terça-feira, 26 de maio de 2020

Fala de Bolsonaro obriga a perícia do seu celular, por Marcelo Auler

Bolsonaro confessou que lhe vazaram uma operação policial. Exatamente o que o Inq. 4831 pretende descobrir se ocorreu entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais de 2018
Na Porta do Palácio, Bolsonaro disse que não entregará celular para perícia (Foto: Reprodução Redes Sociais)
em seu blog
“Informação pessoal? É um colega de vocês da imprensa, é um sargento no Batalhão de Operações Especiais no Rio, é um capitão do Exército, é um policial civil em Manaus, é um amigo que eu fiz que gosta de informações, liga pra mim, mantem contato no zap”. (Jair Bolsonaro)
Mais do que qualquer argumento utilizado pelo ex-ministro Sérgio Moro sobre o interesse do presidente Jair Bolsonaro em interferir na Polícia Federal, a própria declaração do presidente da República, na noite de sexta-feira (22/05), na porta do Palácio do Planalto, justifica o que o general Augusto Heleno classificou como uma “afronta à autoridade máxima do Poder Executivo”, ou seja, a apreensão e perícia no celular utilizado pelo presidente.
Esta declaração, associada ao discurso feito pelo presidente na fatídica reunião ministerial de 22 de abril – “o meu [sistema de informações] particular funciona” – e ainda a sua defesa veemente de armar a população – “Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme!” – evidenciam que a família Bolsonaro monta uma milícia. É uma ameaça concreta ao Estado Democrático de Direito.
Ou seja, Bolsonaro confessou que lhe vazaram uma operação policial. Exatamente o que o Inq. 4831 pretende descobrir se ocorreu entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais de 2018, como delatou Paulo Marinho na entrevista à Monica Bérgamo, da Folha de S.Paulo.
A perícia dos celulares do presidente, de seu filho 02, o Carluxo, do próprio Moro, do ex-diretor-geral do DPF, Maurício Valeixo, e da deputada federal Carla Zambelli Salgado, foi solicitada através de duas notícias-crimes impetradas junto ao STF. Uma delas é de autoria da presidente do PT, Gleisi Hoffmann. A outra é assinada conjuntamente pelos presidentes do PSB, Carlos Roberto Siqueira de Barros, do PDT, Carlos Roberto Lupi, e do PV, José Luiz de França Penna.
As duas notícias-crimes tiveram por base as acusações feitas por Moro contra o presidente. Na sexta-feira (22/05), o ministro Celso de Mello encaminhou tais pedidos para a apreciação de Augusto Aras, procurador-geral da República, a quem cabe a decisão a respeito.
Tal como narramos na reportagem Celso de Mello aplica um xeque-mate em Aras, muito embora o decano do STF não tenha determinado tais apreensões, no decorrer de seu ofício ele deixa claro que isso pode ser feito. No seu entendimento, “o Ministério Público e a Polícia Judiciária, sendo destinatários de comunicações ou de revelações de práticas criminosas, não podem eximir-se de apurar a efetiva ocorrência dos ilícitos penais noticiados”.
Indo além, mas ainda se referindo às denúncias sobre a as pretensões de Bolsonaro em interferir na Polícia Federal – o que tem ficado claro por fatos diversos, independentemente de não ter sido explicitado na fatídica reunião ministerial como disse Moro – Celso de Mello apontou como obrigação do MPF e da PF a apuração de fatos suspeitos que lhes são informados. No despacho, expôs:
“Transmitido às autoridades públicas o conhecimento de suposta prática delituosa perseguível mediante ação penal pública incondicionada, a elas incumbe, por dever de ofício, promover a concernente apuração da materialidade e da autoria dos fatos e eventos alegadamente transgressores do ordenamento penal”.
Se as denúncias de Moro não forem suficientes para que Aras acate o pedido de periciar o celular do presidente, as declarações de Bolsonaro indicam que este caminho é mais do que necessário. Afinal, como ele confessou, é pelo WhatsApp que recebe os informes da sua “rede particular” de informantes.
O discurso de Bolsonaro na reunião ministerial e suas declarações na porta do palácio indicam sim, que ele e seus filhos alimentam e são alimentados por uma rede de milicianos espalhadas pelo Brasil. Certamente os mesmo para os quais ele gostaria de liberar munição, como pediu aos ministros da Justiça e da defesa naquele fatídico encontro ministerial.
Augusto Aras (Foto: Rolsini Coutinho SCO/STF)
Algo que pode caracterizar um crime até de proporções maiores que a interferência de um presidente na gestão (ou nas investigações) da Polícia Federal, por si só gravíssimo.
Já a organização e manutenção de milícia, ainda por cima armada, precisa ser encarada como uma ameaça ao Estado Democrático de Direito.
Portanto, esse possível crime não pode ser desconhecido por Aras ou pela delegada federal Christiane Correa Machado, chefe do Serviço de Inquéritos da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal (SINQ/DICOR/DPF), encarregada da investigação. Afinal, como o próprio decano deixou claro no encaminhamento dos pedidos a Aras, autoridades não podem se omitir diante de uma informação de possível crime:
“Ao tomar conhecimento de notícia de crime de ação penal pública incondicionada, a autoridade policial é obrigada a agir de ofício, independentemente de provocação da vítima e/ou qualquer outra pessoa. Deve, pois, instaurar o inquérito policial de ofício, nos exatos termos do art. 5º, I, do CPP, procedendo, então, às diligências investigatórias no sentido de obter elementos de informação quanto à infração penal e sua autoria. Para a instauração do inquérito policial, basta a notícia de fato formalmente típico (…)” [grifos do original do ministro].
A perícia não deve se limitar aos celulares de Bolsonaro. Será necessária também nos aparelhos de Moro, do ex-diretor do DPF, Valeixo e da deputada Carla, que trocou mensagens sobre este assunto com quase todos envolvidos.
Nem se alegue que o ex-ministro já forneceu informações a respeito. Na verdade, ele as tem repassado à imprensa, bem ao seu feitio; a conta-gotas, escolhendo a quem entrega. Como um dos investigados – situação em que ele se encontra no inquérito –, não lhe é dado o direito de decidir o que deve ou não se informado à Polícia Federal. Esta é que deve captar o que encontrar, analisar cada troca de mensagens e descartar o que não tiver relação com a investigação. Seja no aparelho do ex-ministro, do presidente ou de quem mais estiver sob o foco da investigação.
Bolsonaro, na sexta-feira, em entrevista ao programa “Os Pingos nos Is”, da rádio Jovem Pan, declarou que “jamais entregaria um celular numa situação dessa. Só se fosse um rato para entregar o telefone”. Não deve passar de bravata.

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