sábado, 31 de agosto de 2024

VICE DE PAULINHO FREIRE, CANDIDATO A PREFEITO DE NATAL, PARTICIPOU DO ORÇAMENTO SECRETO

 UM DOS MAIORES ESCÂNDALOS  NA  ERA BOLSONARO, O FAMOSO" ORÇAMENTO SECRETO" COMANDADO POR ARTUR LIRA, TEM  NA SUA LISTA  DUAS  ILUSTRES FIGURAS DA POLITCA DO ESTADO, O PREFEITO DE SÃO TOMÉ QUE NA ÉPOCA RECEBEU NA CATEGORIA DE "USUÁRIO EXTERNO" A BAGATELA DE 40 MILHÕES QUE ATÉ A PRESENTE DATA NÃO EXEPLICOU O DESTINO DESTES RECURSOS.

E A OUTRA FIGURA É JOANA GUERRA, CANDIDATA A VICE PREFEITA NA CHAPA DE PAULO FREIRE QUE CONCORRE A PREFEITURA DE NATAL.

QUAL O MOTIVO DESTA PUBLICAÇÃO? É QUE POR ACASO VENDO NA TV   A PROPAGANDA DO CANDIDATO FALANDO DAS SUAS VIRTUDES, OLHEI EM LETRAS MENORES O NOME DE JOANA GUERRA PARA VICE, LEMBREI QUE RECENTEMENTE CIRCULOU LISTA COM OS 10 MAIORES BENEFICIÁRIOS DO ORÇAMENTO SECRETO, E LÁ ESTAVA JOANA GUERRA EM QUINTO LUGAR RECEBENDO 50 MILHOES, NA CATEGORIA DE "USUÁRIO EXTERNO", ASSIM COMO EM RELAÇÃO AO  PREFEITO DE SÃO  TOMÉ, GOSTARIA DE SABER O QUE A CANDIDATA  A VICE DE PAULO FREIRE FEZ COM ESTES RECURSOS, LEMBRANDO QUE O PRFEITO ALVARO DIAS ESTÁ NA MESMA PANELA.

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

OPOSIÇÃO FAZ MOVIMENTAÇÃO NO CENTRO DE SÃO TOMÉ

 NESTE SÁBADO PASSADO(24/08) A CANDIDATA A PREFEITA PELA COLIGAÇÃO (PSDB/PT/MDB), KANKIKA  E CORRELIGIONÁRIOS FIZERAM UMA MOVIMENTAÇÃO NO CENTRO DA CIDADE, COLOCANDO PARA A POPULAÇÃO  UMA ALERNATIVA AO CONTINUISMO DE GESTÕES QUE LEVARAM A CIDADE  DE SÃO TOMÉ A UMA SITUAÇÃO DE PENÚRIA, COM UMA EDUCAÇÃO E UMA  SAÚDE  CAOTICAS, NADA COMPARADO AOS OUTROS GRUPOS QUE COMANDARAM A  CIDADE.

ESTAMOS EM  UMA  VERDADEIRA SITUAÇÃO DE RETROCESSO TREMENDO DA SITUAÇÃO DE QUEM MORA OU DEPENDE DE UM MEIO DE VIDA PARA CONTINUAR.

É MAIS QUE URGENTE UMA MUDANÇA DE  GOVERNANÇA NA CIDADE.

terça-feira, 27 de agosto de 2024

PREFEITO DE SÃO TOMÉ/RN É ENTREVITADO POR AUTOR DE PESQUISA MANDRAKE EM SÃO TOMÉ

 FUI SURPREENDIDO PELA NOTICIA QUE O PREFEITO DE SÃO TOMÉ ESTAVA SENDO ENTREVISTADO  POR INTEGRANTES DA  RÁDIO 96 FM, NA NOITE DE ONTEM, E UM DOS ENTREVISTADORES ERA O AUTOR DA PESQUISA MANDRAKE QUE FOI REALIZADA NA CIDADE, PESQUISA ESTA QUE TINHA UM GUIA, QUE LEVAVA O ENTREVISTADOR PARA 

PARA AS CASAS DO MORADORES, E QUE CIRCULA NA CIDADE QUE ESTE GUIA SÓ LEVAVA O ENTREVISTADOR PARA OS SEGUIDORES DO PREFEITO. A OUTRA QUESTÃO É A´PRÓPRIA CONFIABILIDADE DE ÓRGÃO DE PESQUISA, NÃO VOU USAR O NOME DE INSTITUTO POR ENTENDER QUE NÃO MERECE ESTA ALCUNHA, DADO O SENHOR QUE COLOCA SEU NOME NA PESQUISA, ALGUÉM COM  UM HISTORICO BASTANTE DUVIDOSO.

ENFIM CORROBORANDO COM A OPINIÃO  QUE ESTA PESQUISA FOI UMA ENCOMENDA PARA TENTAR ENGANAR A POPULAÇÃO DE SÃO TOMÉ, POIS ESTA EMPRESA  QUE FAZ ESTA  PESQUISA NÃO MERECE RESPEITO NEM CREDIBILIDADE.

terça-feira, 20 de agosto de 2024

EM BUSCA DE VALMIREIDE; UMA HISTÓRIA DE IMPUNIDADE NA MORTE DA LIDERANÇA PARESI

 Em busca de Valmireide: uma história de impunidade na morte da liderança Paresi
No rastro do assassinato que nunca esqueceu, repórter revela o descaso da Justiça e seu legado para a comunidade

16 de agosto de 2024
04:00
Por Helena Corezomaé
 ESPECIALPROGRAMA DE FORMAÇÃO PARA REPÓRTERES INDÍGENAS
SOCIOAMBIENTAL VIOLÊNCIA
Justiça povos indígenas violência
Em 25 de junho de 2016, estudantes indígenas ocuparam as ruas do centro de Cuiabá. O grupo protestava contra o massacre do povo Guarani-Kaiowá, em Mato Grosso do Sul, e pedia justiça por lideranças mortas em Mato Grosso.

Foi a primeira vez que ouvi falar de Valmireide Zoromará. Em um carro de som, Marta Tipuici, jovem do povo Monoki e estudante de ciências sociais da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), denunciava o assassinato da líder Paresi, em 2009.

A voz de Marta no microfone ecoou na capital do agronegócio. Em alto e bom som, a jovem contou que Valmireide foi morta quando pescava com a família em uma represa, próxima à aldeia, na região de Diamantino.

Manifestação realizada em 2016 chamava atenção sobre mortes de lideranças indígenas

Marta Tipuici e outros jovens cobraram investigação

Marta Tipuici e outros jovens cobraram investigação
Em frente ao Ministério Público Federal (MPF), cobramos a investigação do caso. Como poderia alguém tirar a vida de uma mulher que buscava alimento para família e não ser preso? A dor do povo Paresi se tornou a nossa.

Mas o silêncio do MPF foi a nossa única resposta. Ninguém saiu do prédio, ou sequer olhou pela janela para conferir o que acontecia. Mas, nosso recado estava dado: Valmireide jamais seria esquecida.

JJovens indígenas fizeram manifestação pelas ruas de Cuiabá

Manifestação realizada em 2016, em Cuiabá

Manifestação realizada em 2016, em Cuiabá
Sou do povo Balatiponé, mas carrego também a ancestralidade Paresi e Nambiquara. Naquela manifestação, eu já era jornalista recém-formada pela UFMT e mestranda em antropologia social.

Os outros colegas, que participavam do protesto, também eram estudantes da universidade e entraram na instituição pelo mesmo Programa de Inclusão Indígena, o “Proind Guerreiros da Caneta”. Sem conhecer ninguém da família de Valmireide, não tivemos mais notícias sobre o caso. A esperança de justiça, no entanto, nunca se apagou.

Sete anos depois, em meados de 2023, recebi uma mensagem de Marta: “Adivinha quem conheci?”. Ela estava falando de Kelly Zoromará, a filha de Valmireide. Foi impossível segurar o sorriso. Enfim, poderíamos ter informações sobre a líder Paresi assassinada.

FAÇA PARTE

POR QUE ISSO IMPORTA?
A história do crime e da investigação da morte da liderança do povo Paresi em 2009 revela como se processa a disputa pelo território e o descaso da Justiça de Mato Grosso.
O assassinato foi investigado como crime comum, como acontece muitas vezes em casos de violência contra os indígenas. Mas o matador, que nunca foi julgado, trabalhava para o dono de uma fazenda que já havia tentado despejar a comunidade.

Foto mostra Valmireide em audiência em 2008
Por telefone fiz o primeiro contato com Kelly. Informei que gostaria de saber mais sobre o caso e fazer uma reportagem sobre Valmireide. Ela se disse honrada. Depois de alguns meses, em julho deste ano, fui até o território: a Estação Parecis, que fica entre os municípios de Nova Marilândia e Diamantino, ambos em Mato Grosso. 
Depois de ter passado por Nova Marilândia, percorri alguns quilômetros de carro pela MT-160 e cheguei à BR-364. Já visitei muitas aldeias em Mato Grosso, e do povo Paresi, e imaginei que fosse encontrar um território parecido com os outros, mas lá fui surpreendida com uma realidade muito distinta.

A Estação Parecis fica no entroncamento entre a MT-160 e a BR-364. A aldeia é cortada pela rodovia e cercada por plantações de grãos e armazéns. De primeira, não reconheci a aldeia, mas a oca de palha ao lado da BR foi o sinal de que havia chegado ao local.

Encontrei Kelly na primeira casa. Ela me recepcionou com um longo abraço e me levou para conhecer o território, que a mãe e seus ancestrais tanto lutaram para proteger.

Apesar da existência da portaria declaratória do Ministério da Justiça, desde março de 2016, que reconhece a posse de 2.170 hectares para o povo Haliti-Paresi, eles vivem e utilizam apenas cerca de 300 hectares, segundo Kelly. Ou seja, 14% da área total. O restante, 1.870 hectares, está ocupado por fazendas, o que representa um desafio constante para a preservação do modo de vida tradicional daquela comunidade.
Entrada da aldeia Estação Parecis

Território é cercado por fazendas
Uma realidade muito diferente de outras aldeias de seu povo. A Terra Indígena Paresi, por exemplo, que fica em Tangará da Serra, tem uma área de 563.586,53 hectares.

