quinta-feira, 18 de maio de 2023

 


 

Por uma CPI sobre a violência no campo

Enquanto o Congresso abre uma CPI para “investigar” o MST, um movimento social legítimo que traz suas bandeiras à luz do dia, multiplicam-se CPIs e projetos de lei nas assembleias legislativas de todo o país com o objetivo de criar punições para “invasões de terras” e acelerar processos de reintegração de posse, revela o repórter João Pedro Pitombo, na Folha de S. Paulo. Na Bahia, a procuradoria da Assembleia Legislativa chegou a questionar o objeto da CPI, considerando que a reforma agrária está fora da alçada dos deputados estaduais – o que é um fato. O mesmo se pode dizer em relação às punições, que estão previstas em lei, e aos processos de reintegração de posse – esses de competência exclusiva da Justiça.

O objetivo parece ser o de criar um inimigo imaginário, supostamente apoiado pelo governo, em um momento em que a democracia volta a imperar. Depois do longo atraso registrado no sentido oposto, aquele representado pelo PL da Grilagem, aprovado no governo Bolsonaro em 2021 com resultados negativos já constatados: o último relatório da CPT (Comissão Pastoral da Terra), sobre os dados de 2022, mostrou um aumento de 35% nos conflitos por terra no Brasil, com 535 ocorrências de violência contra pessoas, incluindo 47 assassinatos. 

Os números vinham crescendo desde a posse de Jair Bolsonaro, que paralisou a reforma agrária e a demarcação de territórios indígenas e quilombolas, contrariando a Constituição. Mais do que isso, incentivou a invasão de terras públicas (concedendo títulos de terra por autodeclaração) e das terras de povos originários e tradicionais, com um discurso racista e o desmonte de órgãos como a Funai e o Incra – que passou a ser comandado pelo ministério da Agricultura. 

O último relatório do Conselho Missionário Indígena (Cimi), de agosto do ano passado, já havia constatado um aumento de 180% em invasões, explorações ilegais e danos a terras indígenas, protegidas pelo artigo 231 da Lei Magna. O que mostra a magnitude da tarefa que o atual governo tem diante de si para restabelecer a normalidade constitucional e democrática.

Entendo as pressões que vem sofrendo o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, o único membro do governo a se pronunciar depois da divulgação do relatório da CPT, no final de abril. No domingo passado, Teixeira reafirmou o compromisso do governo com a reforma agrária “dentro da Constituição” e disse que terá recursos adicionais de 500 milhões de reais para o programa, esvaziado pelo governo anterior. 

É bom lembrar que a reforma agrária é o destino prioritário das terras públicas federais sem destinação, de acordo com a Constituição, que também prevê a desapropriação de terras que não estejam cumprindo sua função social. Diz o artigo 184: “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária”.

Espero que os jornalistas tenham a Constituição de 1988 em mente ao cobrir o embate entre o governo Lula e os ruralistas que se abrigam na CPI do MST para atacar a lei e a democracia. E que não se esqueçam que, como mostra o relatório da CPT, os três principais agentes da violência no campo são os fazendeiros, o governo federal e os grileiros – exatamente aqueles que estão representados nos partidos que apoiam a CPI, e também aqueles que deveriam ser investigados. 

Uma cobertura equilibrada da mídia, apoiada nesses fatos, pode ser a diferença entre a promoção da desinformação, do racismo e do oportunismo político e um belo debate nacional sobre a violência seletiva contra aqueles que são a nossa garantia de futuro – ambiental e alimentar – enquanto têm seus direitos violados: os agricultores familiares, os indígenas, os quilombolas, as quebradeiras de coco, os pescadores e ribeirinhos que, com sua corajosa resistência, tentam deter a força da destruição.



Marina Amaral
Diretora executiva da Agência Pública

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