Como a Meta silencia notícias incômodas Dizem que as salsichas e as notícias, é melhor não saber como são feitas. Pois hoje eu vou contar como notícias não chegam a ser feitas, como as Big Techs, mais especificamente a Meta, trabalham para que uma notícia incômoda não chegue ao público.
A história começa assim. Dez dias atrás, recebemos uma imagem promocional do PL de Bolsonaro chamando para o 1º Seminário Nacional de Comunicação do Partido Liberal, “o maior evento de comunicação partidária do Brasil”. No centro, fotos sorridentes de Bolsonaro, sua esposa, Michelle, e o presidente do partido, Valdemar Costa Neto. Abaixo, à esquerda, Meta, TikTok e Google eram listados como “parceiros”.
Que as Big Techs estejam fornecendo treinamento de comunicação para políticos do maior partido da extrema direita brasileira é, por si só, bastante questionável; ainda mais levando em conta ser esse o partido que mais produz desinformação que é disseminada justamente nessas plataformas. (Afinal, metade dos políticos que espalham fake news é do PL.)
Mais que o treinamento semanas depois do pronunciamento assustador de Mark Zuckerberg e depois de estarem todos os executivos ostensivamente se exibindo como troféus na posse de Trump, trata-se de uma enorme sinalização de que a aliança com o radicalismo de direita já atravessa fronteiras.
Pois nossa repórter Laura Scofield procurou as assessorias das ditas empresas e recebeu muitas respostas evasivas. Mas a Meta usou um artifício que tem empregado frequentemente e que joga contra o jornalismo de interesse público.
Basicamente, em vez de oferecer uma entrevista que pode ser publicada, de maneira transparente, sua assessoria de imprensa oferece a “oportunidade” à jornalista de conversar com funcionários da empresa que, então, explicam que, na verdade, não é bem assim, que existem, sim, salvaguardas e as coisas são feitas de maneira ética lá dentro.
Só que a jornalista não pode publicar nada disso. Tem que acreditar no que é dito a ela, em off, sem comprovação nenhuma e sem poder contrastar dados nem poder trazer a público de maneira transparente o que foi dito. Então, tal informação não poderá nem ser contestada, se for uma mentira.
No caso do congresso do PL, muitos jornalistas ouviram, em off, que na verdade esse tipo de treinamento a políticos é um serviço gratuito, rotineiramente oferecido a diversos partidos. Laura pediu, oficialmente e por email, uma lista com as datas desses treinamentos, para que se pudesse comprovar como são realizados e de que maneira essas corporações estão distribuindo seus recursos internos treinando políticos de diferentes espectros. Não recebeu nada. Como você deve ter percebido, a matéria não foi publicada na Agência Pública.
Depois que alguns sites publicaram sobre o evento, a imagem do evento foi alterada para mencionar apenas a "participação" das empresas.
Ora, isso em nada muda o fato de que há um partido de extrema direita promovendo um evento sobre comunicação e propagandeando a participação de três das maiores empresas de tecnologia do mundo para treinar seus partidários, notórios por espalharem desinformação, insuflar seus opositores a questionar as eleições e tentar dar um golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023.
É ainda digno de nota que essas empresas ainda assim aceitam que isso seja propagandeado pelo partido, uma maneira clara de se legitimar e de demonstrar para o público interno que há aí uma aliança.
Mas a história morreu e a vida segue. O que quero chamar a atenção é para essa prática desleal, porém corriqueira, que as Big Techs utilizam para desmontar histórias “sensíveis”, se valendo da boa vontade dos jornalistas que não têm como checar as informações passadas em off.
Pra deixar claro o que significam esses termos jornalísticos: “off the record” significa que uma pessoa pode passar informações importantes para o jornalista, que depois deve corroborar de outras maneiras, sem citar a fonte. Ou pode citar apenas frases como “uma pessoa que conhece o tema”. O estratagema é usado, por exemplo, quando uma fonte interna quer vazar uma informação importante, como uma ilegalidade que está acontecendo dentro de uma corporação ou um governo, mas não quer se expor por segurança. É resultado de uma decisão pessoal, e não de uma estratégia corporativa.
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