sábado, 30 de agosto de 2014

O jeito de ensinar

Fico pensando no drama daqueles meus velhos mestres, olhando uma horda selvagem como éramos nós (eu não!) aprontando sem parar
//Por Braulio Tavares
Quando fiz o ginásio, que é mais ou menos o que se chama hoje de 2º grau, a primeira coisa que me fascinou foi o fato de haver um professor para cada matéria. Antes disso, no curso primário (entre os 7 e os 10 anos, mais ou menos) era uma professora, sempre uma mulher, que cuidava da turma do primeiro ao último dia de aula. No 1º ano do ginásio, já não era mais assim: surgiram o professor de Matemática, a professora de Geografia, o professor de Ciências, a professora de História... Por alguma razão isso me pareceu uma coisa boa. Em cada assunto tinha alguém capaz de explicar especificamente aquilo. O mundo ficou mais nítido. Entre os mil prismas da vida, aqueles ali, polidos dia após dia, foram se tornando cada vez mais visíveis, mais diferenciados.
 
Fico pensando hoje no drama daqueles meus velhos mestres, olhando uma horda selvagem como éramos nós (eu não!) – uma galé de meliantes, um ateneu de doidinhos, aprontando sem parar. No tempo em que fiz o ginásio as turmas não tinham a mesma faixa etária, como hoje. Estudei em muitas classes que eram dominadas por grupos de alunos com 18 ou 20 anos, enquanto três quartos da turma (eu, entre eles) tinham 11 ou 12 anos.  Os mais velhos eram mais fortes, mais espertos, mais vividos. Sentavam na “carteira” ao lado da nossa, e tanto podiam se tornar amigos e protetores como podiam virar perseguidores sem quartel. 
 
Do ponto de vista de alguns dos professores (só percebo isso agora!) a tarefa consistia em ensinar os mais novos sem permitir que os mais velhos desviassem a nau da disciplina rumo aos rochedos da baderna. O que aprendíamos era quase um efeito colateral das polêmicas intermináveis contra o barulho de A ou a bagunça de B.  
 
Como eles conseguiam ensinar? Não sei. Tem professor que apela para a magia do “agora eu vou contar uma história”, e funciona. Tem professor que diz: “De agora em diante, atenção, tudo cai na prova”, e funciona. Tem professor que faz teatro, faz retórica, faz psicodrama, mas consegue passar em uma hora uma ideia do que foi a descoberta da América ou a Segunda Guerra Mundial, e funciona. Tem professor que cumpre a missão mais impossível no tempo mais precário e nas condições mais hostis, mas não pode subir a nenhum pódio porque não tinha máquina nenhuma acompanhando, entidade nenhuma registrando, patrocinador nenhum investindo para mostrar do que ele é capaz.
 
Publicado na edição 60, de agosto de 2014 

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