quinta-feira, 16 de outubro de 2014

O PROJETO DE MORALES



Hugo Moldiz: ‘O projeto que Morales lidera tem uma abrangência indiscutível’
Juan Manuel Karg
Adital
Hugo Moldiz é um reconhecido intelectual boliviano, fundador e diretor do influente semanário "La Época”. Nesta entrevista, o comunicador social e mestre em Relações Internacionais descreve o cenário político e social do país com vistas às próximas eleições presidenciais e legislativas, que terão lugar neste domingo, 12 de outubro. Moldiz dá conta das propostas do binômio Evo Morales-Álvaro García Linera, na iminência de um quase seguro novo período de governo, e também analisa o papel da oposição conservadora frente ao governo do MAS [Movimento ao Socialismo].
As pesquisas apontam uma grande vantagem de Morales sobre o empresário Samuel Doria Medina. Qual é sua análise sobre o momento político-eleitoral que a Bolívia vive?
Nunca houve tanta certeza sobre a intenção de voto em um candidato, com tanto tempo de antecipação. Em toda a história democrática da Bolívia nunca houve essa certeza. Reforça-se a ideia de que o grande desafio para o presidente Morales não é ganhar a eleições, e sim o que fazer depois dela.
A conjuntura que se abre é o "momento expansivo” da revolução: o momento de expansão hegemônica, porque tanto eleitoralmente como politicamente o projeto que Morales lidera tem uma abrangência já indiscutível. A intenção de voto certamente assinala 40% de vantagem, de diferença, mas eu me animo a pensar que pode ser inclusive mais. Isso não só implicaria a certeza da vitória, mas também uma superação dos próprios resultados eleitorais que Evo Morales tem conseguido desde que participa das eleições. Todas as pesquisas feitas até agora tomam majoritariamente o que acontecem nas cidades capitais, e não entram em outros lugares onde o MAS é praticamente uma hegemonia – estamos falando de votações que não baixam de 80% em setores do bloco indígena, campesino e popular do país.
Por que a oposição conservadora não conseguiu uma candidatura presidencial unificada, como tem acontecido frente a outros governos pós-neoliberais em nosso continente?
O argumento de que, para a oposição de direita, teria sido melhor se se unissem é um argumento que não corresponde à realidade. Isso, na minha forma de ver, pudesse ter sido o melhor para Evo Morales: que se unam. E não se uniram precisamente porque ante à impossibilidade de ter uma candidatura que faça frente à fortaleza do presidente Morales, do Movimiento ao Socialismo e do processo de mudança, no que a direita apostou é numa estratégia de "desterritorialização”: ganhar a maior quantidade de deputados e senadores, no Oriente, com a presença de Costas – gobernador de Santa Cruz -, no Ocidente, Doria Medina, tratando de disputar sobretudo em La Paz e Oruro, ainda que compartilhando essa briga com o Movimento Sem Medo, de Juan del Granado. Essa estratégia também se vê derrotada porque nas pesquisas de intenção de voto, Evo Morales ganha em todos os departamentos.
A estratégia da unificação saiu derrotada pela impossibilidade de apresentar um candidato forte, alternativo a Evo Morales. E a estratégia da "desterritorialização”, para evitar que o MAS tenha dois terços no parlamento, se antecipa também derrotada. Um exemplo: no departamento de Santa Cruz, que foi epicentro da contrarrevolução, entre 2006 e 2008, a intenção de voto dá a Evo Morales três senadores dos quatro em disputa. E quiçã não termine ganhando os quatro senadores. Com isso se confirmaria que há um momento expansivo territorial, de irradiação do processo de mudança.
Como se configura esse cenário tão favorável a Morales em lugares que, historicamente, têm sido adversos ao processo de mudança? Como se chega a partir da tentativa de secessão da chamada "meia lua” (2008), a esse cenário, com Evo Morales com uma intenção muito alta nas pesquisas?
