Congresso
Há esperança para a reforma política?
Não há consenso ou clima para realizar mudanças no sistema político-eleitoral brasileiro
por Rodrigo Martins
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publicado
04/03/2015 04:38
Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
As denúncias contra políticos na Lava Jato turvam o
ambiente de discussão. na imagem, o presidente da Câmara dos Deputados
Eduardo Cunha
Passado o Carnaval, a reforma política retornou
à pauta na Câmara dos Deputados. A comissão especial dedicada ao tema
realizou na terça-feira 24 a primeira reunião do colegiado. O cenário
não poderia ser, porém, mais adverso à formação de consensos, pois logo a
Procuradoria-Geral da República deve divulgar a lista de
políticos denunciados ou alvos de investigação na Operação Lava Jato,
que apura a corrupção na Petrobras e outras empresas. Fragilizado pelo
escândalo e pelos resultados medíocres da economia, o governo federal
tenta recompor sua base de apoio após a rebelião que resultou na eleição
do peemedebista Eduardo Cunha, líder de fato da oposição, para a
presidência da Câmara.
Tão logo assumiu o cargo, Cunha autorizou
uma nova CPI da Petrobras e tirou da gaveta uma proposta de reforma
política contrária àquela defendida por Dilma Rousseff e pelo PT. Não
satisfeito, indicou um parlamentar da oposição para assumir a
presidência da comissão: Rodrigo Maia, do DEM. A relatoria foi confiada
ao peemedebista Marcelo Castro, às voltas com uma denúncia de compra de
votos ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral do Piauí.
“Não existe consenso em torno de nenhuma
proposta, por isso há uma relativa certeza de que nada de substancial
deve sair dessa reforma”, prevê o cientista político Claudio Couto,
professor da Fundação Getulio Vargas. A PEC 352/13, reavivada por Cunha,
prevê um sistema misto de financiamento de campanhas políticas, com
recursos públicos e privados, incluídas as doações empresariais.
Pretende ainda acabar com a reeleição para cargos executivos e unificar
as eleições municipais, estaduais e ao governo federal, além de
transformar o voto obrigatório em facultativo. Nenhuma dessas
iniciativas é bem recebida pelo Planalto, que luta para assegurar ao
menos a proibição das doações empresariais, descrita como uma vacina
contra a corrupção.
Neste quesito, o
governo tem o apoio de quase uma centena de organizações da sociedade
civil, incluídas a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e a Ordem
dos Advogados do Brasil. Essas organizações pretendem coletar 1,5 milhão
de assinaturas para um projeto de reforma política de iniciativa
popular que prevê a proibição das doações empresariais e a fixação de um
teto para contribuições de indivíduos. A medida visa diminuir a
influência do poder econômico sobre os governos.
Os críticos argumentam que a proposta
aumentaria os gastos públicos sem garantir o controle do caixa 2 nas
campanhas, mecanismo ilegal e consagrado de financiamento empresarial
das campanhas. Além disso, a oposição queixa-se do fato de o PT ser o
principal beneficiário da medida se não forem alteradas as regras de
distribuição do Fundo Partidário (recebe mais quem elege o maior número
de parlamentares).
“Proibir doações de empresas teria efeito
inócuo se não houvesse um maior rigor na fiscalização e punições
draconianas para as doações ilegais”, pondera Couto. Em 2013, o senador
petista Jorge Viana apresentou projeto que torna crime, com pena de
cinco a dez anos de prisão, o caixa 2 em campanhas. A proposta está
parada na Comissão de Constituição de Justiça do Senado.
Apesar da vontade popular, Couto
identifica problemas na adoção do voto facultativo. Em maio do ano
passado, 61% dos brasileiros disseram-se contrários ao voto obrigatório,
segundo o Datafolha. E 57% afirmaram que não votariam nas eleições se
tivessem escolha. “Pesquisas internacionais mostram que as abstenções se
concentram nos setores mais excluídos da sociedade. No caso dos EUA,
hispânicos, negros e pobres comparecem pouco às urnas.”
O filósofo Renato Janine Ribeiro,
professor da Universidade de São Paulo, reconhece o problema, mas
ressalta que a medida seria positiva no futuro. “Não há como negar certo
cheiro de paternalismo na obrigatoriedade. Mas me parece que a maior
parte dos defensores do voto facultativo não pretende deixar de votar.
Eles desejam que os outros, os excluídos, deixem de votar”, afirma.
“Quando houver uma maior cultura política, o cidadão poderá se
responsabilizar pelo voto. Ele não vai votar a menos que tenha convicção
de que aquele projeto vale a pena. Mas essa é uma ambição futura. Não
dá para aplicar agora.”
A coincidência dos mandatos políticos
também é vista com desconfiança pelo filósofo. “Em 2014, tivemos cinco
cargos em disputa, mas a eleição presidencial obscureceu todas as
outras. Mesmo a escolha dos governadores ocorreu sem muito debate. Se
acrescentarmos prefeito e vereador, será uma loteria”, avalia. “Fazer
eleições somente a cada quatro anos diminui a educação política. Temos
curta experiência democrática. O País tem eleições regulares e livres
apenas desde 1986.”
Na avaliação do
cientista político Bruno Speck, da Universidade de Campinas, a falta de
consenso em torno das propostas e o tumultuado cenário no Congresso
inviabiliza qualquer mudança substancial no sistema eleitoral. “Enquanto
o projeto não entrar em votação no Plenário, nem perco tempo de avaliar
as propostas.” Segundo o especialista, a reforma política só deve sair
do plano dos discursos quando o Supremo Tribunal Federal terminar de
avaliar uma ação sobre a constitucionalidade das contribuições
empresariais a partidos políticos.
A maioria dos ministros da Corte votou
pela proibição das doações em abril de 2014. O julgamento foi, porém,
interrompido quando o placar estava em 6 a 1 por um pedido de vistas de
Gilmar Mendes. A partir daí, o processo está nas mãos do juiz. “Se o STF
decidir pela proibição do financiamento empresarial, o atual modelo
estará derrubado e será preciso inventar um novo. Cerca de 80% dos
recursos disponíveis para campanha atualmente vêm do setor privado, e o
Congresso será forçado a reagir. Aí a reforma pode sair do papel, só não
sabemos qual.”
*Uma versão desta reportagem foi publicada na edição 838 de CartaCapital, com o título "Cabeça de leão, patas de bode"
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