Até mesmo a produção de grãos em área indígena, em Mato Grosso, ocupa um território maior. Distribuída em cinco terras indígenas – Paresi, Rio Formoso e Utiariti, da etnia Paresi, Irantxe, da etnia Manoki e Tirecatinga, da etnia Nambikwara –, as plantações de soja e milho se estendem por 19.600 hectares.


Segundo as lideranças da comunidade, enquanto os agricultores que ocupam o território continuam a plantar e enriquecer com a terra, eles ficam com o território contaminado por agrotóxicos e não podem nem utilizar o rio da aldeia, devido à impureza da água.

Os familiares de Valmireide ressaltam que a ocupação irregular do território não mudou muito nestes 15 anos desde a morte de Valmireide. Eles lembram que, na época, já havia invasores na aldeia. Foram as ameaças que obrigaram Valmireide e seus filhos a sair da aldeia, por segurança.

Valmireide estava em Nova Marilândia quando recebeu o convite do irmão para ir pescar. Kelly não sabia, mas as trocas de brincadeiras e risadas, antes de a mãe sair de casa, seriam as últimas que elas teriam.
Rio Cágado na Estação Parecis
Kelly não foi para a pescaria, mas os irmãos mais novos, Kesio de Amorim Zoromará e Kleberson José Zoromará, acompanharam a mãe. Ao todo, 13 pessoas da família de Valmireide estavam na represa quando o crime aconteceu. Essa era a terceira noite que eles iam ao local.

Kesio tinha 14 anos na época e nunca esqueceu aquela noite de 9 de janeiro de 2009, a última vez que ele esteve com a mãe. Ele me recebeu em casa e fez um relato emocionado dos acontecimentos, que ainda hoje soam absurdos.

Ele conta que a família foi para a represa, a uns 7 quilômetros da aldeia, em várias motos e todos se acomodaram para pescar. De um lado, estava ele, o irmão e um primo. Já os pais estavam do outro lado da represa, quando foram surpreendidos por um homem que gritou e atirou.

“No momento, achamos que tinha sido um tiro para cima. Depois, ouvimos o segundo tiro. Eu corri, meu primo também. Ficamos escondidos. Meu irmão também estava. Nós achamos que não tinha atingido ninguém. Até que minha mãe gritou que tinha acertado meu pai. Depois, minha tia começou a gritar que tinha atingido minha mãe e meu pai. Todo mundo entrou em desespero.”

Clique aqui para ver o depoimento de Kesio.

A perícia da Polícia Civil mostrou que Valmireide morreu no local, com quatro ferimentos no corpo, ao ser atingida por tiros de uma espingarda.

Valdenir Xavier de Amorim, marido de Valmireide, também foi alvo de vários disparos, mas foi levado para um hospital em Tangará da Serra e sobreviveu.

Kesio conta que seu pai continua com uma bala na cabeça, que não pode ser retirada. “Um braço ele não movimenta muito bem. Na cabeça ficou o chumbo e ele diz que sente dor, e não pode pegar peso”, conta.
Quem matou Valmireide?
Como jornalista e indígena, vi a injustiça e a violência se repetirem em diversos casos, muitos não solucionados, ao longo desses oito anos, mas nunca desisti de saber por que Valmireide foi assassinada sem que ninguém tivesse sido preso pelo crime. Por isso, investigar essa história foi a primeira ideia que me veio à cabeça quando concorri à bolsa do Programa de Formação para Repórteres Indígenas, da Agência Pública.

Ao pesquisar sobre o caso, porém, o que encontrei foi um processo que se arrastou durante anos, sem que o denunciado jamais fosse condenado. Pior: a Justiça demorou tanto a agir que o assassino morreu antes de ser julgado.

Minhas pesquisas trouxeram um retrato da impunidade que continua a vigorar no país quando se trata de crimes contra indígenas. Só no ano passado, pelo menos 208 indígenas foram assassinados no Brasil, conforme o relatório “Violência contra os povos indígenas”, divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Houve aumento de 15% no número de vítimas em comparação com o ano de 2022, quando ocorreram 180 mortes.

A maioria dos crimes ficam impunes e os raros casos em que a Justiça é feita podem demorar anos, com tempo de sobra para os culpados fugirem. Em 2017, por exemplo, o Tribunal de Júri condenou dois homens pelo assassinato de Yamenerá Suruí, de 70 anos, também em Mato Grosso. Detalhe: o crime havia ocorrido em 1988, ou seja, 28 anos antes, e os acusados estavam foragidos.

No caso de Valmireide, o assassino foi identificado rapidamente, como descobri ao ter acesso à denúncia apresentada pelo Ministério Público Estadual de Mato Grosso (MPMT), poucos dias depois do crime. Os tiros foram disparados por Ismael Rosa Lima, gerente da fazenda Boa Sorte, onde ficava a represa.

Para o Ministério Público, Ismael se aproveitou do horário, se posicionou de forma que seria impossível a defesa da vítima e atirou contra Valmireide e o marido, Valdenir. Em seguida, fugiu do local.

Alguns dias depois, em 13 de janeiro de 2009, Ismael se entregou à polícia, na delegacia de Nobres (MT). No interrogatório, ele disse que foi fazer rondas na fazenda, quando viu o rastro de pessoas. Foi até o tanque verificar a situação, mas, segundo seu depoimento, quando se aproximou foi recebido a tiros e, por isso, fez os disparos, sem saber quem eram as pessoas que estavam ali.

Apesar da declaração de Ismael, a investigação da Polícia Civil mostrou que ninguém atirou contra ele. No local, os investigadores encontraram, além de dois cartuchos de espingarda deflagrados por Ismael, um boné e materiais de pesca, que foram usados pelos indígenas.

Ainda assim, dois meses após sua prisão, em 30 de março de 2009, Ismael recebeu um alvará de soltura. No dia seguinte, ele foi libertado e pôde aguardar o julgamento do crime em liberdade.

Segundo a família de Valmireide, ao longo do processo foram realizadas três audiências. E Ismael, assassino confesso, só esteve presente em uma delas. Nada foi feito para obrigá-lo a comparecer; ele permaneceu em liberdade.

O processo ficou praticamente parado durante mais de dez anos. Até que, no dia 18 de fevereiro de 2019, a Vara Criminal de Diamantino (MT) recebeu a informação de que Ismael havia morrido. A ação penal, proposta pelo Ministério Público, foi encerrada em 27 de novembro de 2019, após a extinção da punibilidade do acusado.

Conforme a certidão de óbito, Ismael morava em um sítio em Rosário Oeste (MT), mas morreu aos 47 anos na Policlínica do Verdão, em Cuiabá, devido a um ataque cardíaco.

Ismael deixou uma filha, que preferiu não dar entrevista sobre o caso. Mas me disse em mensagem que lamenta muito pela família de Valmireide e afirmou que todos tiveram perdas: “Ninguém ganha nesta situação”.

A sombra de Sebastião na Estação Parecis
A fazenda Boa Sorte, onde ocorreu o crime, pertencia a Sebastião de Assis, patrão de Ismael e um antigo conhecido dos Paresi. Após a morte de Valmireide, ele foi ouvido pela Polícia Civil e garantiu que nunca ordenou que Ismael atirasse contra as vítimas, mas sua relação com a comunidade sempre foi marcada por conflitos e tensões, o que culminou em uma tentativa de expulsão da população indígena da Estação Parecis, em 1994.

No processo de despejo, Sebastião e Ozenir de Araújo, proprietário da fazenda Dois Irmãos e vereador de Arenápolis, alegaram que os 300 hectares que estavam em posse dos indígenas lhes pertenciam muito antes dos Paresi, que teriam sido levados depois para aquela área.

Uma alegação que não se sustenta historicamente e que vale ser recordada em momento em que congressistas e ruralistas pressionam pelo estabelecimento de um marco temporal, que só reconheceria as terras indígenas que estavam ocupadas em 1988, apesar das expulsões e invasões que ocorreram antes e depois dessa data.

A Estação Parecis foi a primeira linha telegráfica fundada pelo marechal Rondon no início do século 20. O nome escolhido por Rondon foi uma homenagem aos Paresi, que habitavam a região desde tempos imemoriais.

Ainda assim, a remoção foi marcada para uma data emblemática para os povos indígenas, 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, daquele ano de 1994. A ação contaria com o apoio de 200 policiais, intensificando o clima de apreensão e insegurança na comunidade.


Matérias veiculadas na época denunciavam a situação
Em meio à iminente remoção, lideranças Paresi de outras regiões, como Daniel Cabixi, ergueram suas vozes em defesa do território ancestral de seus parentes, enquanto instituições indigenistas se uniram à luta, tecendo uma rede de apoio.

A atuação de instituições como o CIMI, Operação Amazônia Nativa (Opan) e um grupo de estudantes do curso de história da UFMT contribuíram para impedir o despejo da comunidade, que conseguiu permanecer em sua terra.


Valmireide, a neta de João Zoromará
A antropóloga Maria de Fátima Roberto Machado dedicou seus estudos à Estação Parecis, entrevistando figuras como João Zoromará, líder indígena que trabalhou com Rondon.

Através de suas pesquisas, Maria revelou a importância da estação para a história dos Paresi, especialmente os Zoromará, que lutaram para preservar suas terras e cultura mesmo diante das mudanças e desafios impostos pela chegada dos não indígenas.

Após a desativação da estação, João continuou no local que sempre pertenceu ao seu povo. São seus descendentes que vivem até hoje na Estação Parecis. Valmireide é neta de João e, assim como o avô, lutou pela demarcação do território.

“Essa força vem de geração em geração. A minha avó pegou do meu bisavô [João Zoromará]. Já minha mãe pegou da minha avó [Dejair Zoromará]. Ela brigava e lutava muito por esse território”, conta Kelly sobre a mãe, Valmireide.

Clique aqui para ver o depoimento de Kelly.

Seguindo os passos do avô, Valmireide se tornou uma voz essencial na luta pela demarcação da Estação Parecis. Para sua família, a bravura e compromisso da líder com a preservação da terra a colocaram na linha de frente dessa batalha.

“Alguns meses antes de ser morta, ela participou de uma audiência pública em Diamantino. Lá, ela teve um embate com os fazendeiros, questionou muitas coisas e eles não gostaram. Acho que viram ela como uma ameaça. E no pensar deles: ‘Se acabarmos com ela, acabamos com todo mundo. Eles saem dali, repartimos a terra e todo mundo ganha’. Mas foi ao contrário, com a morte dela a gente se fortaleceu mais, voltamos para casa e fomos atrás de nossos direitos”, afirma Kelly.


