sábado, 30 de agosto de 2014

Pacino é dose... dupla

O ator acostumado a ser ele mesmo apresenta dois bons trabalhos, embora um possa anular o outro, em programa que também inclui diretor pouco inspirado com elenco estelar
por Orlando Margarido — publicado 30/08/2014 13:45
Al Pacino é.. Al Pacino. Quem viu seus últimos papéis no cinema sabe que ele se tornou uma espécie de caricatura de si mesmo. É da sua geração, ao menos parte dela, ter buscado a renovação ou ter se acomodado, e ele e De Niro, por exemplo, preferiram a segunda via. Há exceção, que mesmo Veneza mostrou há dois anos com a Salomé de Oscar Wilde, dirigido pelo ator e com ele no papel de Herodes. Antes Pacino também interpretou um bom Mercador de Veneza. Outra representação sua de Shakespeare comparece agora, mas embutida no filme de Barry Levinson, The Humbling. Não conheço o livro de Philip Roth, que saiu no Brasil como A Humilhação, e serve de inspiração aberta ao diretor. Digo aberta porque difícil imaginar o tom cômico, divertido e não ironico como costuma ser com este escritor, com que trata a história de ator em crise (Pacino claro) que tem um apagão no palco, machuca a coluna, e se recusa a voltar a carreira, isolando se no interior de Nova York. Isso até que encontra uma jovem com idade para ser sua filha (Greta Gerwig) e se envolve com ela, antes lésbica, num relacionamento que o tira da rota do suicídio e o devolve ao palco numa montagem de Rei Lear. A diferença de idade, as questões de sexualidade que se interpõem entre o casal geram situações de limite hilárias. Pacino está ótimo, mas não sem os trejeitos um tanto recorrentes de quem há quase duas décadas fez um Ricardo III memorável no pressuposto da deficiência física. Vale lembrar ainda que a trilha sonora, que gosto clássico, com variáveis do Bolero de Ravel, por exemplo, é de Marcelo Zarvos, brasileiro radicado nos Estados Unidos.
Acontece que ao filme de Levinson, fora da competição, veio se juntar nesta manhã Manglehorn, este sim da seção competitiva, com direção de David Gordon Green. E mais Pacino!  Há aproximações possíveis entre o ator decaído e o chaveiro que escreve cartas com obsessão a uma mulher por quem foi apaixonado no passado e perdeu a grande chance. Enquanto vê as cartas serem devolvidas uma a uma, com endereço não encontrado, toca mal sua solidão dedicando se a uma gata, tendo encontros ríspidos com o único filho e sendo rude com quem tenta se aproximar, como a atendente do banco (Holly Hunter). Aqui também a debacle física se apresenta, um pouco menos, e a vontade de se aproximar da morte é igualmente presente. Curioso aproximar os dois personagens, no entanto, pelo que os distingue. O premiado intérprete se dá conta que não é, afinal, um ser tão superior como o ofício muitas vezes leva a crer. Seu suposto respeito conquistado não o protege mais. No caso do homem mais ordinário, como prefere Gordon Green em seu cinema, o complicador está em conseguir lidar com a humanidade, já que com os animais, relatam alguns personagens, ele sempre teve uma magia especial. Há um toque do fantástico que agradava Green em Prince Avalance e Joe, o primeiro premiado em Berlim, o segundo também concorrente aqui no ano passado. Em ambos os filmes temos uma performance digna de Pacino. Mas se é difícil conte-lo em duas entrevistas no mesmo dia, quando tomou do microfone em longas explanações sobre carreira, Actors Studio, o quanto detesta usar da palavra depressão, pode-se imaginar o desafio de buscar um registro mais original, fora do automático, de interpretação. Assim funciona, mas poderia ser melhor.
Por outro lado, vimos por aqui esta manhã o que pode ser uma direção pouco inspirada, se tanto correta, num desperdício grave de elenco. Benoit Jacquot pode se considerar um realizador de grande sorte por reunir um elenco feminino com Catherine Deneuve, sua filha Chiara Mastroianni, e uma vedete do cinema cult do momento, Charlotte Gainsbourg, aqui também pela exibição do projeto completo de Lars Von Trier, Ninfomaníaca. Essas mulheres, em especial as duas jovens, gravitam em torno do protagonista masculino Benoit Poelvoorde, também no filme Le Rançon de la Gloire, um fiscal de tributos que se envolve ao acaso numa cidade da Provença com a personagem de Charlotte. Marcam um rendezvous em Paris para selar o comprometimento, mas ele, cardíaco, tem um colapso e não chega a tempo. Charlotte segue com o noivo para os Estados Unidos, e isso será a deixa para em outro acaso o fiscal conhecer a irmã daquela, papel de Chiara. O drama um tanto flácido, sem tempero, e por demais imaturo para tais personagens adultos, não escorrega de todo, até mesmo em parte pela personagem pequena, mas ao menos de sutilezas, de Deneuve, a mãe das jovens que trata da cozinha como um modo de saber o que se passa em volta. Filme banal para uma competição, que ainda não apresentou uma aposta segura para o final.

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