Em 2008, o processo de mudança obteve uma vitória. Foi quando se tentou dividir o país em dois. Houve uma batalha, a oposição de direita apostou no tudo ou nada no Massacre de Pando. E, contrariamente ao que haviam planejado a Embaixada dos Estados Unidos e a ultradireita boliviana foram derrotados, primeiro em Pando e logo no resto dos departamentos da "meia lua”: Santa Cruz, Beni, Tarija e Sucre. E essa vitória política se traduz já em uma vitória eleitoral em dezembro de 2009, quanto Evo Morales já cresce no Oriente boliviano.
Entre 2009 e 2014, ocorreu o momento da construção material das bases da revolução. O que seria o "momento econômico”: o que Evo Morales faz é avançar, sob uma forte liderança estatal, um modelo econômico que termina convencendo os setores da burguesia crucenha, de que não haviam ganhado tanto dinheiro como até agora – a pesar das políticas de redistribuição da riqueza que se leva adiante no país. Então, ocorre, e isso não é visto como algo mau, uma quebra entre o comportamento político e econômico dessa burguesia que, até esse momento, era um só. Politicamente, perdem o poder em 2008, ainda que se mantenham fazendo negócios. Isso é parte de uma revolução que é preciso ver como um processo. O que têm visto esses setores de Santa Cruz, oligárquicos, burgueses, é a impossibilidade de derrotar o Estado Plurinacional e, portanto, tentam submeter-se a ele da melhor forma.
É insuficiente dizer isso, se não assinalamos um dado adicional, que eu creio que é o mais importante: a derrota política e eleitoral da direita de Santa Cruz se traduz na ruptura simbólica, política, ideológica da imensa maioria do povo crucenho que, até antes dessa derrota, era preso do terror da expansão do que eles chamavam de "o projeto kolla”. Esse processo de expansão do processo – que não é kolla, mas que foi `vendido` dessa maneira pelos dirigentes da direita crucenha – terminou diluindo esse temor na medida em que Evo Morales demonstrava com fatos, com presença política, com capacidade de articulação, que estava construindo uma pátria para todos – e em especial para os mais humildes. A demonstração mais importante disso tem a ver com um fato: a decisão dos trabalhadores para que a Central Operária Boliviana se incorpore ao processo parte do departamento de Santa Cruz. Não surge das minas no Ocidente, nem da cidade de La Paz. Isso demonstra a capacidade de irradiação que tem o processo hoje.
Quais são as propostas do MAS para o novo período de governo? ¿Qual é o discurso preponderante do binômio Morales-García Linera?
Eu diria que, políticamente, se pleiteia uma mensagem de construção da pátria para todos. Ou seja, de incorporação desordenada daqueles que faziam oposição ao governo e, portanto, de construção de hegemonia. García Linera o definiu da seguinte maneira: os derrotamos, os incorporamos desordenadamente ao processo, mas não para perder a orientação geral. Incorporamo-los sabendo que há um projeto que está em andamento, que pleiteia a superação do neoliberalismo. Esse é o discurso: a construção de uma pátria para todos, com direção indígena, campesina, operária e popular. Uma pátria para todos com o horizonte de transcender o neoliberalismo e o capitalismo.
A essa proposta discursiva se somaram duas propostas grandes: uma para o ano de 2025, e uma intermediária, que é a proposta para o ano de 2020. E tem a ver com a superação da extrema pobreza, com o acesso universal a todos os serviços básicos – incluindo telefonia, Internet, televisão digital –, com a segurança alimentar, com a industrialização – não só dos recursos que provêm do gás e do petróleo, mas também dos recursos naturais renováveis –, e com a aposta na produção de conhecimento. Em definitivo: é passar para um momento expansivo da revolução, na qual se vão articulando as tarefas políticas, econômicas, sociais e as tarefas da hegemonia cultural.

Juan Manuel Karg

Licenciado em Ciência Política Universidad de Buenos Aires (UBA). Investigador Centro Cultural de la Cooperación. Buenos Aires, Argentina
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