Kelly Zoromará, filha de Valmireide
Para o povo Paresi, a maior homenagem à memória e luta de Valmireide, 15 anos depois do seu assassinato, é a homologação do território.

“Acho que ela está muito feliz pelo que já conquistamos, de voltar ao território. Mas temos que continuar a luta, por ela e por todos que já se foram”, afirma Kesio Zoromará.

A viagem à terra de Valmireide me permitiu conhecer de perto não só sua história, mas também a resiliência da família Zoromará, que continua a luta incansável por justiça. Esse sentimento é compartilhado pelos jovens que protestaram em Cuiabá. Juntos, lutamos por um futuro onde a justiça seja feita e as terras indígenas sejam devidamente demarcadas e as comunidades possam viver em paz em suas terras ancestrais.


Conheça a autora

Helena Corezomaé

Helena Corezomaé, 34 anos, é indígena do povo Balatiponé (Umutina), jornalista e mestre em antropologia pela Universidade Federal de Mato Grosso. Atualmente, trabalha na TV Centro América, afiliada da TV Globo em Cuiabá. É, ainda, coordenadora da Rede Katahirine, que congrega cineastas indígenas do Brasil.
Edição: Marina Amaral

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

 

O ataque a Moraes e o cheiro de acordão

Os crimes do ex-presidente serão varridos para debaixo do tapete? Não importam as barbáries: as elites tudo perdoam quando trata-se de não perder dinheiro. E o “capitão” pode ser útil: basta uma coleira forte para soltá-lo quando for conveniente…

Foto: Adriano Machado/Reuters
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He may be a son of a bitch, but he’s our son of a bitch” (“ele pode ser um filho da p., mas é nosso filho da p.”). Essa frase teria sido dita em 1939 pelo presidente estadunidense Franklin D. Roosevelt, a respeito de Anastácio Somoza García, ditador sanguinário e corrupto da Nicarágua, que colocou seus filhos no poder e iniciou uma dinastia, só encerrada com a revolução sandinista em 1979.

O ser “nosso” da frase de Roosevelt, para os que sustentam o poder do capital, significa apenas atender a seus interesses de enriquecimento e exploração sem regras. Por sua vez, ser um “filho da p.” significa desrespeitar todas as regras da democracia, da legalidade e dos direitos humanos. Assim, os que detêm o capital ou os que governam em seu nome aceitam tudo, desde que o pronome “nosso” esteja firmemente anteposto aos demais adjetivos.

Nossas elites brasileiras também têm um “son of a bitch” para chamar de seu. Não importa se ele desrespeitou todas as regras da democracia, interferiu em investigações contra seu filho, espionou cidadãos ilegalmente, tentou golpe de Estado, loteou ministérios, distribuiu verbas públicas para comprar deputados, atacou a imprensa e seus profissionais, incitou o ódio, roubou joias do patrimônio do Estado, misturou público com privado e, pior dos crimes, deixou morrer centenas de milhares de brasileiros por não agir na pandemia, estimular medicamentos ineficazes e pregar contra a vacina e as medidas protetivas. Ele mostrou ser “deles”, então nada disso tem importância.

Não há quem negue que o ex-presidente Bolsonaro foi um “filho da p.”. Mas, ouço agora a mídia corporativa, a Faria Lima, as federações de indústrias, agronegócio, bancos, lideranças políticas da antiga direita que se dizia “democrática”, membros da elite do Judiciário e agentes econômicos estrangeiros dizerem por outros meios: “mas é nosso filho da p.”.

Sendo “nosso”, tudo é perdoado. Bandido bom é bandido obediente aos interesses do capital. O cheiro de acordão começa a se espalhar. Não se mata o cão bravo que ataca os inimigos, mesmo quando ele se descontrola: basta uma coleira forte, para soltá-lo apenas no momento oportuno. Se é ruim com ele, é pior sem ele, já que a única alternativa de poder disponível está perto da esquerda.

As matérias da Folha de São Paulo a partir do dia 13 de agosto de 2024, que revelaram mensagens de assessores do Ministro do STF Alexandre de Moraes, deram início ao segundo momento da estratégia da criação das condições para que se deixe de punir a caterva bolsonarista. O primeiro foi a decisão do TCU sobre o caso das joias. Agora é a vez da mídia corporativa. A matéria inicial da Folha, assinada por ninguém menos que Glenn Greenwald, em colaboração com Fábio Serapião, simula uma ilegalidade inexistente nos inquéritos sob responsabilidade de Alexandre de Moraes no TSE e no STF.

As organizações Globo entraram em campo e seguiram o passo, deixando clara a sua visão em editorial do jornal O Globo de 15 de agosto, segundo o qual, haverá um “debate jurídico” para saber se “Moraes agiu corretamente ou se usou o poder de polícia de que dispunha no TSE para dirigir os inquéritos no Supremo contra seus críticos, misturando indevidamente os papéis de investigador, acusador e julgador” (grifo meu).

Veja como o editorial trata os golpistas, milicianos digitais e espalhadores de fake news: como meros “críticos” de Moraes (ou do Supremo, conforme interpretação que se dê ao pronome “seus” do texto). Além disso, a referência à promiscuidade da Lava Jato é explicita, embora o jornal não tenha sugerido nenhum “debate jurídico” para avaliar a conduta de Moro quando à frente da operação, apesar de tantas críticas vindas do meio jurídico.

Logo depois, o editorial revela plenamente a sua intenção: passar panos quentes em tudo o que ocorreu, não punir ninguém e tocar a vida adiante, como se tudo estivesse resolvido. Segundo O Globo, o episódio das mensagens “demonstra mais uma vez a necessidade premente de o Judiciário abandonar seu ímpeto combativo e adotar uma postura de comedimento em suas ações, de modo a resgatar o clima de normalidade no país”.

Porém, o “clima de normalidade no país” se estabeleceu justamente pelas ações do ministro Alexandre de Moraes. O comedimento que a Globo jamais pediu ao Judiciário na punição sem provas de Lula e na perseguição ilegal da Lava Jato é conclamado agora quando os que estão sob a mira da Justiça são os que tentaram tirar o país da normalidade por meio de um golpe de Estado. E tudo à luz do dia, com provas produzidas pelos próprios delinquentes e amplamente disponíveis nas redes sociais.

O editorial, então, conclui com um recado a Moraes: “o momento agora é outro — e ele, mais que ninguém, deveria entender isso.” Que outro momento seria esse? O momento de deixar impunes e sempre às ordens os “nossos filhos da p.” e concentrar as baterias novamente contra o governo de Lula?

Não é possível confiar em quem tem dinheiro a perder. Frentes amplas para objetivos específicos são necessárias. Mas não se pode apostar todas as fichas em sua manutenção quando interesses econômicos e de poder estão em jogo. Não podemos relaxar e confiar no sistema do capital só porque, em algum momento, seus interesses se cruzaram com os nossos. Mídia e Judiciário sempre fizeram parte da estrutura capitalista de poder.

O caminho é destruir o sistema, organizando e educando politicamente a sociedade, para conquistar o Estado ao mesmo tempo em que se conquista a sociedade civil. Gramsci nos ensinou isso, mas quem usa as suas ideias, paradoxalmente, é a direita. Os partidos de esquerda e os movimentos sociais precisam retomar essa práxis.

Mesmo que o acordão não saia e que Bolsonaro e seus comparsas venham a puxar cadeia, só os seus sinais já nos ensinam a lição. Lembremos que o legado do “son of a bitch” de Roosevelt só se encerrou com a revolução sandinista, que conseguiu unir organização de base com tomada do poder.

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14 de agosto de 2024
12:00
Por Bianca Muniz, Bruno Fonseca, Rafael Oliveira
 ESPECIALCLIMA DAS ELEIÇÕES
CLIMA PODER
Clima das Eleições desmatamento Ibama política

Destruir centenas de hectares de Floresta Amazônica nativa. Explorar madeira de espécies protegidas por lei. Desmatar a Caatinga. Minerar basalto sem licença. Essas são algumas das infrações ambientais cometidas por políticos que foram eleitos prefeitos de cidades brasileiras nas últimas eleições.

Segundo um levantamento exclusivo feito pela Agência Pública, 69 prefeitos que foram escolhidos para comandar municípios em 2020 têm juntos quase R$ 35 milhões em multas aplicadas nos últimos dez anos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Apenas 0,1% dessas multas foram quitadas, e cerca de 45% das autuações foram feitas após as eleições municipais de 2020, com os prefeitos já ocupando o cargo.

Desses prefeitos multados, ao menos 24 tentam a reeleição neste ano.

É este o caso de José Antônio Dubiella (MDB), que comanda o município de Feliz Natal, no Mato Grosso, município que teve 99 km2 desmatados em 2023, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – maior valor da última década. Sozinho, o prefeito tem mais de R$ 3,3 milhões em multas e já anunciou que irá disputar a reeleição. Dubiella é o candidato à reeleição com mais multas entre os presentes no levantamento: foram seis nos últimos dez anos. Até hoje, ele não pagou nenhuma delas.

O histórico de Dubiella com crimes ambientais é longo. Sócio-administrador da Madeireira Vinícius, ele foi autuado em 2015, no município de Nova Ubiratã, por danificar mais de 260 hectares de floresta amazônica sem autorização e por ter no depósito madeiras de espécies protegidas, como itaúba, cedro e sucupira. As duas autuações geraram multas de R$ 1,3 milhão.

No ano seguinte, em outubro de 2016, ele foi preso pela Polícia Civil de Mato Grosso por portar uma arma de fogo irregular. Na época, os policiais cumpriam mandados de busca e apreensão na sua madeireira. Além da arma, uma espingarda, o político foi pego com carne congelada de paca e veado.

Em 2017, vieram novas infrações. Dessa vez, Dubiella foi autuado por destruir quase 250 hectares de floresta amazônica na fazenda Chaparral, em Nova Ubiratã; outros 74 hectares em Feliz Natal; e por explorar madeira de espécies protegidas sem aprovação do órgão ambiental. Essas três infrações geraram R$ 1,7 milhão em multas.

Em 2022, já ocupando a cadeira de prefeito de Feliz Natal, Dubiella foi novamente autuado. Dessa vez por descumprir um embargo que proibia a utilização do solo na área da fazenda Chaparral, que gerou a multa de 2017. O valor da infração foi de R$ 220 mil.

