terça-feira, 30 de maio de 2023

 

Lula e Marina

Indígenas, ambientalistas e todos os que se preocupam com questões essenciais para a emergência climática e para a proteção dos direitos humanos dos brasileiros - principalmente os de povos originários, tradicionais e agricultores familiares, diretamente afetados pelo desmatamento e grilagem - ficaram boquiabertos com a liberação da bancada do PT para aprovar a MP dos Ministérios, apesar das emendas que deslocam órgãos essenciais da política indígena e ambiental para ministérios com outras competências (alguns com titulares próximos aos ruralistas). 

Confesso que também tomei um susto, sobretudo pelas comemorações de ministros e parlamentares nas redes sociais depois da aprovação da MP.

Os pontos mais graves são a retirada do CAR (Cadastro Ambiental Rural) do Ministério do Meio Ambiente e a Funai do Ministério dos Povos Indígenas, o que sem dúvida enfraquece os ministérios condutores da política ambiental e indígena do país. 

Mas a situação ainda é turva demais para cravar a saída de Marina Silva do MMA, como especula a imprensa. Marina e Lula sabem perfeitamente o impacto internacional desastroso que teria uma eventual queda da ministra. Ex-parlamentar, Marina também conhece as táticas de negociação com o Congresso, especialmente quando temos a Câmara de Deputados mais conservadora desde a redemocratização. 

Em discurso informal na posse de Mauro Pires, novo presidente do ICMBio, na manhã de ontem, a própria ministra, que anteriormente já havia criticado a MP, voltou a reforçar a necessidade de defender o sistema nacional de proteção ambiental, mas fez questão de destacar o legado desastroso do governo Bolsonaro e de agradecer a Lula “por estarmos todos aqui”. Além de cumprimentar o presidente do Ibama, que também discursou com serenidade apesar de ser o aparente estopim da crise (com a decisão técnica de barrar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas), Marina dirigiu saudações nominais a diversos representantes da sociedade civil presentes no evento, assim como à delegada adjunta da União Europeia e ao embaixador da Noruega, maior financiador do Fundo Amazônia.

Mesmo que Lula tenha se sentido traído por Marina por não ter sido avisado previamente sobre a questão da Foz do Amazonas, ou que uma ala do PT queira de fato enfraquecê-la, o que sempre é complicado avaliar tendo como base reportagens com interlocutores do presidente falando em off, Lula sabe melhor do que ninguém o que o mundo espera do Brasil e as vantagens que traria o avanço da agenda ambiental para o país. Como disse a ex-presidente do Ibama, Suely Araújo à nossa editora Giovana Girardi no domingo passado (antes, portanto, da votação da MP): “Em relação à narrativa que o presidente Lula tinha nos mandatos anteriores, a questão ambiental ganhou uma robustez que ela nunca teve. Eu acho que as posições da Marina e do Ibama estão coerentes com a narrativa do presidente da República.”

Mais do que a chantagem dos ruralistas no Congresso, que ainda poderia ser revertida no STF como sugere o post do ministro Flávio Dino no Twitter, o que realmente me assusta é a possibilidade de Lula, por convicção, trocar os projetos de desenvolvimento do século 21 que, junto com Marina e Sônia, ele parecia abraçar, pela economia suja do pré-sal, do agronegócio e da mineração. Nem tudo é possível conciliar. 

Ter duas ministras mulheres ambientalistas - uma negra, filha de seringueiros da Amazônia, e uma grande liderança indígena - enfraquecidas sob aplausos do PT não é uma boa mensagem. Ainda dá tempo do governo reagir. 

A nós, jornalistas, cabe publicar informações checadas, com a maior transparência possível para a sociedade poder filtrar os interesses e o grau de certeza de quem fala, alertando, sem alimentar o diz que diz, para os riscos reais que corre a política socioambiental prometida por Lula, venham eles do Congresso, das empresas ou de dentro de governo.
 
É essa informação de qualidade que faz avançar o debate democrático, ainda tão incipiente no país.



Marina Amaral

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