Com quantos juízes fora da lei se faz um STF?
Hübner Mendes: o STF se dá auto-importância e tem vocação para o suicídio
publicado
14/10/2018

O Conversa Afiada reproduz da revista Época artigo de Conrado Hübner Mendes, doutor em Direito e Professor da USP:
Com quantos ministros fora da lei se constrói um STF?
O Febejapá — Festival de Barbaridades Judiciais que Assolam o País — é nossa dieta cotidiana de nonsense jurídico, nossa rotina de caradurismo togado. Era Stanislaw Ponte Preta quem deveria contá-lo, mas ele não pagou para ver nem viveu para crer. É festival dedicado à magistocracia, à gran famiglia judicial brasileira, estrato social que não se contenta com pouco: não quer escorregar do 0,1% mais alto da pirâmide social brasileira, nem que para isso precise furar o teto constitucional, dobrar a lei e acumular auxílios-dignidade livres de imposto.
A gran famiglia administra o Judiciário mais caro das
democracias do mundo pelos meios da baixa política. Resiste à
transparência e reprime os que tentam arejar a mentalidade
magistocrática. Para compensar, entrega ao país o encarceramento em
massa e alimenta o crime organizado, entre outros penduricalhos. Mas
fale baixo, porque a magistocracia tem sensibilidade de seda, a
sensibilidade dos “cocorocas”. Daqui a pouco vai alegar desacato a sua
“honra institucional”, essa ideia pré-liberal que cunhou enquanto se
apreciava no espelho. Se um dia levarmos a sério o combate à corrupção
individual, e sobretudo a institucional, sugeriria começar por aí.
O relato do Febejapá começa tarde e tem um longo
passado pela frente. Por isso, distribuiremos diplomas retroativos. Esse
passivo será amortizado em parcelas. Na semana passada, fomos levados a
perguntar: a quantos juízes fora da lei resiste o estado de direito?
Quem souber que nos conte. Talvez já tenhamos cruzado essa linha
vermelha. O juiz Sergio Moro, ciente de que o “quando” decidir é tão
crucial quanto “o que”, tirou às vésperas da eleição o sigilo de delação
que já não tinha valor jurídico. Ainda que autoridades do STF já o
tenham alertado que isso é malcriação, ele insiste. Bem-comportado que
é, deverá pedir “respeitosas escusas” de novo. A ala curitibana do
Febejapá tem estilo.
Há outra pergunta mais urgente: com quantos ministros
fora da lei se constrói um STF? A democracia brasileira nunca precisou
tanto de um STF forte e respeitável.
Nos 30 anos da Constituição, nunca houve
composição que combinasse tão bem o senso de autoimportância individual e
a vocação para o suicídio.
Da presidência da Corte saiu Cármen Lúcia, “a
pacificadora”, e tomou posse Dias Toffoli, “o negociador”. A primeira
ressignificou o verbo “pacificar”; o segundo começou com arte e deixou
seu vice, Luiz Fux, suspender liminar de Lewandowski que permitia a um
jornal entrevistar um preso. Faltou nos contar por que o vice o
substituiu.
Não tendo conquistado corações e mentes como juiz,
Toffoli resolveu se lançar como historiador. Escolheu lugar solene para
anunciar sua tese: o Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, sob o
olhar de Dom Pedro II. Afirmou que em 1964 não houve nem golpe nem
revolução, mas um “movimento”. Chama golpe de movimento assim como quem
chama mandioca de aipim. O ministro tem razão: foi um movimento de
tanques nas ruas, de choques nos porões, de “suicídios” em delegacias.
Foi também um movimento, veja só, de aposentadoria compulsória de
ministros do STF e suspensão do habeas corpus. Eram tempos em que um
general não habitava gabinete do STF a convite de seu presidente.
De Toffoli nunca se esperou coragem moral. Sua
trajetória não carrega vestígios de excelência técnica ou contribuições
jurídicas ao bem comum. E isso não se deve ao fato de ter sido reprovado
em dois concursos da magistratura ou à carência de títulos acadêmicos,
critério bacharelesco pelo qual julgaram sua competência. Foi o único
dessa geração que chegou ao tribunal sem outras credenciais que não a
amizade do presidente, pelos serviços prestados ao partido. Sua
reputação foi construída interna corporis, por assim dizer, não na
comunidade jurídica. Mas isso importa menos.
Em vez de reinterpretar a história, ofício para o
qual demonstrou não ter vocação nem método, pede-se a ele apenas que
interprete a Constituição. E aí Toffoli não está sozinho: mais grave que
o revisionismo histórico toffolino é o revisionismo constitucional do
STF. Ao contrário de outros revisionismos, que questionam uma
interpretação consolidada e propõem uma alternativa no lugar, o
revisionismo constitucional do STF não põe nada no lugar. Ou pior: põe
uma coisa num dia e depois muda de ideia, a depender da conjuntura
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