FAÇA PARTE
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No ano passado, em maio, Dubiella voltou a ser alvo da polícia. Novos mandados de busca e apreensão miraram a madeireira do político em uma operação contra desmatamento e a extração ilegal de madeira. A operação Ronuro – nome do rio que corta a região e é afluente do Xingu e de uma unidade de conservação estadual – mirou Dubiella e o seu vice-prefeito, Antônio Alves da Costa (PDT), que também atua no setor.

Segundo a polícia, os políticos estariam burlando a fiscalização para realizar comércio ilegal de madeira, praticando crime ambiental e sonegação de impostos. Costa chegou a ser preso. Novamente, a polícia encontrou armas e munições sem registro nas madeireiras do prefeito.


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A reportagem procurou Dubiella, que não se manifestou até a publicação desta reportagem.

A falta de pagamento das multas é considerada um gargalo na fiscalização ambiental e depende da contratação de técnicos para avançar, aponta Roberta Graf, presidente da Associação de Servidores do Ibama e ICMBio no Acre, que atua com instrução de multas. “Existe uma carência enorme de servidores. A lavratura do auto é só um dos pontos. Desde antes, durante e depois, tem toda a investigação, coleta de provas, a instrução e, então, o julgamento”, explica a analista ambiental.

Na visão de Graf, houve avanços na área nos últimos anos, mas uma melhora mais significativa depende também de esforços do Ministério Público Federal (MPF) e de órgãos como a Equipe Nacional de Cobrança (Enac), que é ligada à Advocacia-Geral da União (AGU).

Ao longo de 2024, a categoria de servidores de órgãos ambientais federais pleiteou junto ao governo federal uma série de melhorias na carreira, incluindo aumento salarial, contratações e melhores condições para a realização do trabalho de fiscalização e para a instrução e julgamento das infrações. A greve parcial instituída pelos servidores fez com que os autos de infração caíssem significativamente, como relatou a Pública.

Nos últimos dias, a associação nacional que representa a categoria orientou que a greve seja finalizada após acordo com o governo, em termos bem inferiores aos pleiteados, por conta do prazo para o orçamento de 2025.

Veja se o prefeito da sua cidade tem multas ambientais


A Flourish table
No agreste alagoano, apoiador de Lira foi multado por desmatar Caatinga
Está em Alagoas a maior quantidade de prefeitos eleitos em 2020 que têm multas ambientais. São dez, que comandam as prefeituras de Craíbas, Girau do Ponciano, Porto Real do Colégio, Junqueiro, Dois Riachos, Pão de Açúcar, São Sebastião, Viçosa, Murici e Joaquim Gomes. Ao todo, os prefeitos dessas cidades foram multados em quase R$ 5 milhões.

A maior multa dentre eles é a de Teófilo José Barroso Pereira (PP), que comanda Craíbas, município no agreste alagoano. As quatro multas que ele levou, juntas, passam de R$ 1,6 milhão. Ele foi autuado pelo Ibama em 2018 por desmatar a Caatinga sem autorização e por descumprir um embargo em uma propriedade. Em 2020, duas novas multas, por impedir a regeneração de mata nativa e deixar de atender a exigências da fiscalização por uma infração anterior.

Além de prefeito, Pereira é sócio-administrador da ADM Administradora de Bens e Direitos, uma holding que administra o patrimônio dos herdeiros do pecuarista Adelmo Pereira. De acordo com investigação do site De Olho nos Ruralistas, Adelmo é primo da mãe do presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Arthur Lira (PP) – Lira também tem o sobrenome Pereira. O prefeito de Craíbas é um dos aliados de Lira no estado.


Prefeito Teófilo José Barroso Pereira (PP) tem mais de R$ 1,6 milhão em multas ambientais aplicadas desde 2015 – nenhuma foi paga
As terras da administradora da família de Pereira estão em áreas de posse dos indígenas Kariri-Xokó, nos municípios de São Brás e Porto Real do Colégio, na divisa entre Alagoas e Sergipe, aponta o dossiê feito pelo site. A terra indígena dos Kariri foi homologada na década de 1990, mas a área contestada passou por um reestudo e foi homologada por Lula (PT) em abril de 2024. A despeito da homologação, o território ainda não teve a desintrusão concluída.

Uma das multas que Pereira recebeu do Ibama se refere justamente a uma das fazendas que está na área reivindicada pelos indígenas. É a fazenda Boa Esperança, uma das maiores do grupo na região. Ela já havia sido alvo de uma infração anterior, em 2016, que saiu no nome de seu pai, Adelmo, morto em 2016. Segundo o Ibama, Pereira impediu a regeneração da floresta nativa que havia sido desmatada anteriormente.

Pereira foi procurado pela reportagem, mas não se manifestou até a publicação.

Prefeitos no Pará colocam estado como campeão em valor de multas ambientais
Se o Alagoas é o estado com maior quantidade de prefeitos com multas ambientais, o Pará é o recordista em valores de multas: são mais de R$ 10,6 milhões, gerados por apenas quatro políticos.

No topo dessa lista, está Pirica, apelido de Weder Makes Carneiro (MDB), que deve disputar a reeleição em Brasil Novo. O município fica às margens do rio Xingu, ao lado de Altamira, um pouco antes da volta grande onde foi construída a usina de Belo Monte.

Pirica foi multado em mais de R$ 5,5 milhões, a maior multa individual de todos os prefeitos eleitos no Brasil em 2020. O motivo, segundo o Ibama, foi ter usado o fogo para destruir mais de 739 hectares de floresta amazônica nativa, dentro da Terra Indígena Cachoeira Seca.

A multa é de 2019, ano em que a terra foi a terceira área indígena mais desmatada do país, segundo dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes). A terra perdeu mais de 60 km² entre 2018 e 2019.

A reportagem procurou o prefeito, que também não respondeu até a publicação. O texto será atualizado se alguma das pessoas citadas se manifestar.

Além de Brasil Novo, os prefeitos de São Félix do Xingu, João Cleber de Souza Torres; de Novo Progresso, Gelson Luiz Dill; e de Rurópolis, Joselino Padilha, foram multados pelo Ibama entre 2020 e 2023. Todos são do MDB.

METODOLOGIA
Edição: Giovana Girardi
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NOVA ETNIA INDIGENA BRASILEIRA, POVO WARAO LUTA POR TERRITÓRIO E VIDA DIGNA

 Nova etnia indígena brasileira, povo Warao luta por território e vida digna
Povo venezuelano foi forçado a deixar seu país e vive história de resiliência e invisibilidade no Brasil

9 de agosto de 2024
04:00
Por Yolis Lyon
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SOCIOAMBIENTAL
direitos humanos imigração política povos indígenas Venezuela violência
Não há mais 305 povos indígenas no Brasil. Desde a segunda metade da década de 2010, um novo povo passou a integrar o conjunto de etnias brasileiras: os Warao, o povo da canoa. Forçados a deixar seu país de origem, a Venezuela, pela situação de grave e generalizada violação de direitos humanos ali vivida, 9 mil indígenas migraram para o Brasil desde 2016, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Destes, 7 mil são Warao. No total, 7,7 milhões de venezuelanos deixaram seu país desde o início da crise humanitária.

“Contávamos 305 povos indígenas e agora temos 306 com os Warao que já estão nascendo aqui e passam a ser indígenas brasileiros”, afirmou Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas (MPI), em entrevista à Agência Pública. Quase metade da população indígena venezuelana no Brasil é composta por crianças e adolescentes, de acordo com o Acnur. Os altos índices de pobreza, inflação e escassez de alimentos e medicamentos no país de origem justificam a migração forçada.

Com suas raízes ancestrais espalhadas ao longo do delta do rio Orinoco, no noroeste da Venezuela, a etnia Warao é diversa em suas formas de organização social e costumes, mas compartilha uma língua comum, também chamada warao. O nome significa “povo da canoa”, refletindo seu uso histórico dessa embarcação como principal meio de transporte. Atualmente, totalizam cerca de 49 mil indivíduos em seu país de origem, sendo a mais antiga comunidade da Venezuela caracterizada por suas habilidades em pesca e agricultura. 


Indígenas Warao em canoa no rio Morichal Largo em Monagas
Desde o início da colonização até o século XVIII, os Warao incorporaram à sua sociedade outros povos que fugiam do massacre colonial, intensificando sua diversidade interna e influenciando suas práticas culturais. Agora chegam ao Brasil e se unem aos povos originários nacionais em sua luta por território.

“Queremos ter um lugar onde possamos fazer rituais, cantar, dançar, um lugar que tenhamos para fazer artesanato, para semear e, sobretudo, para produzir. Nós, como povo indígena, temos sido milenarmente autônomos”, explicou o cacique Aníbal Pérez, que é professor e chegou ao Brasil junto a sua família em 2016. Ele considera que é necessário reconhecer a nova etnia: “Já existe Warao brasileiro”. Como muitos migrantes, Pérez já passou por vários estados desde que entrou no Brasil pela fronteira de Roraima. Hoje vive em Alagoas.

POR QUE ISSO IMPORTA?
Indígenas do povo Warao emigraram em peso para o Brasil e necessitam de acolhimento específico que respeite seus direitos e costumes tradicionais.
Em março deste ano, os Warao conquistaram uma importante vitória: a concessão de um terreno de 35 mil metros quadrados pela prefeitura de Cuiabá, no Mato Grosso, a 52 famílias. No local, os indígenas poderão exercer sua autogestão, viver conforme seus elementos culturais e éticos e resolver seus próprios conflitos de forma autônoma. O terreno simboliza não apenas um novo lar, mas a inclusão do povo nas políticas públicas municipais.

“Queremos ser os protagonistas de nossas histórias e vidas. Nós mesmos contamos nossas próprias histórias, porque o não indígena tem muito que aprender e conhecer de nós. É isso que estamos fazendo, abrindo e construindo caminhos, porque já faz muito tempo que estamos sendo tutelados. Nós, os líderes indígenas, projetamos a nossa liberdade”, acrescentou o cacique Warao.


Comunidade de indígenas Warao refugiados em Brasília (DF). Em 2023, o Brasil registrou 58,6 mil novos pedidos de refúgio feitos por pessoas de 150 nacionalidades
Apesar de a Constituição Federal assegurar aos povos originários o direito de manutenção de seus estilos de vida, línguas, crenças e tradições, o caso de Mato Grosso é uma exceção. A falta de um lugar digno para morar em outras cidades brasileiras tem levado os venezuelanos a se instalarem em abrigos, ocupações e casas precárias ou nas ruas, sob viadutos e nas proximidades dos terminais rodoviários. Nesses espaços, enfrentam uma série de dificuldades, como a falta de água potável, comida, atendimento à saúde e medicamentos, além de serem alvo de violência e xenofobia.

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Invisibilizados pelas políticas públicas e ações humanitárias, à margem das estatísticas dos fluxos migratórios, os indígenas venezuelanos deslocam-se invisíveis e silenciosos pelo Brasil, mas carregam consigo histórias de profunda resiliência, esperança e luta pela sobrevivência. Mesmo depois do deslocamento forçado e das longas jornadas enfrentadas, o povo resiste para manter seus costumes, língua, crenças e relações milenares. Longe de seu país de origem, travam uma batalha diária pelo direito ao território e por uma vida digna. 
Dificuldades de um novo recomeço no Brasil
O Brasil se tornou um dos países mais procurados pelos refugiados Warao, que entram pela fronteira terrestre da cidade de Pacaraima, em Roraima. Há registros da presença desses povos desde 2014, em especial em estados do Norte do país, como Roraima, Amazonas e Pará, ainda que estejam espalhados por várias unidades federativas. Trazendo consigo uma diversidade cultural, linguística e habilidades originárias, o fluxo migratório venezuelano enriquece a cultura brasileira.
Levantamento da OIM mapeou a presença de 13 etnias indígenas venezuelanas no Brasil; os Warao são maioria e representam 71%
O cacique Iván Torres Morales mora no Brasil há quatro anos. Ele partiu do município de Antonio Díaz, no estado do Delta Amacuro, na Venezuela. Agricultor e pescador, trabalhava cultivando a terra e vendia verduras e frutas para sustentar sua família. “Não podemos voltar para a Venezuela, a situação lá é muito difícil. Eu e minha família vamos permanecer no Brasil, [mas] precisamos construir nossas casas”, afirmou.

Torres vive atualmente em uma barraca de lona em uma ocupação na cidade mineira de Betim, a Retomada Terra Mãe, onde faltam comida, apoio médico e estrutura e sobram violência e insegurança. “Nos alimentamos quando saímos para pedir na rua e, com a ajuda que recebemos, conseguimos comprar comida”, explicou o cacique em espanhol. De acordo com ele, que também fala warao, as barreiras linguísticas e culturais dificultam a busca por emprego.

Assim como no caso de Iván Torres, algumas entrevistas feitas para esta reportagem foram conduzidas em espanhol ou warao, para que os migrantes se expressassem da forma mais confortável possível.

“Não temos trabalho, por isso estamos vivendo assim”, explicou o artesão Raumir Pedrosa, que mora na retomada há alguns meses. Para viver, ele depende da venda de artesanatos, mas não tem conseguido fabricar os produtos, pois “falta material”.

“Minha família é grande, somos sete pessoas, e ainda não temos barracas aqui, estamos morando na barraca de um parente. Eu quero morar aqui porque meus filhos estão estudando na escola, e por isso quero construir uma casa para viver com nossa família. Queremos uma terra para viver”, explicou Nino García, que chegou no Brasil há um ano.

Daybellis Yurimar Villalba, que também vive no local, destacou que “muitos da comunidade sofrem com doenças como gripe e diarreia, mas enfrentam dificuldades para acessar medicamentos essenciais nos serviços de saúde”, pois “não têm dinheiro”. Villalba afirmou que seu povo “tem uma saúde frágil”, que se agrava em períodos frios e chuvosos, quando a falta de infraestrutura deixa todos expostos a enfermidades. “Precisamos de casas dignas para enfrentar o inverno rigoroso e proteger nossas crianças”, defendeu.

De acordo com Villalba, a princípio, o grupo recebeu apoio de alguns órgãos estatais, como o Ministério Público, a Defensoria do Estado de Minas Gerais e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), em especial para matricular as crianças e adolescentes na escola – sem um comprovante de endereço, as instituições não aceitavam as matrículas. “Mas, além disso, é uma rede de apoio vazia e sem continuidade”, desabafou.

Cleiton Rattia Quinones, por exemplo, convive com “muita dor nas pernas e pés inflamados”, após ter passado muito tempo “pedindo ajuda na rua”, quando viveu em Mossoró, no Rio Grande do Norte. “Estou [há] um ano assim, tomando medicamento. O dia que não tomo, a dor volta. Decidimos vir para Betim e queremos ficar aqui, construir uma casa, trabalhar a terra… Deus vai nos ajudar”, disse. Já María de Los Angeles resolveu buscar um novo futuro na retomada após ter perdido um filho por fome na Venezuela. “Por isso decidi sair do meu país”, afirmou.

A Retomada Terra Mãe se iniciou em 7 de setembro de 2023, quando os Warao se uniram a indígenas brasileiros Ticuna e ocuparam menos de 1 hectare de um terreno registrado em nome de um empresário local. A área já havia passado por uma ocupação em 2014, mas o proprietário conseguiu a reintegração de posse na Justiça. Os indígenas defendem que o terreno seguia sem uso passados nove anos da reintegração, o que os motivou a lutar por um novo começo ali.

Hoje as 23 famílias indígenas da retomada vivem em barracas de madeira e lona confeccionadas por eles próprios, em um espaço com condições precárias e subumanas, com acesso mínimo à infraestrutura e saneamento e um entorno repleto de lixo. O local também é palco de conflitos com alguns não indígenas, que tentam expulsar os Warao da região por meio de ameaças e abordagens violentas.
O drama nos abrigos
Muitas das famílias que vivem na retomada em Betim já passaram pelos abrigos, principal estrutura de recebimento dos migrantes no Brasil. Entretanto, a experiência de acolhimento nesses locais tem se mostrado pouco eficaz e culturalmente insensível às necessidades das comunidades de encontrar um novo lugar para recomeçar, em que possam preservar suas tradições e promover sua autossuficiência.

O cacique Santo Tovar e sua família, por exemplo, viveram alguns meses em um abrigo na capital mineira. Em entrevista à Pública em 14 de abril deste ano, ele denunciou que a estrutura do local não comportava as famílias numerosas e que os abrigados tinham que conviver com vazamentos de água e esgoto.

“Estamos cansados de ser maltratados. Eles tentam nos manter debaixo dos pés deles. Não podemos viver mais aí, não somos uns animais, somos humanos, temos autonomia, somos indígenas Warao”, disse. Ele afirmou que havia solicitado à prefeitura que emprestasse “um terreno para construir casas para as famílias” que viviam no abrigo, mas não obteve retorno.

Poucos dias depois, em 22 de maio, Tovar e sua família, composta por quatro adultos e cinco crianças, foram expulsos por 15 dias do abrigo por conflitos internos. A reportagem conversou com o cacique no centro de Belo Horizonte. Seus familiares, sentados na calçada, seguravam seus pertences e buscavam uma forma de ir até a retomada para que não tivessem que dormir na rua.
Familiares do cacique Tovar pedem doações no centro de Belo Horizonte enquanto esperam uma forma de ir para a retomada após serem expulsos do abrigo
Ainda assim, o cacique considera que vive “um pouco melhor” no Brasil do que na Venezuela. “Lá a situação está muito complicada, muita carência, sofrendo de fome, de [falta de] roupas, de medicamentos e atendimento médico”, afirmou naquele dia.
Tovar e sua família conseguiram voltar para o abrigo em 6 de junho, mas foram desligados definitivamente no dia 25 do mesmo mês e hoje moram na ocupação em Betim. O abrigo em questão fica no bairro Serrano da capital e é administrado pela Cáritas-MG, que passou a ser a única organização a receber os Warao após a finalização do convênio da prefeitura com o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR Brasil) por denúncias de violações de direitos humanos.
“Os governos federal, estadual e municipal criaram vários abrigos. Entendemos e estamos conscientes que foram criados para solucionar problemas emergenciais, não para que os povos indígenas, migrantes e refugiados ficassem morando por tempo indeterminado”, explicou o cacique Warao Aníbal Pérez.

“A população não precisa de mais abrigo, não precisa de mais estruturas físicas de encerramento delas dentro do espaço padrão. Elas precisam ter terra, que elas possam se organizar nesse território, exercer a sua capacidade de autogestão e o direito de viver com seus elementos culturais e étnicos”, afirmou o especialista Marcelo Lemos, que pesquisa a mobilidade do povo Warao no Brasil em seu doutorado na Universidade de Brasília (UnB).

As condições insalubres de alguns abrigos e casas onde os migrantes são recebidos na capital são conhecidas pelas autoridades. A Subsecretaria de Direitos Humanos, vinculada à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais, do governo do estado, afirmou via Lei de Acesso à Informação (LAI) que, em setembro de 2021, a prefeitura de Belo Horizonte alocou um grupo de 80 indígenas venezuelanos no abrigo São Paulo, gerido pela Sociedade de São Vicente de Paulo, ainda que o local tivesse “problemas de insalubridade”. Depois, informou o governo, a prefeitura os transferiu para uma organização da Cáritas.

Abrigo São Paulo, onde indígenas Warao foram recebidos em 2021. As condições precárias do local foram alvo de cobranças da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG)

Abrigo São Paulo, onde indígenas Warao foram recebidos em 2021. As condições precárias do local foram alvo de cobranças da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG)
A situação não é exclusiva de Belo Horizonte. Reportagem do especial “Segredos da Operação Acolhida”, da Pública, revelou que, em Roraima, migrantes venezuelanos têm escolhido dormir na rua ao invés de ficar nos abrigos oferecidos. De acordo com a pesquisadora Carolina Leite, da Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe), entrevistada na reportagem, “praticamente 100%” das mulheres Warao que fizeram parte de sua pesquisa haviam sofrido “algum tipo de violência sexual e de gênero – no mínimo assédio – em sua passagem” na operação.

Em entrevista, a ministra Sonia Guajajara afirmou que o MPI tem recebido e monitorado denúncias de “violência”, “desentendimentos” e “brigas internas” nos abrigos, mas que elas “fogem de nosso controle”. “Por exemplo, temos em São Paulo o maior número de pessoas que vivem na rua, e o Estado não consegue resolver isso”, afirmou.

