Até Fernando Henrique Cardoso, o homem que estimulou até o fim a prisão de Lula, selando com a marca da mesquinharia sua longa vida política, se ofereceu como interlocutor do chamado pacto democrático.

Não sei quem FHC representa hoje em dia. Não o PSDB, dominado por Joao Dória Jr., que não lhe dá a menor pelota, ou a centro direita mercadista que se organiza em torno de Luciano Huck, sem lhe prestar contas.
No fundo, o drama da centro-direita paulista, antes representada pelo PSDB, é a ausência de um interlocutor com senhoridade e a confiança de todas as partes envolvidas. E, seguramente, não é FHC. Em outros tempos, seria Mário Covas, que conquistou o eleitorado classe média de Paulo Maluf, e era confiável e capaz de grandes gestos.
Armínio Fraga é um nome que tem crescido, trazendo a visão estratégica do clube dos bilionários esclarecidos dos EUA, que aprenderam que não há segurança jurídica nem política, com desmanche social. O liberalismo selvagem é o caminho mais curto para o nacionalismo selvagem. Mas Armínio representa apenas um elo com o lado mais racional (e minoritário) do mercado).
Em todo caso, nos dois cantos – o da esquerda de Lula e o centro-direita em torno de Huck – há boa vontade para se iniciar conversas.
No momento, ambos os lados tentam acumular forças para as rodadas seguintes, Lula arregimentando multidões em seus comícios; Huck sendo empurrado pela mídia em cima da falsa equivalência recorrente: a de mostrar os dois lados, lulismo e bolsonarismo, como faces da mesma moeda da radicalização, para apresentar a saída virtuosa do centro. É o chamado terraplanismo sociológico, de uma mídia que ainda não aprendeu a se diferenciar dos discursos de WhatsApp.
De qualquer modo, faz parte das preliminares, assim como a retórica guerreira de Lula. Os próximos tempos exigirão muita racionalidade e desprendimento de lado a lado. E, aparentemente, há essa consciência dos dois lados.
O inimigo a ser vencido é a maior ameaça ao país em toda sua história. Trata-se de um país que abrigou toda sorte de golpes de Estado. Mas, em cada golpe, havia um vencedor estruturado, muitas vezes agindo de forma selvagem, mas com um projeto de país na cabeça. Não havia risco do desmanche nacional.
Agora, o que se tem é o poder empalmado por grupos que atuam no modo de operação do crime organizado, buscando brechas para implantar uma ditadura selvagem. E não de trata apenas de Bolsonaro. O vice-presidente Hamilton Mourão, assim como o general Augusto Heleno, partilham a mesma visão autoritária – e, provavelmente implementariam o estado de exceção com mais método e a mesma violência de Bolsonaro.
Tem-se, portanto, um duplo desafio.
O mais premente, a linha de resistência até 2022, garantindo peças mínimas de funcionamento da democracia. O segundo, montar uma aliança capaz de vencer as eleições e superar a grande noite da idiotia nacional.

Para tanto, há que se vencer idiossincrasias, superar mágoas, e parar com essa bobagem de exigir autocrítica. A mídia fará autocrítica por 15 anos de disseminação diária do ódio? O PSDB fará autocrítica por seu apoio ao golpe e ao desmonte das redes de proteção social? O PT fará autocrítica pelos doze anos seguindo a cartilha do tal tripé virtuoso, as concessões ao presidencialismo de coalizão e o isolamento autocrático da era Dilma? O Supremo fará autocrítica por ter permitido o desmanche da ordem constitucional?
Então parem com essa bobagem e tratem de zerar o jogo em torno de um objetivo maior. A melhor autocrítica é reforçar a nova postura, em defesa da democracia.
Trata-se de uma engenharia politica desafiadora, que passa pelos seguintes pontos.
  1. O PT não vai abrir mão de ser o protagonista maior das esquerdas no país. Anteriormente, o Partido Comunista incorreu nesse erro e foi amplamente superado pelo trabalhismo e pelo petismo. Qualquer pacto com o PT tem que aceitar o fato de ser o maior partido de oposição, sem vocação para o suicídio político.
  2. A centro-direita não vai aceitar um pacto que a coloque em uma disputa eleitoral a seco com Lula e Bolsonaro, por absoluta impossibilidade de vitória. Também não vai endossar pactos que a excluam de processos decisórios. Qualquer pacto tem que colocá-lo como sócio do poder. Seus trunfos não são eleitorais, mas a ampla ascendência sobre mídia e personagens relevantes da estrutura de poder.
O único modelo será o acordo compartilhado, como ocorreu com o Pacto de Moncloa, na Espanha, um acordo de ganha-ganha, em que nenhum dos lados busque o protagonismo absoluto.
.Há um enorme incentivo ao bom senso: será a derradeira oportunidade para impedir que a terra de Santa Cruz se transforme no inferno do bolsonarismo.