump. Nós já vimos esse filme, e ele não acaba bem. 


Marina Amaral
Diretora Executiva da Agência Pública
marina@apublica.org 

terça-feira, 5 de agosto de 2025

 

Quem estimula a violência policial em São Paulo?
Jornalista da velha guarda, gosto de acompanhar o noticiário na TV e no rádio para saber que informações a população recebe de veículos que ainda alcançam milhões de pessoas com coberturas que também servem de matéria-prima para as redes sociais – ainda que muitas vezes com distorções ou deturpações. 

O que só aumenta o valor do jornalismo como referência de informação segura e de qualidade, essencial para o debate público democrático. Por isso é tão preocupante observar que também esses veículos estão sujeitos a vieses e sensacionalismo no noticiário, ferindo a credibilidade do jornalismo e prejudicando o debate público. 

Em nenhum campo isso é mais visível do que na cobertura policial, em que a busca pela audiência em um país com altas taxas de criminalidade faz o jornalismo leniente com a polícia ignorando o básico: em 2024 a polícia matou 6.413 pessoas, de acordo com a edição mais recente do anuário do Fórum de Segurança Pública. 

Embora esses índices tenham se reduzido em 3,1% em níveis nacionais, os números, ainda escandalosos, dispararam em alguns estados, como São Paulo, com 813 vítimas da polícia, o que representa uma alta de 61% (isso mesmo!) de 2023 para 2024. Pior: o recorte racial do estudo mostra que as chances de uma pessoa preta ou parda ser morta pelas polícias é 3,5 vezes maior do que uma branca. 

Desde que Tarcísio de Freitas assumiu o governo do estado, tendo como secretário de segurança Guilherme Derrite, um ex-PM orgulhoso das mortes praticadas em serviço, as taxas de violência policial vem crescendo, com sucessivos casos de abuso policial contra inocentes, incluindo crianças e adolescentes – em fevereiro deste ano, a Pública revelou que houve um aumento de 13% nas mortes dos mais jovens em ações policiais. 

Por isso me chamou a atenção o noticiário do SPTV 2, da Rede Globo, no dia 10 de julho passado, em que a cobertura de protestos em Paraisópolis, depois de uma operação policial, dominou o programa sem esclarecer porque as pessoas – acusadas de vandalismo pelo âncora do jornal – estavam botando fogo em caçambas usadas em barricadas. A revolta escalou para a abordagem de motoristas, estas feitas por um pequeno grupo, que tiveram os carros depredados, fazendo subir o tom dos comentários do âncora enquanto eram exibidas as imagens captadas pelo helicóptero da TV.
 Esperei em vão que o jornal apontasse os motivos para indignação violenta de parte da comunidade: só foi informado que uma operação policial havia prendido 3 pessoas e matado um homem, enquanto o âncora clamava pela presença do batalhão de choque nas ruas ainda cheia de gente. Para o SPTV aquilo era obra de “vândalos”, “bandidos”, sem necessidade de justificativa. 
No dia 14 de julho ficamos sabendo o que detonou a reação popular quatro dias antes. Durante a operação policial, quatro PMs invadiram a casa de um morador de Paraisópolis atrás de “suspeitos” e executaram Igor Oliveira de Moraes Santos, 24 anos, que já estava rendido – como mostrou inadvertidamente a câmera corporal de um dos policiais. “As COP, as COP”, gritam os policiais assustados logo após matar Igor, referindo-se às câmeras operacionais portáteis (COP), como aparece na mesma gravação. 

As imagens mostram um dos PMs disparando duas vezes contra Igor, que estava ajoelhado e encostado em uma parede de mãos para o alto. Ele cai no chão. Segundos depois, o policial manda que ele se levante. Enquanto ele se ergue, o agente faz outro disparo. Outro militar também atira em seguida. Igor está morto. 

Um crime que poderia ter passado em branco não fosse o descuido de um dos policiais. Inimigo das câmeras corporais desde a campanha eleitoral, embora o uso dos equipamentos seja considerado pelos especialistas também uma proteção para os policiais, Tarcísio, pressionado pelo STF, implantou o sistema, mas com um novo modelo em que a câmera é acionada pelo próprio agente policial (o sistema anterior era automático). 

As gravações da execução de Igor só foram feitas porque um dos policiais não percebeu que havia ligado o equipamento, que acionou também as câmeras dos colegas pelo sistema bluetooth, como reconheceu o coronel Edson Massera, chefe de comunicação da PM, ao anunciar a prisão dos policiais. De posse das imagens, o Ministério Público ofereceu denúncia contra os quatro PMs – dois deles por atirar em Igor e os outros dois por apresentar versões do crime que contrariam os registros das câmeras corporais. 
 Com o caso esclarecido, fica a pergunta: a quem serve a insistente difamação de moradores das comunidades, apoiada em uma cobertura feita sem nenhum contato com os moradores nem questionamento à polícia, instigando à população contra supostos “vândalos” e “bandidos” antes mesmo de apurar a totalidade dos fatos?
Sim, houve violência nos protestos. Mas ela tem história, como revela reportagem da Agência Pública publicada nesta semana, em que moradores relatam o recrudescimento da violência policial na gestão Tarcísio, que acabou com uma das poucas diversões do lugar, os bailes funk, que já haviam sido alvo de um massacre da PM em 2019, com nove mortes. 

Há menos de dois meses da execução de Igor, um jovem negro desarmado foi morto pela PM, também em Paraisópolis. Nicolas Oliveira tinha 19 anos e foi alvejado com quatro tiros de fuzil na mão esquerda, braço direito, cintura e perna esquerda. Segundo os moradores, a PM atrapalhou o socorro médico, e o jovem chegou morto ao hospital. 

Outra vez a revolta da comunidade explodiu, com o fechamento de avenidas por barricadas; mais uma vez o batalhão de choque foi enviado, disparando tiros de balas de borracha contra a população. “Paraisópolis está revoltada, Nicolas era um menino legal”, explicou um de seus familiares à Ponte Jornalismo. 

Por mais que aprecie o governador Tarcísio, candidato às eleições em 2026, a imprensa não pode esquecer que sua gestão é responsável pela “Operação Verão”, a mais letal da história do estado desde o massacre do Carandiru (1992). Antecedentes que deveriam ao menos ter alertado o SPTV para os riscos de uma cobertura ao vivo, sem apuração, sobre um tema tão complexo e importante para democracia como é a segurança pública

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Essa é a edição 400 desta newsletter. Agradeço de coração aos que leem, comentam e compartilham essas modestas reflexões sobre o país que amamos e acreditamos ser capaz de se tornar menos injusto e desigual. É o que me faz seguir adiante na companhia preciosa de vocês!


Marina Amaral
Diretora Executiva da Agência Pública
marina@apublica.org