A Subsecretaria de Direitos Humanos de Minas Gerais afirmou via LAI que a “superlotação”, que ocorre “devido à chegada contínua de novos familiares”, é um desafio a ser enfrentado pelos órgãos municipais e estaduais no acolhimento dos Warao. Afirmou ainda que há cerca de 300 indígenas da etnia em Minas Gerais, nas cidades de Belo Horizonte, Betim, Montes Claros, Uberaba e Uberlândia, e elencou algumas ações de acolhimento.

No início de 2023, lideranças indígenas denunciaram ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e ao Ministério Público Federal (MPF) que estariam sofrendo violações de direitos humanos e tendo que viver em condições precárias, em abrigos e casas alugadas pela prefeitura de Belo Horizonte. Um grupo de trabalho foi criado para investigar as denúncias, mas até então ninguém foi responsabilizado.

Em retorno à reportagem, a prefeitura de Belo Horizonte afirmou que os dois abrigos que atendem 131 indígenas migrantes venezuelanos estão “organizados de forma a respeitar a cultura e os costumes das famílias indígenas acolhidas” e que a prefeitura e a Cáritas, que administra os locais, têm realizado “diversas ações de conscientização contra a discriminação nos bairros onde estão os abrigos”. Citou a promoção da educação de jovens e adultos (EJA), a matrícula das crianças nas escolas, o planejamento familiar para as mulheres, a promoção de festas comemorativas, a inserção no mercado de trabalho e no Programa Bolsa Moradia como projetos desenvolvidos para o grupo.

Sobre a suspensão do cacique Santo Tovar, a prefeitura afirmou que ela “se deu por descumprimento das regras do local que são estabelecidas pelos próprios usuários”, que incluem banimentos a agressões e consumo de álcool. “No descumprimento há inicialmente uma advertência, seguida pela suspensão e na reincidência o desligamento”, afirmou a prefeitura. O órgão disse também que a família de Santo é contemplada com o Bolsa Moradia, Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada (BPC), “como estratégias de proteção e fortalecimento da autonomia”.

A Cáritas-MG, a prefeitura de Betim e o governo do estado não responderam aos questionamentos enviados pela reportagem.
“Somos parentes”: indígenas brasileiros e venezuelanos se unem
Em sua luta por território, os Warao têm se unido aos povos indígenas brasileiros, como os Ticuna, os Kamakã Mongóio e os Xukuru-Kariri, que também têm batalhado por um lugar onde viver em Minas Gerais. A necessidade de estabelecer moradia de acordo com suas tradições é uma realidade pungente que atravessa a vida dessas comunidades e reflete muitas vezes o despreparo e o descaso do poder público e da Justiça para oferecer saídas dignas na garantia dos direitos dos povos originários. Em resposta, a migração surge como uma forma de os povos buscarem proteção e direitos.
Darupuuna Magüta, do povo Ticuna, é uma das lideranças da Retomada Terra Mãe, onde seu povo morou por um tempo, mas saiu por medo da violência. Os Ticuna deixaram seu território ancestral na região do Alto Solimões, localizado na Amazônia brasileira, por falta de oportunidades de emprego e melhores condições. “Estamos aqui para dizer que vamos viver em nosso território, dentro e fora das cidades, e estamos em luta”, afirmou.

“Somos parentes dos Warao venezuelanos, eles contam conosco e nós contamos com eles. A luta que se perde é a luta que se abandona”, acrescentou Paulo Puēūruō, pajé do povo indígena Xukuru-Kariri. Ele vive hoje em uma retomada indígena na cidade mineira de Brumadinho, após deixar seu território ancestral na aldeia Palmeira dos Índios, em Alagoas, com outras dez famílias, pela perseguição de fazendeiros e falta de oportunidades.
Repórter Yolis Lyon e pajé Paulo Puēūruō, do povo indígena Xukuru-Kariri, em retomada de seu povo
“Aqui é nossa casa. Para sobreviver, nós plantamos mandioca, batata-doce, feijão, milho, pescamos na lagoa. Nós temos aqui escola com professores indígenas, temos a oportunidade de ensinar o que nós sabemos para que as novas gerações aprendam sobre nossa língua, cultura e tradição.” “Para nós não existem fronteiras. Quando os invasores chegaram aqui, nós já existíamos”, afirmou.

Quem liderou e nomeou a Retomada Terra Mãe foi o cacique Merong Kamakã, do povo Kamakã Mongoió. Ele defendia que toda ocupação é uma retomada dos povos originários às terras às quais têm direito, não importando a nacionalidade. Merong, um dos articuladores da união de vários povos em Minas Gerais, faleceu em março deste ano em circunstâncias suspeitas – as autoridades declararam sua morte como suicídio, o que é contestado pela família, visto que ele sofria ameaças por sua atuação como liderança.

“Eu reafirmo a luta travada por meu filho. Tiraram de nós um guerreiro, trabalhador, lutador,  que gostava de ajudar a todo o mundo independentemente da etnia. Para mim, meu filho era cacique de vários povos. Era conhecido aqui no Brasil e fora do Brasil, falava cinco línguas indígenas e virou referência de vários povos por fazer retomadas. Antes da sua partida, estava difícil. Agora está mais difícil ainda pela perda dele”, disse sua mãe com lágrimas nos olhos. “Ele não morreu, ele encantou, está cuidando de nós agora.”

A cacica conta que ela e os seus saíram da Bahia expulsos por fazendeiros e então foram para Minas Gerais, onde se estabeleceram em um território posteriormente afetado pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Depois, fizeram a retomada onde vivem, em um território que oficialmente pertence à mineradora. “Viemos pelo chamado da terra. Eu peço a compreensão da Justiça. Todos os povos indígenas precisam de seus territórios para dar continuidade a sua cultura”, enfatizou Katorã. 
Homenagem ao cacique Merong Kamakã na retomada de seu povo. Na foto, a repórter Yolis Lyon e familiares do cacique, como sua mãe, a cacica Katorã
Ações estatais são insuficientes para proteger os direitos indígenas
O fluxo de refugiados indígenas tem apresentado novos e desafiadores cenários para governos, organizações humanitárias e a sociedade civil. Faltam até mesmo dados sobre a quantidade, gênero e idade de indígenas venezuelanos no Brasil. Questionado sobre o número de solicitações de refúgio feitas por indígenas Warao entre 2016 e 2024, o Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), que produz os dados utilizados pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), informou à reportagem que não coleta “dados sistematizados sobre etnia/raça/cor”.

A Pública tentou obter as informações via LAI com os estados de Minas Gerais e Mato Grosso, onde há presença de Warao, mas as entidades federativas informaram que não contavam com esses números.

A defensora pública federal Sabrina Nunes Vieira se dedicou ao tema do acolhimento Warao em sua pesquisa de mestrado, que abordou a população no estado de Minas Gerais. O estudo concluiu, por exemplo, que a prefeitura de Belo Horizonte tem buscado atender à população com recursos alocados, mas, no âmbito do estado, há um maior afastamento do tema, enquanto a União ainda se mantém realmente distante, apesar dos indícios de maior engajamento do MPI.

Dessa forma, de acordo com ela, cabe à Defensoria Pública da União (DPU) “negociar com os entes federativos, a União, o estado e o município, para assegurar a proteção da população [Warao] e garantir seus direitos”. A pesquisa de Nunes ainda indicou que, apesar dos investimentos em acolhimento, persistem situações de violações de direitos, particularmente manifestadas como xenofobia racializada contra os indígenas na capital mineira.

Em entrevista, a ministra Sonia Guajajara assumiu que ainda “não há um atendimento suficiente e adequado” para os Warao, mas afirmou que o MPI tem tentado “encontrar uma melhor forma”. “Ainda existem vários povos indígenas brasileiros que não conseguiram seu território, mas isso não deve ser usado para excluir outros povos de conseguirem o seu”, afirmou.

Para a ministra, um dos grandes desafios da pasta tem sido “debater com o Congresso Nacional, que critica e questiona” as demandas indígenas. “Se isso acontece para [os povos do] Brasil, imagine para os indígenas que chegaram”, ressaltou.
Ministra Sonia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas, em seu gabinete
“As ações ainda são muito incipientes. Aquelas ações que tiveram alguma iniciativa ainda não estão estruturadas efetivamente como políticas”, acrescentou André Ramos, coordenador do Grupo de Trabalho criado pela presidência da Funai para acompanhar os venezuelanos, em entrevista à Pública. Ele afirmou que, no governo passado, de Jair Bolsonaro (PL), a Funai tinha uma “atitude de não assumir efetivamente essa pauta”, o que mudou com a nova gestão, presidida por Joenia Wapichana.

Em abril do ano passado, a presidente da Funai se reuniu com indígenas venezuelanos. Foi a primeira vez, desde o início da crise migratória, que uma comitiva Warao foi recebida pelo governo em Brasília.

“A presidência da Funai assumiu que, de fato, a entidade precisa atuar junto com os indígenas venezuelanos porque há um desafio, que é o desafio do próprio processo de dominação colonial. Essa dominação colonial não atingiu só os indígenas do Brasil, atingiu toda a América. Não podemos, de forma alguma, tratar os indígenas latino-americanos como se fossem estranhos à nossa realidade”, afirmou Ramos.
Conheça a autora

Yolis Lyon é jornalista, indígena venezuelana da etnia Warao, defensora dos direitos humanos e, há mais de dez anos, trabalha com a população migrante e refugiada no Brasil. Atuou como trabalhadora humanitária em Pacaraima (RR); foi tradutora e assessora na Secretaria Estadual de Assistência Social de Amazonas, em Manaus (AM); e trabalhou como tradutora e ponto focal no abrigo de migrantes indígenas Warao no Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados de Belo Horizonte. Também atuou como Articuladora Social na Cáritas-MG, na atenção direta à comunidade Warao acolhida no abrigo Vila Pinho. É liderança indígena Warao reconhecida pelo seu povo, conselheira do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial – PBH e Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial – CONEPIR/MG. Yolis também fundou a organização Casa Común del Pan, que presta assistência e capacitação profissional a migrantes e refugiados.

