As manifestações de ontem disseram que isso, ninguém vai conseguir tirar dos brasileiros.
Não queremos mais ser o país do acordão.
O acordo costurado por um grupo de cavalheiros a portas fechadas cheira tanto a mofo que começou a ruir poucas horas depois, e por obra não daqueles que estavam nas ruas, mas do Bolsonarismo. No mesmo dia, o líder do PL, Sóstenes Cavalcante, tuitou que a dosimetria de penas é prerrogativa do Judiciário. “Ou aprova a anistia ou Paulinho pede para sair”, disse à Andréia Sadi, da Globonews. Bolsonaro e seus filhos já deixaram claro que não querem “anistia light”. Eduardo e Flávio Bolsonaro foram pelo mesmo caminho em manifestações nos dias seguintes. Querem anistia ampla, geral e irrestrita pra todo mundo, inclusive para o ex-presidente.
E isso, segundo o relator, está fora de cogitação. “Anistia ampla, geral e irrestrita não existe mais”, disse. O grito que ecoou das ruas ontem aponta a mesma coisa. Embora o campo bolsonarista tente minimizar o recado, ele é eloquente: em um ano em que o Brasil venceu o Oscar pela primeira vez, Chicos, Caetanos, Gils, Rubens Paivas, Herzogs, Teles, Merlinos, ainda estão aqui.
Pesa, contra o autointitulado grande “pacificador” nacional, Michel Temer, o fato indiscutível que os últimos acordões forjados por ele foram retumbantes fracassos.
A começar pelo famoso acordão “com Supremo com tudo” para “estancar a sangria da Lava Jato”. Naqueles idos de 2016, a oferenda no altar do sacrifício foi a presidente Dilma Rousseff, empurrada pra fora da cadeira por um conluio feio que deveria levar o vice, Temer, à glória por unir a todos em um caminho rumo à estabilidade. Virou um peso morto, presidente com uma das piores popularidades da história, chegando a 6% de aprovação e 74% de reprovação – menos, aliás, que a própria Dilma. De quebra, deu espaço para a ascensão de Jair Bolsonaro, eleito, vale lembrar, apenas por que Lula estava na cadeia – mais um aspecto daquele acordão.
Um ciclo eleitoral depois, Lula é presidente do Brasil, Dilma Rousseff preside o banco do Brics e o governo petista ainda lidera todos os cenários eleitorais para 2026.
Também outro acordão de Temer da mesma época deu tremendamente errado. Relatei no meu livro Dano Colateral (ed. Objetiva) como ele se reuniu, ainda na condição de vice, com o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, na casa daquele, numa conversa que o próprio Temer descreveu como “uma conversa política muito agradável”. “Neste jantar em particular, aceitei um convite muito gentil do general Villas Bôas, tivemos uma boa prosa”, relatou ele, segundo o livro A Escolha, que descreve o jantar como “um ambiente de concórdia e de defesa do país”.
Temer ganhou o apoio da cúpula do Exército, transformou o general Sérgio Etchegoyen, amigo pessoal de Villas Boas, no seu ministro-forte e deu a secretaria de segurança do Rio aos militares – o interventor foi, vale lembrar, o General Barga Netto. Ali, Michel Temer construiu com esmero o ninho de onde sairia a serpente da tentativa de Golpe Militar de 8 de janeiro. (A esposa de Villas Boas sendo, como sabemos, uma das que visitava o acampamento golpista em frente ao QG do Exército em Brasília.)
Há ainda outros acordões de Temer que talvez levemos tempo para entender. Por exemplo. O ex-presidente foi contratado pelo Google para ajudar a enterrar a tentativa de regular as Big Techs com o PL das Fake News em 2023, mas também “para que ele atuasse intermediando diálogos em todos esses processos” – no STF e no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) – nos quais os executivos do Google eram investigados por abuso de poder econômico para frear a votação do PL. A revelação é das jornalistas Juliana Dal Piva e Luiza Souto no especial A mão Invisível das Big Techs.
Não se encontra um parecer de Temer no processo. Mas tanto a investigação do STF quanto do Cade contra o Google e demais Big Techs foram arquivadas. E nem por isso o Brasil deixou de tentar regular as Big Techs. Prova disso é a aprovação do PL da Adultização no final de agosto, e o envio na semana passada do projeto de lei para regulação concorrencial das Big Techs de competição pelo governo Lula ao Congresso. Pacificação? Nenhuma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário