Opinião
A prisão de Cunha
Lavagem de dinheiro, definiu o STF, é crime permanente. Eis uma razão para encarcerá-lo
por Wálter Maierovitch
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publicado
21/12/2015 02h23
Lula Marques/Agência PT
Pouca gente sabe, mas existe uma Escola
de Cidadania na esquecida e populosa zona leste da capital de São Paulo:
3,3 milhões de indivíduos. Está instalada no bairro de Ermelino
Matarazzo, funciona na Igreja de São Francisco e depende do trabalho do
seu fundador, Antonio Luiz Marchione, o popular Padre Ticão.
Neste mês de dezembro participei, com o
arquiteto Ruy Ohtake e a deputada Luíza Erundina, de dois colóquios de
fim de ano. Os formandos e a comunidade ouviram considerações sobre a
atuação e o comportamento ético de Eduardo Cunha, presidente da Câmara, e o impeachment.
Este é um instituto para julgamento
político nascido no Parlamento inglês, em 1376, quando reinava Eduardo
III e diante de acusações de incompetência e corrupção dos seus
ministros e da sua amante Alice Perrers: o impeachment restou incorporado ao sistema da Common Law.
Para defender a urgência na decretação da prisão cautelar de Cunha,
lembrei prever o nosso ordenamento legal a prisão em flagrante delito e
estabelecer o poder-dever das autoridades em dar voz de prisão, diante
de situações estabelecidas na lei processual penal.
Mais, frisei o fato de poucos saberem que o nosso Código
Penal contempla delitos de consumação instantânea e crimes permanentes:
nos permanentes, o momento consumativo prolonga-se no tempo, como, por
exemplo, na extorsão mediante sequestro. Aí caberá a prisão em flagrante
enquanto a vítima for mantida em cativeiro, sob domínio do
sequestrador.
Importante lembrar, ao tempo do julgamento do “mensalão”, ter o Supremo Tribunal Federal
(STF) decidido, com relação ao crime de lavagem de dinheiro (e Cunha
está sendo acusado de lavagem de dinheiro), tratar-se de crime
permanente.
No particular, o STF desprezou o
entendimento de doutrinadores a sustentar a lavagem de capitais como
crime instantâneo de efeito permanente. Pela atual jurisprudência do
STF, o crime de lavagem de dinheiro se protrai, se alonga no tempo, ou
seja, é crime permanente.
No caso Cunha, a consumação delinquencial
se alonga, com ocultação permanente de capitais em contas correntes.
Tudo não declarado no Brasil, com evasão de divisas e dinheiro em odor
de corrupção. Trocado em miúdos, pode-se dar voz de prisão em flagrante a
Cunha.
Como reforço, convém lembrar o caso Delcídio do Amaral, preso preventivamente, tendo o ministro relator Teori Zavascki sustentado
tratar-se o crime de formação de organização criminosa, de natureza
permanente, e que poderia, até, ensejar prisão em flagrante.
O mesmo raciocínio empregado pelo
ministro Teori poderia ser adotado pelo procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, numa representação de imposição de prisão preventiva de
Cunha.
Uma custódia, aliás, mais do que
necessária, como é público e notório, para garantia da ordem
estabelecida, conveniência da instrução criminal e a fim de se
assegurar, no caso de condenação, a aplicação da lei penal.
Não se deve esquecer, ainda, poder
qualquer cidadão representar ao procurador Janot para avaliar e
eventualmente postular no STF a prisão preventiva de Cunha. Não se
aconselha, embora legal, voz de prisão dada por comum mortal, pois a
esperteza de Cunha poderia transformá-lo em vítima de desacato.
Por outro lado, a presidenta Dilma, é
sabido, não está sendo acusada, ao contrário de Cunha, de corrupção e
lavagem de dinheiro, crimes comuns.
Na denúncia mandada processar por Cunha, imputa-se contra
Dilma autoria de crime de responsabilidade no exercício das funções
presidenciais, por infração à lei em face de: 1. Créditos suplementares
não autorizados pelo Congresso. 2. Irregularidades na Petrobras, com
destaque à aquisição de Pasadena. E 3. Pedaladas fiscais, mediante
adiantamentos realizados por bancos públicos.
Em casos de impeachment, o
julgamento do mérito das acusações é político e cabe com exclusividade
ao Senado, vencida a fase de admissibilidade da acusação na Câmara.
A bem da verdade, gasta-se tinta ao sustentar a falta de fundamento jurídico para o impeachment
sem se bater à porta do Supremo Tribunal Federal. Em uma situação como a
atual, cabe sim ao STF analisar e decidir sobre ilegalidades e
inconstitucionalidades.
A Corte, assim, poderá decidir se as
acusações contra Dilma, em tese, se adequam ou não ao crime de
responsabilidade. E o STF poderá declarar ser inadmissível o impeachment por atos ocorridos no primeiro mandato de Dilma, conforme está claro no artigo 86, parágrafo 4º da Constituição.
É ingenuidade achar que, no Senado,
haverá julgamento à luz de aprofundado exame de questões jurídicas, mais
especificamente sobre a tipicidade e a presença de intenção dolosa. Num
julgamento político, colhido na base do “sim” ou “não”, pode contar o
fato de outros presidentes terem dado pedaladas e não ter havido dolo
por parte de Dilma.
Mas pode contar a oportunidade da
permanência na função e de se considerar Michel Temer como a salvação da
lavoura. Caso a decisão do Senado seja condenatória, o STF, salvo
irregularidades formais e nulidades, jamais cassará decisão de mérito.
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