1.641 MUNICÍPIOS NO PAÍS TÊM RISCO A CHUVAS ALTO, O QUE CABE AOS PREFEITOS?

 1.641 municípios no país têm risco a chuvas alto ou muito alto; o que cabe aos prefeitos?
Dado considera impacto que cidades podem ter por causa da exposição e vulnerabilidade – pontos que gestores podem mudar

15 de agosto de 2024
12:20
Por Gabriel Gama, Giovana Girardi
 ESPECIALCLIMA DAS ELEIÇÕES
CLIMA PODER
Clima das Eleições desastre ambiental Mudanças Climáticas política

No dia 1º de janeiro de 2025, pelo menos 1.641 prefeitos no Brasil vão tomar posse em cidades que têm risco de impacto alto ou muito alto para desastres relacionados a chuvas, como deslizamentos de terra e/ou inundações, enxurradas e alagamentos. Elas representam quase 1 a cada 3 municípios do país e 50% da população. Entre essas cidades, 907 têm risco de impacto elevado para os dois tipos de desastres. É o caso de capitais como Rio de Janeiro, Salvador, São Luís, Natal, Maceió, Macapá e Manaus.


O agravamento das mudanças climáticas impõe aos novos mandatários um desafio extra de gestão. A forma como planejam administrar suas cidades nos próximos quatro anos vai tornar seus habitantes mais ou menos vulneráveis ou resilientes diante da ocorrência de eventos extremos, que têm se tornando mais comuns e intensos em todo o mundo.

Os dados foram compilados pela Agência Pública na plataforma AdaptaBrasil, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que reúne informações sobre diversos riscos de impacto das mudanças do clima para cada um dos 5.570 municípios do país. O objetivo é revelar as fragilidades a fim de orientar ações de adaptação nas cidades.

POR QUE ISSO IMPORTA?
É nas cidades que a crise climática chega primeiro e são os prefeitos os que primeiro atendem às emergências.
Sem planejamento para aumentar a resiliência dos municípios, as populações tendem a ficar mais vulneráveis ao aumento de eventos como as chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul neste ano.
A plataforma considera, além dos dois tipos de desastres geo- hidrológicos (deslizamentos e inundações, enxurradas e alagamentos), os riscos de impacto de seca e de doenças e também os riscos às seguranças alimentar e energética e às infraestruturas portuária, rodoviária e ferroviária.

A análise estabelece um índice para cada um desses riscos, que vai do muito baixo ao muito alto, a partir de um cálculo que considera uma combinação de três fatores principais: quanto cada cidade está ameaçada pela mudança do clima (se vai chover mais ou menos, por exemplo); quanto ela está vulnerável a essa ameaça (ou seja, se a cidade é muito sensível ao problema ou se tem condições de lidar com aquilo); e quanto está exposta (se tem pessoas em moradia de risco e em alta densidade demográfica).

Isso é importante porque quanto uma cidade pode sofrer diante de um evento não depende apenas da intensidade dele. Dois municípios – ou dois bairros dentro de uma mesma cidade – podem ser atingidos por um mesmo volume de chuva, mas ter uma quantidade de danos ou vítimas completamente diferente porque são mais ou menos vulneráveis ao desastre.


Cidades são as primeiras a sofrer com a crise climática
Essa análise tem tudo a ver com as eleições e com os desafios dos novos prefeitos, apontam especialistas ouvidos pela Pública. É nas cidades que o desastre climático primeiro se instala. São os prefeitos, os gestores locais, os primeiros a ter de atender às emergências. Mas são também eles que podem adotar medidas que, se não vão evitar que uma chuva forte aconteça, por exemplo, ao menos conseguem reduzir seu impacto e salvar vidas.

Manter a adoção de velhas práticas que não levem em conta esses riscos, por outro lado, como canalizar rios, impermeabilizar as cidades, reduzindo as áreas verdes, permitir a ocupação de áreas sem oferecer nenhuma infraestrutura, pode agravar ainda mais esse cenário.

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“A mudança do clima acontece no território, mas as políticas climáticas ainda estão acontecendo nos níveis globais, nacionais, setoriais. Ainda falta trazer o tema de clima para os municípios”, aponta Ana Toni, secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente.

Ela vem liderando a construção do Plano Clima, pensado para guiar a política climática brasileira até 2035 a partir de dois pilares: uma estratégia para reduzir as emissões de gases de efeito estufa do país; e uma estratégia de adaptação, para diminuir a vulnerabilidade de cidades e ambientes naturais às mudanças do clima.

Trabalhando em contato direto com gestores municipais nesse processo, ela diz sentir que ainda falta preparação para os prefeitos em relação a essa agenda. “Cabe aos prefeitos fazer adaptação, prevenção e preparação para desastres. Cabe também fazer mitigação, porque toda a área de mobilidade urbana está na mão do prefeito, assim como a de resíduos. Essa é a agenda que deveria ser abraçada pelos futuros prefeitos e prefeitas. Mas o que a gente vê é uma falta de preparação deles”, afirma a secretária.

Ela argumenta que ainda não existe uma cultura de fazer políticas que talvez possam vir a beneficiar o prefeito do futuro. “Pensa-se muito em programas e projetos que tenham efeitos mais rápidos: ‘vou construir uma escola’. Mas, se a escola vai ser inundada daqui 8 anos ou 10 anos não é mais a responsabilidade daquele prefeito que construiu a escola. Acho que ainda não há incentivos para que o prefeito faça construções resilientes”, diz.

Uma das ideias do Plano Clima é orientar os governos locais nesse sentido, para que eles construam seus planos de adaptação.
Sem planejamento, a vulnerabilidade das populações aumenta
Não é só a chuva forte que faz um desastre
“Não estamos aqui falando se há ou não o risco de existir um desastre, mas do risco do impacto que esse desastre pode causar, o que é muito diferente”, explica Jean Ometto, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coordenador científico do AdaptaBrasil. “Estamos falando que, se acontecer um deslizamento ou uma inundação, o impacto é maior ou menor dependendo da vulnerabilidade e da exposição daquela população”, diz.

O fator vulnerabilidade considera quão sensível é um determinado lugar a ser alterado diante do desastre (deslizar, inundar, por exemplo) e se ele tem a chamada capacidade adaptativa – que é quanto as cidades estão preparadas para responder ao desastre.

Esse é um dos fatores de maior fragilidade no país. As cidades simplesmente não estão preparadas: de acordo com o AdaptaBrasil, 66% do total de municípios do Brasil (3.679) possuem capacidade adaptativa baixa ou muito baixa para deslizamentos de terra. Quando se observa a situação para inundações, enxurradas e alagamentos, o número é ligeiramente maior, com 3.739 cidades com capacidade adaptativa baixa ou muito baixa para enfrentar esse tipo de desastre.

Outras informações que compõem o índice de vulnerabilidade tratam da governança e a gestão do risco nas cidades, fator diretamente relacionado com a condução de políticas públicas na esfera municipal. Quatro a cada cinco cidades brasileiras (83%), ou 4.634 municípios, possuem gestão de risco baixa ou muito baixa para deslizamentos de terra. Tratando de inundações, enxurradas e alagamentos, são 4.374 cidades (78% do total) com gestão de risco baixa ou muito baixa.

A plataforma também agrega informações específicas sobre a existência ou não de sistemas de alerta antecipado para os desastres: apenas 1.072 cidades, ou uma a cada cinco no país (19%), possuem essa ferramenta para enfrentar deslizamentos de terra e 1.178 municípios operam alertas para inundações, enxurradas e alagamentos.

Terceiro fato que compõe o risco de impacto, a exposição leva em conta a presença de pessoas, moradias e infraestrutura nesses locais sujeitos a deslizamento ou inundação, por exemplo. “Um morro pode deslizar em uma chuva, mas, se não tiver casa ali, não há exposição”, explica Ometto.

São 1.130 municípios com índice de exposição alto e muito alto para inundações e 1.069 para deslizamento. O pesquisador cita como exemplo São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, que em fevereiro de 2023 foi atingido por fortes chuvas e 64 pessoas morreram. As vítimas estavam todas nos locais de alta vulnerabilidade e exposição (ocupando os morros, por exemplo). Já nos bairros mais seguros, houve impactos, mas infinitamente menos graves.


No Rio Grande do Sul, a cidade de Lajeado, severamente impactada por inundações no desastre que atingiu o estado entre abril e maio, por outro lado, até tem uma capacidade adaptativa alta, mas a gestão de ocupação urbana em áreas de risco é muito baixa. Somando isso à alta exposição e à ameaça climática muito alta, o risco da cidade aumentou.

Ometto alerta que a crise climática combinada com uma quase total ausência de atenção para a vulnerabilidade das cidades tem deixado cada vez mais brasileiros em risco de eventos como a tragédia do Rio Grande do Sul e as queimadas recentes no Pantanal e na Amazônia.


“Isso a gente pode falar sem dúvida nenhuma. Não só porque a população do país aumentou, mas porque não teve um Plano Diretor, não teve um ordenamento territorial nos últimos 20 anos no Brasil que considerou a mudança de clima. A gente pode até ter um ou outro plano municipal de adaptação, plano municipal de mudança climática, mas em que isso refletiu em um bom ordenamento territorial? Muito pouco”, afirma.


O arquiteto Leonardo Musumeci, diretor-executivo adjunto do Instituto de Arquitetos do Brasil, que implantou um grupo de trabalho chamado Clima e Cidade, concorda. “O risco não vem da natureza, o risco vem de uma ação humana de produção do ambiente e da paisagem. Isso quer dizer que não é a natureza que coloca a situação de risco, mas que, na verdade, o modo de produção e ocupação das nossas cidades produz uma aliança perversa entre a desproteção social e a suscetibilidade ambiental.”

Na cultura de planejamento brasileira, pontua Musumeci, os planos de gestão de risco costumam descer de nível do federal para o estadual e o municipal. “Mas ninguém pode conhecer melhor o seu território do que o próprio município. Mas, para isso, é preciso a realização de diagnósticos locais sobre as situações de risco. É o primeiro passo: conhecer a condição e a dimensão desse risco. É a base para os planos de gerenciamento de risco, que depois serão incorporados em outras legislações, como o Plano Diretor e a Lei de Uso de Ocupação do Solo”, diz.

“É competência do município que a Defesa Civil mobilize as pessoas para reconhecerem sua situação de risco e faça diagnósticos participativos, com o envolvimento da população para criar um senso de comunidade para a prevenção do risco. A responsabilidade de evitar que o risco se transforme em um desastre é das prefeituras”, defende o arquiteto.

