sábado, 13 de outubro de 2018

Mariluce Moura prega a união de todos contra o horror

A experiência pessoal revive o que está por vir
publicado 13/10/2018
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A única acusação contra Mariluce foi a tentativa de organizar um partido político (Crédito: Nara Lacerda)

A jornalista de ciência Mariluce Moura reconstitui o horror que viveu durante o regime militar para fazer um apelo à união contra Bolsonaro:

AINDA DÁ TEMPO, VAMOS NOS JUNTAR PARA DERROTAR O FASCISMO


Eu era uma adolescente em 1964, tinha 13 anos. Lembro como, passados o susto e a perplexidade dos primeiros dias de abril, figuras respeitáveis do campo conservador, mesmo aquelas que não haviam participado diretamente da conspiração, foram gradativamente manifestando sua adesão ao golpe, que então chamavam de revolução, e procurando encontrar brechas para sua sobrevivência política no novo tecido do poder que se revelaria tenebroso. Lembro particularmente do então governador baiano Lomanto Júnior, que em menos de 24 horas passou de um “não aceitamos” ao “sim, senhor general”.
Adiante, em 1965, o conspirador de primeira hora, Carlos Lacerda, veria que matara no golpe seu sonho de concorrer à presidência da República. E logo veria também sumariamente extinta a Frente Ampla pela restauração do ambiente democrático no país, que organizou e lançou em 28 de outubro de 1966, e à qual se juntariam seus antigos arqui-inimigos, os ex-presidentes João Goulart, deposto no golpe civil-militar, e Juscelino Kubitschek, então exilados. Uma simples portaria do Ministério da Justiça do governo ditatorial proibiu todas as atividades da Frente em 5 de abril de 1968. Um ano depois, os três já estavam mortos. Fora tarde demais para qualquer frente democrática, a ditadura, Lacerda não percebera de pronto, se instalara em 1964 para durar. Foram 21 anos.
Lembro, em dezembro de 1973, da expressão de surpresa e real angústia, talvez de puro horror, no rosto de Dom Avelar |Brandão Vilela, o cardeal primaz do Brasil, enquanto eu, grávida, lhe relatava no Palácio Arquiepiscopal do Campo Grande, ao qual ele me chamara tão logo eu fui solta, meu sequestro em pleno meio dia na frente ao Elevador Lacerda, a prisão no Forte de São Pedro, as torturas, as sevícias de que fora vítima, eu assim como outros companheiros de Ação Popular, o assassinato em Recife de meu marido, Gildo Macedo Lacerda, que fora preso em Salvador junto comigo, a recusa dos militares a devolver de seu corpo à família para que pudéssemos enterrá-lo... De que nos acusavam? No julgamento dos que restaram vivos, meses depois, a única acusação era tentativa de reorganização de partido clandestino... Uma atividade política pacífica.
Essas e tantas outras dolorosas lembranças têm ficado mais e mais nítidas nesses dias em que tento entender por que tantas figuras públicas não manifestam agora sua adesão total e vigorosa a uma frente democrática para lutar contra os riscos imensuráveis da opção fascista em nosso país. Por que não entram agora nessa batalha e mergulham num corpo a corpo pela democracia nos 15 dias que temos ainda para frear a tragédia que está batendo à nossa porta. O que ganham com o silêncio, o apoio crítico ou qualquer nome que se dê à omissão política neste momento?
Como os Antunes, o poeta Arnaldo ou o sociólogo Ricardo, repito que para impedir a vitória do horror no segundo turno precisamos das vozes de todos que preservam algum valor de humanidade. “Todos sabem como começa o fascismo, mas não imaginam até onde ele vai”, repetiu Ricardo Antunes em seu artigo na Folha de hoje. Não se trata de votar em Haddad por apoio ao PT, mas por uma clara manifestação a favor da democracia e contra o fascismo. A favor da liberdade. A favor da vida. Sim, precisamosu desesperadamente de todos que minimamente possam compreender a natureza desses dias, dessas horas. Não é tempo de postergar.

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