Ometto reforça que é crítico que os novos prefeitos incorporem no planejamento urbano a variante de que o clima agora é diferente do que a gente vivenciou no passado. “A chance é muito grande de que eles vão ter de enfrentar essas situações e, para isso, eles têm que olhar o quão vulneráveis estão suas populações e quais são as medidas para que essa vulnerabilidade diminua, para que a capacidade adaptativa aumente”, comenta.

Nesse sentido, as ações a serem adotadas não dependem apenas de grandes obras ou de remoções de comunidades em área de risco, por exemplo – apesar de às vezes isso ser, sim, necessário. Mas é preciso se valer também de outras estratégias que diminuam a vulnerabilidade.

Muito se fala de sistemas de alertas, que são fundamentais na hora de evacuar um local sob ameaça iminente, mas é preciso investir também em educação para que essas pessoas saibam como agir nesse momento. É preciso ter áreas de refúgio para elas irem. Mobilidade urbana para que elas possam se deslocar. Além, claro, de investir nas chamadas soluções baseadas na natureza, como melhorar a arborização e a drenagem, criando a estrutura que acabou ficando bastante difundida após a tragédia de maio do Rio Grande do Sul, de cidades-esponja.


Plano nacional visa colocar em emergência cidades que já sofreram com desastres
Apesar da necessidade clara de os prefeitos colocarem a questão climática como central na sua gestão, os especialistas ouvidos pela reportagem lembram que os esforços para lidar com essa crise não se darão à base do cada um por si e dependem, também, das outras instâncias de governo, principalmente por causa da necessidade de recursos.

Desde o início do ano passado, o governo federal trabalha em um plano de prevenção e enfrentamento dos eventos climáticos extremos que considera um outro indicador: uma lista de 1.942 municípios, onde vivem 73% da população do país, que já foram impactados com desastres relacionados a chuvas, mortes e desalojamentos em decorrência desses eventos no período de 1991 a 2022.

Pouco mais da metade dessas cidades conta com monitoramento diário do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), órgão que colaborou com o levantamento.

“Seria muito importante que, para a elaboração das suas propostas, dos seus planos de governo, cada candidato já olhasse: a sua cidade está na lista das 1942 cidades com maior risco? Se está, qual é a tipologia de desastres que afeta a cidade? Tem mapeamento ou não tem mapeamento das áreas de risco? Tem alguma avaliação sobre o quantitativo de pessoas que vivem em risco na minha cidade?”, afirma Regina Alvalá, diretora do Cemaden.

“Quem está mais próximo da população é o [gestor do] município. São essas pessoas que precisam estar prontamente preparadas para auxiliar a população, criar rotas de fuga e treinar profissionais”, complementa. “Se no seu município você começar a desmatar, a tirar a vegetação que protege as margens dos rios, os topos de morros, a sua cidade, que não tinha risco, pode passar a ter. Então, se a cidade já está na lista, tem de entender o que é preciso priorizar. Se não está, entender quais as singularidades da cidade e ficar atento para os riscos que podem surgir no futuro.”

A lista consta de uma nota técnica da Casa Civil finalizada em outubro do ano passado para orientar, entre outras ações, a escolha das cidades a receberem recursos do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Já considerando que as obras têm de ser feitas com o critério “prevenção de riscos”, com contenção de encostas, sistema de macrodrenagem, barragens de regularização de vazões e controle de cheias, por exemplo.

A ideia da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, é, a partir desse levantamento, elaborar uma ação contínua de prevenção de desastres nas cidades mais vulneráveis, uma espécie de “UTI climática”, como ela tem dito.

Uma pré-proposta nesse sentido foi elaborada conjuntamente pelo MMA com os ministérios de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR), das Cidades e da Fazenda para a criação de uma estratégia de enfrentamento à emergência climática com o objetivo de aperfeiçoar a gestão de risco e incluir medidas antecipatórias.

Em junho, essa proposta inicial chegou a ser apresentada à Casa Civil e ao presidente Lula, mas ainda não avançou. Segundo Ana Toni, reuniões semanais têm sido feitas para aprimorar o projeto, mas ainda não há previsão de entrega.

Edição: Bruno Fonseca | Dados: Bruno Fonseca, Bianca Muniz
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Gabriel Gama
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Giovana Girardi
 
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As cidades, o clima, as eleições e como a adaptação pode salvar vidas

 

Os mais de 5.500 prefeitos que vão assumir o cargo a partir de janeiro de 2025 provavelmente terão de lidar com um desafio que vai além do básico de qualquer cidade: moradia, transporte, segurança, saúde, educação, saneamento. 

As ondas de calor e os eventos extremos estão se tornando cada vez mais comuns no Brasil e é nas cidades, na casa de cada um de nós, onde a crise climática aterrissa. São os prefeitos os primeiros a terem de lidar com uma emergência – e a forma como eles planejam administrar suas cidades nos próximos quatro anos vai tornar seus habitantes mais resilientes ou ainda mais vulneráveis.

Se até agora essa não foi uma preocupação real na maior parte dos municípios, daqui para frente eles talvez não possam mais se dar ao luxo de ignorar o problema. Eventos como a tragédia no Rio Grande do Sul neste ano ou as queimadas no Pantanal e na Amazônia tendem a ficar cada vez mais comuns quanto mais quente fica o planeta. 

As mudanças climáticas não criam novos problemas, mas intensificam os já existentes. Cidades que já sofrem com inundações e deslizamentos estão sujeitas a ver essas tragédias ficarem ainda piores. A emergência climática se impõe como algo que demanda uma mudança na forma de governar. 

E não são poucas as cidades que estão em risco. Publicamos nesta quinta-feira (15) uma reportagem que mostra que mais de 1.600 municípios do Brasil – um em cada 3, onde vive 50% da população – têm risco de impacto alto ou muito alto para desastres relacionados a chuvas, como deslizamentos de terra e/ou inundações, enxurradas e alagamentos. 

As cidades simplesmente não estão preparadas para lidar com isso. De acordo com a mesma reportagem, citando dados da plataforma AdaptaBrasil, 66% do total de municípios do Brasil (3.679) possuem capacidade adaptativa baixa ou muito baixa para deslizamentos de terra. 

E a Terra, bem, a Terra está em franco processo de ebulição. Entre agosto de 2023 e julho de 2024, a temperatura média global foi de 1,64ºC acima da média observada antes da Revolução Industrial, já acima do preconizado pelo Acordo de Paris, de que os países deveriam se esforçar para conter o aumento da temperatura a no máximo 1,5ºC. A ciência calculava que a gente só atingiria essa marca por volta de 2030.

Não é só uma sensação: o futuro já está aqui.
Foi pensando neste contexto que a Agência Pública lançou nesta semana sua cobertura das eleições municipais colocando sobre os desafios dos novos gestores uma lupa da emergência climática. É o Clima das Eleições.

Se os futuros prefeitos seguirem o mesmo script de sempre, fazendo obras sem resiliência para um clima extremo, deixando áreas de risco serem ocupadas, impermeabilizando as ruas, canalizando rio, não investindo em arborização e deixando ônibus continuarem rodando com um diesel mais poluente – tudo isso pode tornar as cidades muito mais perigosas e deixar os cidadãos muito mais em risco. 

Por outro lado, ações que priorizam medidas que tornem as cidades mais adequadas vão reduzir em muito esses riscos. 

A reportagem publicada nesta quinta fala mais dos riscos de impacto das chuvas, mas pensemos nas ondas de calor – que matam muito mais em todo mundo do que os desastres ligados a deslizamentos e / ou inundações. Adaptar as cidades para a crise climática não é só fazer obras, mas criar condições mais toleráveis de se viver, como, por exemplo, plantar árvores para amenizar as altas temperaturas nas ruas.

“É preciso arborizar as cidades, criar ambientes onde as pessoas possam se proteger em meio a uma onda de calor, onde possam tomar água fresca, jogar uma água no corpo”, afirma Jean Ometto, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coordenador científico do AdaptaBrasil. 

É preciso ter estratégias para quem trabalha o dia inteiro sob alta exposição na rua, mas também quem vive nela. No ano passado, durante uma das fortes ondas de calor pelas quais passou São Paulo, mostramos como essa população mais fragilizada não tinha nem sequer acesso a água para beber. Essa exposição ao clima extremo é um dos fatores que mais aumenta o risco de impacto de uma cidade.

Por outro lado, ações voltadas para amenizar as ondas de calor podem salvar vidas. É o que indicou um estudo publicado nesta semana na revista Nature Medicine. Os pesquisadores estimaram que mais de 47 mil pessoas podem ter morrido em decorrência das altas temperaturas no verão europeu no ano passado. Mas disseram que esse número poderia ter sido 80% mais alto se muitos países não tivessem adotado medidas para diminuir esse impacto, especialmente entre os mais idosos. 

Eles citam como exemplos de ações: melhorias nos cuidados de saúde, na proteção social e no estilo de vida; progressos na saúde ocupacional e nas condições das construções; esforços de preparação para as ondas de calor, maior sensibilização das pessoas para os riscos, com estratégias de comunicação e alertas precoces mais eficazes. Os pesquisadores estimam que entre pessoas com mais de 80 anos, as mortes poderiam ter sido o dobro sem essas adaptações sociais.

Cada vida salva é um ganho, mas claro que essas medidas têm limite de efetividade. Adaptar é fundamental para proteger as populações, mas é preciso aumentar os esforços para evitar que o planeta continue aquecendo.


Vem coisa nova por aí!

Antes de me despedir, quero compartilhar uma novidade. Na próxima quinta-feira (22) vamos lançar um novo produto: um videocast / podcast, em parceria com a TV PUC, que vai ampliar esse tipo de discussão que costumo fazer aqui nesta newsletter. 

É o “Bom-dia, fim do mundo!”, em que Marina Amaral, diretora e uma das fundadoras da Agência Pública, Ricardo Terto, nosso produtor de podcasts, e eu vamos analisar, toda semana, como os acontecimentos mais importantes da política, as articulações do Congresso, os interesses da economia e a movimentação no tabuleiro da geopolítica internacional se relacionam com os desafios da emergência climática.

Se você curte ler aqui os meus pitacos, te convido a agora, semanalmente, também me ouvir e me ver por lá. O programa estará disponível no seu tocador de áudio favorito, no YouTube da Pública e também na TV PUC. Nos vemos lá!

Giovana Girardi
giovana.girardi@apublica.org
Chefe da Cobertura Socioambiental